31.5.10

bad romance cover

i want your ugly, i want your disease
i want your drama, the touch of your hand
i want your love and i want your revenge
you and me could write a bad romance

*

o búfalo. ensaio para o búfalo

quem tem um corpo tem um tesouro: desagrados matinais, dores certas, a vontade lambida, com cheiro e com gosto. os corpos se entendem. passo na frente de um prédio chamado CLIMAX e ele parece abandonado, tem na frente o busto esculpido de um homem careca. repito: um prédio chamado clímax. penso em encanamentos misteriosos vazando e retendo água e esgoto. minhas pernas mais bambas que o mezanino. as ruas têm nomes de pessoas. Acho que se você exaure o seu corpo no corpo de outro, sem paredes, o torpor que te toma depois é uma espécie de sinceridade doce e desatenta, eu virei um copo d'água. me beba. e acho bonito isso que dei de pensar agora: que a memória é coberta por pele.

As árvores são como células de um grande corpo indistinto, um embrião absoluto, o que uma sente, assim todas as outras. Elas não são espíritos primitivos. Elas são muito antigas e muito novas. as células do nosso corpo também vivem. O mundo é matéria e energia, ambos a mesma coisa.

Eu quero ser sua árvore.

um prédio chamado CLIMAX

29.5.10

28.5.10

amor um mantra uma história fecha amor

e se forem diferentes níveis de verbalização, o amor, sendo o verbo aqui uma metáfora perdida e justificada, feito um mantra em que as palavras sublimam [a transição física, não o conceito psicanalítico] em indistinto divino, o nirvana possível dos corpos, e logo mais uma narrativa encadeada e --- aí sim! --- toda narrativa tem um fim.

então, enquanto narrativa, o amor necessariamente pede um fim.

ou é tudo uma sequência de imediatos e estamos enfileirando porta-retratos.



ou então buscar o amor é buscar uma história e a presença do amor é a suspensão da narrativa.

ou então o rompimento é quando as palavras se precipitam em chuva que proíbe.

suspensão e impedimento, quando não é narrativo.

27.5.10

uma viagem sem fim eu te proponho

e a gestação ininterrupta de alguma coisa que ninguém sabe aonde vai dar / a pele esfoliada com as cinzas dos pais no ganges / morna e pequena vai ficando no caminho

o anel que tu me destes era vidro e se quebrou
mas como causar pode seu favor

parei pra ler ana c no consultório, estava lá:

Imaginei um truque barato que quase que dá certo. Tenho correspondentes em quatro capitais do mundo. Eles pensam em mim intensamente e nós trocamos postais e novidades. Quando não chega carta planejo arrancar o calendário da parede, na sessão de dor. Faço cobrinhas que são filhotes de raiva - raivinhas que sobem em grupo pela mesa e cobrem o calendário da parede sem parar de mexer. Esses planos e truques fui eu que inventei dentro do trem.

a melodia do amor ilimitado

flerte fatal

todas as bichas
do baixo-augusta batendo all star de madrugada
são paulo dos meus sonhos blablablá

passo a noite escrevendo para o futuro sobre as espécies já extintas. digo assim: o escorpião aquático, o dodô que tinha um metro de altura, a população tasmaniana, o amor que tu me tinhas. agora essa madrugada do interior paulista protegido de agrotóxicos e de chuva ácida, mas vivos só eu e o tilacino.

essa vida é uma piada.

anotações biográficas: primeiro dia sem enxaqueca. voltei a tomar café. só enviei um currículo essa semana. quero ganhar trinta mil do governo mas duvido das minhas habilidades. tenho paixão mas também tenho pudor. era grande e se acabou. segunda história do prédio:

entre a quermesse e o largo do arouche.

escolheram chamar de "efeito lázaro" quando uma espécie reaparece misteriosamente depois de muito tempo extinta. podiam ter chamado "efeito fênix", tão mais bonito que as chagas enfaixadas, jesus chorando, a tumba se abrindo. vou te enfaixar também e fugir com o tilacino.

amor o meu marsúpio.

25.5.10

quem deseja e não age engendra a peste

poética

"o artista é o bobo da corte"

(rita lee)

24.5.10

pain has an element of blank

kátia acorda com os movimentos da faxineira na cozinha. é sua fiel ajudante desde a viuvez, quando os filhos disseram que ela não podia mais passar tanto tempo sozinha. eles morriam de medo de os vizinhos descobrirem o corpo pelo cheiro e "olha que filhos desnaturados!". mas pro asilo ela não ia, não saía daquela casa por nada no mundo. a faxineira entra no quarto e leva um susto: "seu afonso!!!". kátia faz de conta que não ouve, coloca os brincos, os anéis e rainha em direção à porta. "bom dia, carmen. o café está pronto?"

