28.11.09

25.11.09

frátria

eu quero
o reino unido de saudades & algarves
pangear a cabeça
vamos fundir portugal?

notícias de itaipu: final

Acabou a história dos meninos. Será que eles conseguiram salvar a eles mesmos... e ao Brasil? Você pode ler o final dessa história horripilante em





FIM

23.11.09

não há ninguém por perto

notícias de itaipu

Ambos estavam fracos demais para andar. O menino choramingava dia e noite, chamava pela mãe, às vezes delirava e pedia, em estado de transe, para que o pai não lhe batesse.

"Eu não quero morrer!..."

O chefe, exausto, olhava o corpo fraco do seu colega de classe, fedia. "Viado", pensou. Com alguma dificuldade, sentou-se na cadeira que agora ficava de frente para a janela do sótão. Alguns zumbis pareciam não ter mais do que ossos sujos de tecido podre. Até quando continuariam andando? Era possível, sim, que aquele pesadelo estivesse próximo do final. Que após quatro meses de perambulação macabra os ossos todos tombassem ao chão como na implosão de uma cidade. Como se o cruel mentor daqueles seres, tendo atingido seu objetivo, desligasse-os da tomada. Sim, era possível, ele só precisava aguardar, esperar mais um pouco, aguentar.

No entanto, seu corpo mostrava sinais de extrema fadiga. Às vezes ele tremia involuntariamente, temia perder o controle. Estavam há dois dias sem comer.

O menino fungou mais uma vez, encolhido num canto. "Não... não... pai...". Tão silencioso quanto pôde, o chefe desceu da cadeira. E obstinado rastejou até o menino.

21.11.09

notícias de itaipu

Pouco a pouco, os zumbis voltavam ao movimento normal. Havia ainda muitos nos arredores da casa, mais do que seria possível contar. E volta e meia algum arranhava novamente seus dedos semidecompostos nas portas e paredes, como se tivesse lembrado, de repente, que não, não conseguiram entrar na casa. E lá dentro talvez houvesse.

"Eles desistem rápido", o chefe disse. Três meses. Três meses. O chefe percebeu o olhar do outro menino, que no entanto não se atrevia a dizer. "Porque eles podiam estar querendo entrar ainda" argumentou então, de modo que o menino entendesse que não estava se justificando, mas apenas concluindo um raciocínio.

"Será que eles sabem que a gente está aqui?" - o menino pensou.

"Eles não sabem de nada! São bichos." - o chefe respondeu.

Deitado, o menino olhou para o céu pela janela. Moscas. Em número até maior do que o de zumbis. Varejeiras se multiplicando pelo céu da cidade.

20.11.09

notícias de itaipu

VÃO SE FODEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEERRR SEUS FILHOS DA PUUUUUTAAAAAAAAAAAAAA

"Cê tá maluco, cara?!"

VÃO PRA PUTAQUEOPARIU
VÃO TOMAR NO CUUUUUUU
SEUS VIAAAAAAAAAAAAAADOS

"Para! Para de gritar!"

Os dois meninos agarraram o de óculos, que continuava gritando e agora se debatia com uma força / que acabara de despertar / numa noite escura e barulhenta. "Shhhhhhhhhhh". Mas já era tarde. Não só os zumbis que estavam próximos à casa - agora outros chegavam, do condomínio inteiro, talvez de toda a cidade. A passos lentos e certeiros, esquálidos, eles cercavam a casa com suas gargantas selvagens e famintas: cem, duzentos. E vinham outros.

"Caralho, mano! Caralho! Olha o que você fez, véio! Seu filhodaputa, seu corno." O menino andava de um lado para o outro, olhando hora pela janela do sótão, hora para o de óculos, franzino, que ofegava de olhos arregalados, ódio, seguro entre os braços do chefe. Sentindo que ele não mais fazia força tentando escapar, o chefe solta-o e se dirige à janela, onde avista o Inferno.

"Caralho, mano! Putaqueopariu! E agora, cara?!"

