28.9.10

tigres

são os animais perfeitos

eu ficava pensando no meu amor e queria um tigre

meu amor de bengala

hoje passei o dia escondido, não me arrependo
também a cobra pra dar o bote ou o gatinho todo listrado
relva até as orelhas e ZÁS te engole os artelhos
com aquele goshto bem pouco cristão

agora vou pro quarto fazer sudoku

diário de viagem

querido diário,

hoje eu não saí de casa. estava chovendo e todos diziam oh que dia feio. o que não é espelho. mas então vim pra cá e fiz isso:


beijo,

26.9.10

uma breve carreira como fotógrafo

minha mãe ficou puta da vida porque gastou quarenta reais revelando fotos de poste, eu que tentei pegar a vida dos pássaros mas não tinha foco, meu pai sabia ser a pessoa mais desagradável do mundo, geralmente sem pássaros, e também composiçoes poéticas de revistas e flores sobre a cama, morria de vergonha dessa veia artística, depois nunca mais peguei na câmera

lembrando disso eu agora lembrei que buscava cursos de fotografia mas eram muito caros

e continuo lembrando: que fiz um curso de desenho e pintura a óleo, mas escrevia nas margens da tela quando a professora não via

e que matei a segunda aula de violão para ficar no parque vendo passarinho, na terceira já não fui, embora o mês estivesse pago e a família com futuros

teclado, bem criança, não passei do primeiro recital

e as oportunidades que eu tinha eu nunca aproveitei

segundo a minha mãe

história de uma ideia fixa
vocação do vacilo

questionário

¿que cosas te interesan?
1. leer y escribir
2. observar pájaros
3. estar lejos de casa
4. hacer amor

24.9.10

horóscopo

aqui eu fiquei doente. Acho muito que tem a ver com a falta de cedilha. Depende do teclado, mas de todo modo esses tropeços, o corpo da gente é mais sensível do que parece, também mais forte. Estou fazendo uma incursao nas letras argentinas. Comecei a ler "O túnel", do Sabato. Gosto muito de ler, nao é novidade, mas às vezes é tao óbvio que perde a natureza de fato, que é: gosto muito de ler. A televisao do albergue sempre ligada, as pessoas nao vivem sem televisao, e é ruim em qualquer lugar do mundo. Muitas tragédias. Uma mulher foi baleada na barriga e perdeu o neném de nove meses ainda nao nascido. Comercial. Seis pessoas mortas por ônibus atropeladas a manchete COLECTIVOS ASESINOS la puta tele.

Mariana me conta que Horacio Quiroga, um importante escritor, no começo do século XX foi viver no que seria a Amazônia argentina e ficava correndo de moto no meio da floresta todo el dia. De modo que eu, com febre no albergue, ainda sou café-com-leite. Preciso de uma moto, a floresta já tenho. Ou o revés.

Engraçado que, cansado, nao tenho metáfora. Por isso deve ser que, para escrever, hay que ser um pouquinho que seja aristocrata.

Chegou no albergue uma montanha de meninas que parece vieram a um congresso de dança árabe. Perguntei a duas delas "¿están de vacaciones?" elas deram risinhos dos catorze anos de idade, e nao.

Às vezes esqueço que estou aqui.

22.9.10

correspondência incompleta

Os horóscopos esta semana têm servido muito, não sei o que fazer aí leio "você não saberá o que fazer" brinco de seguir as outras orientaçoes e até agora não me arrependi. Por exemplo hoje acordei meio doente, leio "apreensão no ar (...) cuidar da saúde", óbvio. Mas também "distração e esquecimentos, tendência a se acidentar por conta disso", vou ficar em casa e talvez hoje, sim, ir pro cinema.

O cara do meu lado pergunta quando eu faço aniversário, lembra que é no mesmo dia do John Lennon, ele diz "John" eu entendo "yo" e ele corrige dizendo que não, ele faz no 14 de junho, mesmo dia do Che Guevara, entro no horóscopo do Che Guevara e descubro que ele era de 14 de maio, o cara vai embora e eu acabo não dizendo, também é bem legal achar que você nasceu no mesmo dia que o Che Guevara, as celebridades enfim.