~

paint it black

~

tirado de um conto do borges: a faxineira limpou todas as páginas dos livros, depois viu a branquidão e o anjinho avisou: o patrão vai ficar uma fera! então ela teve que reescrever tudo antes que o patrão chegasse em casa.

23.5.10

toda tunísia. kátia vai à feira

descobri a rádio na internet. de repente jazz tunisiano.

~

as distâncias não viram nada. vira.

~

que ela põe as roupas, sutiã as unhas vermelhas e sai pra feira logo ali, o bairro em que vive desde a infância. as unhas vermelhas fica muito clichê? tá, então sem unhas: uma mulher comum. ela põe as roupas, saia justa jeans no meio da coxa, blusinha amarela umbigo de fora e o tamanco de madeira, pega o carrinho da feira e sai.

~

na tunísia as mulheres com suas EXÓTICAS roupas tunisianas. kátia exótica. não, ela não vai ser exótica, bem comum, suburbana.

~

as crianças correndo na rua começam a mexer com o carrinho de feira que ela leva, latem e miam os filhodaputinhas. vou contar: ela tem sessenta e dois anos e é loira. a mulherada parada na rua não entende nada: mas aquela não é..? como se todas estivessem de burca e vissem a outra usando calças e moletom. uma, mais arriscada, esperando ter história pra contar durante várias semanas e além de tudo imbuída de genuína piedade cristã, cumprimentou

"oi, seu afonso. tudo bem com o senhor?"

kátia responde que tudo bem, sim, e com a senhora? cada uma segue seu caminho. jazz tunisiano muito chato. meu dedo escorrega no dial e eu canto eu não vou negar que sou louco por você, tou maluco pra te ver, eu não vou negar. aliás, kátia está muito segura de si. justamente porque vai cantando pelo caminho.

22.5.10

19.5.10

novo spleen

Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando
Negros olhos as pálpebras abrindo
Formas nuas no leito resvalando

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!

*

Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando
Negros olhos as pálpebras abrindo
Formas nuas no leito resvalando

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!

18.5.10

terceira história da árvore, primeira do prédio

a árvore então faleceu.

no lugar dela plantaram o sistema capitalista.

somos irmãos do dinheiro, nosso único deus

17.5.10

sabedoria

eu nunca me arrependi de ter gostado de alguém.

1997

O menino tem vergonha dos pelos nas pernas. Ponha ele pra andar em direção à escola: na volta, se estiver chovendo, eu venho devagar com os cadernos sob a camisa, molham só as beiradas. Eu me encharcava. Parei de pegar o ônibus porque me disseram que um grandão ia bater em mim. Aí o menino nunca mais andou de ônibus e no ano seguinte ia dizer que gostava muito de Dostoievski, motivo pelo qual quase ganhou um dicionário de russo e foi obrigado a ler Almas mortas, do Gógol, pela chefe da mãe. "Ah, então você gosta de literatura russa?". Eu disse que sim porque tinha vergonha de discordar dos outros, achava má-educação. Mas isso foi em 1998.

Em 1997 cinco adolescentes botaram fogo em um índio que dormia num ponto de ônibus em Brasília. Ele era lider de um grupo indígena e no dia anterior, Dia do Índio, tinha se reunido com o então presidente Fernando Henrique. Os meninos que mataram o índio disseram que só queriam ter dado um susto nele - e só tacaram fogo porque acharam que era um mendigo.

mas as escadas rangiam


essa é a minha escola vista de dentro e pela secretaria de educação do estado.

1997

meu pai assinava jornal. eu recortava todas as matérias sobre cinema e ficava sabendo dos filmes que estreavam na capital. eu via filmes na madrugada da tv cultura e na madrugada da tv bandeirantes. no primeiro caso, era a mostra internacional de cinema da cultura. foi onde eu assisti o exército de brancaleone. na bandeirantes eu via os filmes da rita cadilac e do david cardoso, com muito sexo explícito artístico. meu diretor favorito era o hitchcock e eu queria ser cineasta. ou ainda era jornalista? faz de conta que tudo isso aconteceu em 1997.