O chefe fechou os olhos para pensar. Os zumbis teriam força para arrombar as portas, derrubar as paredes, subir as escadas e devorá-los? Enquanto pensava nisso, uma lufada de ar lhe atingiu o rosto e seu corpo gelou ao ouvir a voz do outro menino gritando fraca, fina e rouca

"Goiaba!"

Goiaba era o apelido do de óculos. Seu nome era Mateus. Ele tinha doze anos e era o dono da casa. Foi ele que, numa tarde de terça-feira, chamou os amigos da escola para jogar o videogame que tinha ganhado de aniversário uma semana antes. E agora Goiaba estava caído no jardim de sua casa, provavelmente com as pernas quebradas, urrando de dor ao sentir os dentes ferinos dos mortos rasgando-lhe a pele, mastigando seus olhos, espalhando seus intestinos pelos ossos expostos dos malditos.

No sótão, os dois meninos recuavam passo a passo. Nenhum deles sentia o chão sob os pés. É como se estivessem no azul de ar do céu, suspensos por anjos, e seus pés se agitassem na liberdade do voo. Até encostarem na parede, agacharem-se no canto e, simultaneamente chorando e não chorando, abraçarem a desgraça, a desgraça, a desgraça.

19.11.09

notícias de itaipu

"Se a gente tivesse uma arma. É só atirar na cabeça do zumbi que ele morre."

O menino escutava o chefe em silêncio. Que mais poderia fazer? Os outros estavam dormindo, tinha acabado de comer carne humana. Carne humana! Chorar não adiantava. O chefe continuou falando:

"A gente pegava um rifle e PÁÁ!! na cabeça do filhadaputa. Explode o cérebro dele! Sem cérebro ele morre, já era."

Se o menino pudesse escolher / agora ele ia deixar o outro falando sozinho, descia as escadas e ligava a televisão em algum canal besta e barulhento. O outro ia querer encher o saco dele e ele ia falar "Shhhhh, tou vendo tevê". Sentiu vontade de testar o interruptor de novo, mais uma vez, só pra ter certeza, quem sabe se. "Sem cérebro ele morre"...

"Mas eles já não estão mortos?"

O chefe acordou do seu sorriso e gaguejou:

"É, não, eles estão mortosvivos, seu imbecil. Sem cérebro eles moooorrem de vez!"

"E como é que você sabe?"

O chefe se acomoda e enche o peito de triunfo: é o que acontece em todos os filmes de zumbi.

Uma voz corta o sussurro dos dois.

"E isso tem cara de filme pra você?!"

Os dois meninos se assustaram, suas costas pressionadas contra a parede. Na penumbra, as lentes do óculos do outro reluziam na direção deles. O de óculos saiu, então, da posição de ataque e voltou a sentar-se com a cabeça nos joelhos, abraçando as canelas com os bracinhos finos. Como se dormisse. O chefe ficou quieto, não disse mais nada até a manhã seguinte. O outro menino, olhando os contornos no escuro, nem percebeu o silêncio.

18.11.09

notícias de itaipu

A bateria do último celular estava quase acabando. "Desliga ele, porra!", "Por quê?", "Pra preservar a bateria!", "Pra quê?". O menino gaguejou, nervoso, antes de responder. "Vai que a gente precisa dele mais pra frente".

"Se essa bosta se espalhou mesmo no país inteiro, pra quem é que a gente vai ligar?"

A internet não estava funcionando.

"Não é possível! Vai vir alguém. Dos Estados Unidos! Alguém vai fazer alguma coisa! Não é possível!"

Soluçando, o menino se encolheu num canto. "Não é possível", ele dizia. O gordinho, dono do celular, olhou em volta. Todos começaram a chorar. Não era possível que aquilo estivesse acontecendo. Mas a cada toque no interruptor de luz, a cada tentativa de contato com alguém fora daquele sótão, a cada descida em busca de alimento o impossível se confirmava. O gordinho, então, foi até a janela. Os mortosvivos vagavam pelos quintais, se arrastavam sem sossego, sem descanso, sem direção, sem. Sem pressa. Só podia ser brincadeira. De repente o gordinho viu todos os zumbis se voltarem para a janela onde ele estava, tirarem as máscaras e morrerem de rir com os seis moleques. Os meninos, atrás dele, não paravam de chorar. Outra vez ele tentou ligar para o celular da mãe. O número que você está chamando está desligado ou fora de serviço. Por favor...

notícias de itaipu

O terceiro menino morreu, então, menos por uma conspiração entre os outros do que pelo acaso. Tinham decidido, sim, matá-lo, mas numa briga - as brigas estavam ficando mais frequentes - o de óculos, com ódio, bateu na sua cabeça com o taco de beisebol. Por um instante o silêncio no sótão foi abafado pelos urros dos zumbis, cuja fome animal se manifestava cada vez que sentiam, instintivamente, que não estavam sozinhos. Então o menino de óculos disse

"Vão pegar o balde."

O balde era usado para guardar o sangue do menino morto, que depois seria bebido com nojo resignado pelos outros. Os dois meninos se entreolharam: o de óculos começou a afiar a faca.

"O gás tá acabando."

Eles começaram a comer a carne mal passada sem dizer uma palavra. Mas, no silêncio das mordidas, cada um começava a admitir que não valia a pena. Matar aqueles que eram seus amigos, beber o sangue deles, esperar. Não fazer barulho, não sair do sótão, esperar. Sucrilhos, piscina, videogame, escola, família, lembravam daquilo tudo vagamente, fora do corpo, como se se tratasse de uma outra encarnação.

E o de óculos quebrou longe o prato de louça, abriu a janela do sótão e, com uma voz que sua mãe nem seu pai nem ninguém imaginaria tão forte e tão alta, gritou

VÃO SE FODEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEERRR SEUS FILHOS DA PUUUUUTAAAAAAAAAAAAAAA

crianças

17.11.09

notícias de itaipu

Algum alimento contaminado. O aquecimento global. Conspiração. Deus.

O chefe dos meninos fez a mesma estratégia: chegou para cada um, disse os outros estão querendo te comer, esperou o medo. Mas ele era cada vez menos chefe, os outros não tinham esperança o bastante para obedecer.

16.11.09

lugar nenhum rápido

notícias de itaipu

Eu acho que isso já estava acontecendo antes.

"Quê?!"

Eu acho que isso já estava acontecendo antes. Pensa bem: foi muito rápido. Aquele cara do blogue escreveu que as fronteiras já estavam fechadas. Isso tipo três horas depois do apagão. Três horas! E que já tinha zumbi no Pará, no Amazonas, no país inteiro.

(O de óculos fez uma pausa. Nele só se notava o movimento do peito, respirando. Os olhos abertos fixos no chão. Os outros meninos em silêncio)

Eles andam mor devagar, quase se arrastando. Não dá pra chegar tão rápido assim no Pará.

"Mas desde quando, então?! E por onde eles chegaram?"

Com fome, pensar ficava mais difícil. A carne do gordinho estava quase no final. Os quatro se entreolham com medo, com raiva, intrigados. Mas desde quando, então?

15.11.09

notícias de itaipu

um deles encontra um blogue de notícias mais atualizado e lê.

11/11/2009, 2h15
Paraguai fecha as fronteiras
O Paraguai fechou as fronteiras. Acabou de informar o Diário Popular, de Asunción. Os exércitos da Argentina e do Uruguai também estão vigiando a fronteira com o Brasil.