tive meu primeiro "sonho erótico" com um homem. o cenário era a sala de coordenação da escola, ele era um menino repetente da minha sala, devia ter uns quinze anos, era um homem. e me mandava calar a boca. eu achava que era uma fase e que ia passar, mas afinal de contas eu nunca duvidei que deus era todopoderoso e que todas as coisas tinham um propósito divino. ainda mais pra mim, que era secretário de espiritualidade da união presbiteriana de adolescentes da igreja de jundiaí. acho que nunca dei muita trela pra essa história de "pecado".

mas eu morria de medo de tudo. minha única amiga era a empregada doméstica, que era como uma irmã pra mim e por quem eu tinha muito amor - o que não impediu que eu dissesse um dia pra ela que eu era o patrão. aqui a gente ama por castas. na escola eu até tinha vários colegas e conversava bastante com eles, dava risada, mas no recreio era sempre uma angústia de estar sozinho. não nasci pra ser criança.

a única coisa que existia era a escola. a professora alba era loira, mas parecia que o cabelo era verde. não lembro absolutamente nada das aulas de português. nem das de matemática. lembro de história, o horror que me dava umas questões do livro que não perguntavam nada, só diziam "comente". como assim? a professora de geografia achava que o méxico ficava na américa central e eu levei um mapa pra provar o contrário. ela disse "então mudou agora". eu gostava de mapas. o governo do estado já tinha dado o golpe, sem misericórdia, na escola pública; mas até a quarta série ainda tinha muitas greves e as professoras discutiam isso com a gente durante as aulas. então, na sexta série, por mais que a coisa estivesse descambando pro descaso e pro cinismo total, ainda tinha uma impressão de que uma razão oculta e constante movimentava a escola. por mais que a gente não visse o menor sentido naquele monte de matéria.

eu assistia muito mtv e gostava do rock da mtv e da 89, a rádio rock. ganhei inclusive um kit da 89, porque liguei lá e respondi as perguntas certo. a família inteira era muito orgulhosa da minha inteligência e na mochila tinha um cedê do pato fu e um do new radicals.

tinha também um bloquinho de notas com a moldura escrito "engenheiros do hawai", que eu usava o verso pra datilografar as frases que eu achava legais e colar com fita crepe no reverso do espelho do meu armário.

mas 1997 foi antes, o último anos antes, de eu dizer "ateu" ou "gay" e essas coisas. não tinha internet absolutamente nenhuma naquele tempo. dá pra imaginar?

15.5.10

Agar enquanto sonha

Acorda com enxaqueca, a pedra no deserto, vem Moisés e dá-lhe com o cajado, depois separa o Mar: Vermelho, o filho nega a sopa de lentilha, é um povo muito bruto. E as águas subiram as bocas-de-lobo, os estábulos, a manjedoura boia no Rio: Tigre, os mares são de vinagre que o Senhor Jesus prova na hora amarga, Pai, Pai, nós todos à beira do Eufrates olhamos secos para Vós, segue o Vosso curso, venha a nós a Vossa enseada. Agar enquanto sonha sob a árvore é que vê: sultanatos se erguendo, edificações no chão, Pai, Pai. Do meio da areia, estéril, diz o Anjo do Senhor: não será contada a tua descendência, pois muito numerosa. Então Agar abriu os olhos: a terra dava água. E Agar deu de beber a Ismael e tudo correu bem.

9.5.10

segunda história das árvores

sejam também portas, seja o ciclo do carbono: com raízes entrelaçadas. Os troncos arranhados de mansinho iam soltando o veneno da vila. Segunda história das árvores: o polonês perdido na Amazônia, pois resolveu não ser achado. Ele apaga as pegadas das copas e muda-se com frequência, camuflado de pele vermelha, virou espírito temido mas não faz mal pra ninguém. Quando a gente se der conta os prédios cheios de sementes loucas brotam tomam o Viaduto do Chá e os córregos explodem pra fora das calçadas em gêiseres e sobre eles: um botânico polonês.

7.5.10

história das árvores

um polonês vivendo nas copas da amazônia. vi na tevê: que quando uma árvore é cortada, ela libera algum cheiro ou som e no seu raio de alcance todas as outras cessam a seiva. o polonês estudava isso e vivia com as cobras. os ents do tolkien. leve o boi e o homem para o matadouro, o que gritar mais na hora do abate é o homem, nem que seja o boi. se for árvore, não vai gritar. mas vai avisar as outras. fim.

2.5.10

Wasted

wild wide
Nem dentro desta nenhuma turva
os rapazes voando em círculos

a palavra pega a gente de surpresa,
se não isso, me fecho.