11/11/2009, 1h33
Epidemia se espalha pelo Norte
Acabo de receber notícias do Pará e do Amazonas. Essa porra tá se espalhando rápido

"deixa um recado pra ele! fala que a gente tá aqui!"

notícias de itaipu

na noite de dez de novembro de doismilenove, houve um blecaute no brasil. seis meninos correram para o sótão se esconder quando viram, na rua, os pais chegando. sem carro, sem alarde. e sujos de sangue.

a vizinha foi recebê-los preocupada e teve as tripas expostas, mordidas. da janela do sótão os meninos viam os vizinhos se mastigando e se erguendo, caminhando calmos pela rua, sem rumo. nenhum deles voltava a entrar em casa, a não ser que a porta estivesse aberta. quando ouviam um barulho, eles se olhavam. "a porta está fechada?". o de óculos, de quem era a casa, não tirava os olhos da rua. "a-a-acho, acho que sim". "a gente precisa conferir!"

mas quem iria? todos olhavam pro de óculos quando o celular de um deles tocou. "atende essa porra!". os zumbis lá embaixo se agitaram que nem peixe quando a luz acende. "mãe?". os meninos, em silêncio, alternam a direção dos olhos entre a rua e o amigo, que começa a chorar. "mãe, a gente tá escondido no sótão. mãe, eu tô com medo. mãe, vem me buscar. mãe. mãe? mãe!". um outro se joga sobre o menino, agarra-o com uma chave de perna e lhe tapa a boca com a mão. "shhhhhhh". lá embaixo, a cada barulho diferente é como se uma luz se acendesse: os zumbis abrem os olhos procurando reconhecer, mas logo a luz se apaga. pros meninos é que ela nunca acende. no escuro eles se encolhem, juntos, e baixinho ligam para todos os números guardados na memória dos celulares. logo vão acabar as baterias.

notícias de itaipu

o chefe deles (esse grupo de sobreviventes tem um chefe, de doze anos e muito talento / só não mete mais medo que os zumbis / mas promete tanto estrago quanto) o chefe decidiu: a carne do menino está acabando / faz tempo não tem mais enlatados, embutidos, chocolates / é preciso matar para não morrer.

ele chega em cada um, elege-o braço direito e diz: os outros estão querendo te matar pra te comer. (o menino ensaia um choro, uma raiva, o chefe segura). fica na miúda, mas fica esperto. e numa noite se mancomuna e corta, com os garotos, a goela do mais gordinho, que estava dormindo. não faz isso por prazer, mas por necessidade: o gordinho rende mais. dessa vez abrem-lhe a cabeça e salgam os testículos. cada um tem direito a uma ração mínima por dia, não mais.

depois da janta, o de óculos se senta à janela e observa. o movimento dos mortos é o mesmo de manhã e à noite, não muda. um ou outro migra, um ou outro chega. no geral, o grupo é o mesmo. mas eles parecem mais magros, as roupas estão gastas, a carne afunda. o cheiro de carniça é forte. e há uma nuvem de varejeiras sobrevoando o condomínio. o pai dele está lá embaixo, andando, indiferente.

notícias de itaipu

os meninos no sótão faz um mês / de susto, inanição, o primeiro morre / todos os outros ficam atentos, esperando a transformação. mas nada acontece.

lá na rua, os zumbis é como se vivessem de reprise. um menino dá a ideia: e se a gente jogasse o corpo longe, longe, os zumbis correm atrás a gente corre deles foge escapa. os outros quietos pensam até que um diz "pra onde?". os meninos começam a chorar.

a próxima sugestão logicamente você já imagina. porque viram num filme, comem primeiro a bundinha do garoto. tostada na chapa do fogareiro. enrolam o resto em sal grosso, fatias, pedaços. "a cabeça não!". todos concordam. "nem o pinto e o saco!". atiram os miúdos para a rua, esperando algum alvoroço. os zumbis param, depois voltam a andar sem susto. "vai ver eles só comem gente viva".

14.11.09

maltês salvo churrasco

1.

as crianças jogando bola no campinho / turma toda na piscina / o churrasqueiro é que, entregando a linguiça, morde a orelha da tia-avó

ninguém enxerga a tia-avó


2.

o campinho vazio. mas os zumbis não comem cachorrinhos. então o cachorrinho anda de um lado pro outro entre os mortosvivos, quer brincar. ninguém lhe joga a bola.

ele pula na pia e come a carne crua

notícias de itaipu

depois
da invasão dos zumbis


um grupo de guris / presos no esconderijo, casa seca / aguardam notícias de itaipu?

entram numa espécie de sótão, com mínimos barulhos pra observar, lá embaixo, os corpos se trombando uns nos outros, uma fome sem desejo / estraçalham os vivos que chegam, incautos, em busca de abrigo

os meninos descem de dois em dois, quando preciso, pegam latas de ervilha e de milho, no dia em que um deles derruba um garfo lá embaixo / os zumbis percebem queda e movimento, mas não olham para cima

os guris não sabem disso, no entanto. porque se esconderam no fundo do escuro e esperaram até o fim da surpresa

11.11.09

e ontem




na hora que apagou tudo


eu juro que fiquei esperando
a horda mortovivo

depois lembrei que tinha bateria restinho no mp3

primeiro achei a cbn
"agora vamos falar com nosso repórter na paulista"
"aqui na av paulisthhhsthdshjnkw4jh534#$TWAS$"
"parece que perdemos contato com o repórter da av paulista"

O.O

aí começaram a transmitir o jornal de economia

achei suspeito!

o.O

mudei o dial deu na bandeirantes
"aqui no restaurante do bixiga os cliente esperam a luz voltar pra pagarem a conta"

:/

só os mortovivos de sempre

:(

e a andrea, de belo horizonte, responde:

aqui não teve nada - todo mundo fingindo de vivo
 
... ainda não foi desta vez.

café da manhã das estrelas

e ontem teve um blecaute no brasil inteiro / vai ver queriam economizar luz / a casa tomada por formigas / vêm da vizinha descem tomam o vasinho de flores / o que farão não se sabe

certas formigas africanas
são capazes de comer um boi em minutos

a gente não pode tacar detefon no boi / melhor tirar as formigas / sobra carne pra gente

10.11.09

que conhece o que é verdade

comecei a escrever contos com o caio fernando abreu / de ler e pensar "isso eu sei fazer!" / bastante surpreso

e um tempo eram as narrativas escolares. sempre tinha que ter um acontecimento trágico. de achar que literatura é a história das dores.

depois fui fazer faculdade de letras e aí você começa a ler teoria literária, as dissecações, borges parece o maior escritor do planeta, tudo é discurso.

a júlia me convidou pros 12 exemplares e eu descobri que é o amor que move o sol e as outras estrelas. agora tou nessa.



9.11.09

*

toda geração tem que
num pequeno espaço de tempo
arrodeada por uma relativa obscuridade
compreender seu tempo pra fazer a antítese dela

*

8.11.09

7.11.09

De modo que Cervantes manquejava;
Beethoven era surdo; Villon, ladrão;
Góngora de tão louco em andas caminhava.
E Proust? À partida, maricão.


Negreiro, sim, foi Dom Nicolás Tanco,
e Virginia acabou de uma imersão,
Lautréamont morreu enregelado num banco.
Ai de mim, também Shakespeare era maricão.


Também Leonardo e Federico García,
Whitman, Miguel Ângelo e Petrónio,
Gide, Genet e Visconti, as fatais.


Esta é, senhores, a breve biografia
(porra, esqueci-me de mencionar Santo António!)
daqueles que são da arte sólidos pontais.


Reinaldo Arenas, in Poesia Cubana Contemporânra, org. Pedro Marqués de Armas, trad. Jorge Melícias, Antígona, Março de 2009, p. 61. via
até 800 d.C.
cidades maias enormes no que hoje é a guatemala
centenas de milhares de habitantes
que de repente abandonaram todas as terras
e se espalharam no meio das florestas

integração gratuita

ontem
atraso em todo o sistema de metrô

uma bunitah
se atirou na frente do trem na sé

"dantesco"
o fabinho disse, quando chegou lá

6.11.09

bom dia :)





4.11.09

elza soares

capim da primavera

Eu celebro a mim mesmo e canto a mim mesmo
E o que eu assumo você assuma
Pois todo átomo é meu como é teu beleza pura.

Eu vagueio e convido minha alma,
Eu curvo e vagueio à vontade e vejo a haste do capim da primavera.

Minha língua, todo átomo do meu sangue, formado deste chão deste ar
Nascido aqui de pais nascidos aqui de pais também, e seus pais também,
Eu, agora trinta e sete anos de perfeita saúde começo
E espero não parar até a morte.

Credos e escolas suspensos
Retiro-me um tempo satisfeito com o que são, mas nunca esquecido,
Eu pôrto pro mau ou bom, eu deixo falar a todo o risco,
Natureza sem parada com origem – energia.

*

I celebrate myself, and sing myself,
And what I assume you shall assume,
For every atom belonging to me as good belongs to you.


I loaf and invite my soul,
I lean and loaf at my ease observing a spear of summer grass.


My tongue, every atom of my blood, form’d from this soil, this air,
Born here of parents born here from parents the same, and their parents the same,
I, now thirty-seven years old in perfect health begin,
Hoping to cease not till death.


Creeds and schools in abeyance,
Retiring back a while sufficed at what they are, but never forgotten,
I harbor for good or bad, I permit to speak at every hazard,
Nature without check with original energy.


(Walt Whitman, primeira parte do poema Canção a mim mesmo)

will they ever, believe us?

o cãozinho aí de baixo devia ser modelo pra esse outro
que há dias não para de uivar, estraga as manhãs
acorda o bairro todo, à manha deem-lhe o whitman
e se quiser cantar o morrissey, comece depois das oito


3.11.09

mais vale um cachorro vivo


métodos humanitários de abate

Quereria, até, se matar. Porque o nariz caíra, o olho furara, quem suporta tanto assim um câncer necrose da vida fim da superfície do corpo. Lá dentro o poço do peito / no escuro, insondável, pouco importa o coração. Só que a filha vinha e amor no rádio, Jesus à toda altura pra que a mamãe não se sinta tão sozinha: dá-lhe banho, limpa escaras, miojo com salsicha amassados de vez em quando um legume fresco, algo mais caro, morrer um troço ingrato. A velha, travada de reumatismo, é levada em colo até o chuveiro. Motivos pelos quais vivemos. Sobre as coxas da filha, enquanto tudo dói, molhada e morna ela ouve o louvor longe e nem percebe / que não canta junto. Desafinada, é dela a voz da filha. E eu gosto tanto de cantar.

2.11.09

transpassional

A perfeição é o pit-stop de quem só foi até a metade.
Eu derreti minha prata pra você.

Pertencer é invisível: isso pode ser visto à distância apropriada.
Eu queimei minhas cortinas azuis

e me acabei num complicado crochê de arame farpado, pra rasgar
janelas pras abelhas em teias.

Estou vivendo sozinha numa espécie de cubo à luz de velas, a caixa
elétrica explode o fusivelzinho

mas eu tenho miojo e vinho e uma voz bonita pra cantar. Se você
voltasse eu podia te fazer

um colar. Planetas pequenos chegam junto de quando em quando,
em fatias; os grandes, nada nada

me sinto eu abandonada. Pertencer é invisível: eu, por outro lado,
estou só me protegendo.

*

Transpassional

Perfection is the campsite for those who have stopped halfway.
I've melted my silver for you.

Belonging is invisible: this can be seen at the proper distance.
I've burned my blue curtains

and spent myself on an intricate openswork of razor wire, to cut
skylights for the honeybees in webs.

I'm living alone in a kind of cube which is barely electric, the hot
plate blows the tiny fuse

but I have noodles and wine and a nice singing voice. If you
came back I could make you

a necklace. The small planets drop by every few months, slivered;
the big ones never and never

do I feel abandoned. Belonging is invisible: I, on the other hand,
am merely shielding.


(Poema de Brenda Shaughnessy, no livro Interior with sudden joy,
presente da Sys)