Pro 9 de outubro a wikipédia também dá: Dom Dinis! O rei poeta. Que o Fernando Pessoa escreveu "plantador de naus a haver" e de fato D. Dinis plantou as árvores que duzentos anos depois serviriam pra chegar no longe, a gente planta as árvores nunca sabe que barco vai dar.

O cansaço, não for tuberculose galopante, será de falar língua estrangeira o tempo todo, nunca imaginei tão cansativo, ter que tomar fôlego no meio da frase, cada palavra é um esforço, e os teclados sem til nem cedilha me forçam o ctrl+v o tempo todo.

Mandei cartas pro Brasil e espero que cheguem.

19.9.10

fronteira

os países são como cárceres
para entrar no méxico se tira fotos
e para sair não pode pintar o cabelo
ao passo que em cuba te passam
por mil interrogatórios e depois
pegas a bagagem numa sala escura
todas as malas no chão cercadas
por cachorros

18.9.10

Conhecimento

Como escritor, onde ninguém lê a minha língua, não sirvo pra nada.

A estrada

os meninos bonitos
fico com vontade de ouvir joão gilberto
nosso amor não é comédia
pra dar risos a ninguém


os dias aqui são bem agradáveis. Todo mundo diz que no verão faz um calor de mamilos assados. Essa semana é primavera.

Tenho dois cadernos paralelos em que escrevo diferentes coisas do mesmo jeito. São diários a vida uma viagem e fatos que não se completam, mas também não se excluem. Na senilidade terei tido muitas vidas pra não lembrar.

Todos os estrangeiros acabam sendo carinhosos de algum jeito. Talvez menos os chineses que trabalham nos mercados. Os chineses são muito reclusos. O menino diz que não gosta de chineses, mas eu nunca conheci nenhum e, de todo modo, um bilhão de pessoas é gente demais pra serem todos chatos.

Ao ovo dedico a nação chinesa.

Está passando uma retrospectiva do Fellini com muitos horários e salas lotadas. Anteontem vi Noites de Cabiria e só agora me recuperei. Acho um grande aquele que toca a dor sem sucumbir. Quando alguém acha uma solução que não seja a morte, porque a morte é uma solução, mas outras deve haver. Gosto demais dos filmes do Fellini e acho que eles podiam fazer parte do Bolsa-família.

17.9.10

all i want to know

Eu me perdi dos meus amigos. Aí fiquei andando com os estrangeiros em Puerto Madero, um frio cortante de vento e poses engraçadas, faço uma saudação nazista e ninguém entende a piada, europeus precisam de contexto, a Puente de la Mujer os grandes monumentos saudades do Che Guevara vou dar amor pra todo esse povo, ia escrever "amor" digitei "amora" pois bem destino,

ontem pensei que é muito fácil quando você não promete nada pra ninguém, porque aí ninguém pode te cobrar nada, e que isso é um jeito de se isentar. Não, eu não sou assim. Um mal-encarado me chamou pra briga, aqui os imigrantes de países mais pobres andam com rabichos de cabelo e tatuagens no pescoço, é perigoso como os angolanos no centro de São Paulo, essa gente que anda pela cidade feito ratos, porque quietos e presentes, eu ando barulhento, a espanhola diz que em outra província a queriam muito bem mas que aqui todos estão acostumados com estrangeiros, eu tou muito cansado.

Não eu não sou nazista. Mas acho que todo mundo tem um dentro de si. Calculando a melhor hora pra sair.

É preciso estar atento e forte.

Então vou levar adiante o sonho bolivariano, com carícias. Quando menos se espera os continentes formam bichos chineses e nova pangeia.

Já escrevo como se pertencesse ao lugar e o lugar fosse ficando velho, nascido e células sem volta, vou me cansar muito rápido de tudo na vida, mas se paro pra pensar nisso também acho que conservo até demais, bombas bromas y todas las girls.

Viver não tem volta. Tá.

Isso aqui não é confessionário. Primeiro caderno do estudante. Daqui vou para o norte conhecer os povos do altiplano. Eles têm uma bandeira de arco-íris e são gente muito linda, me diz um guapo. Depois me perco. Um rio me acha. Tchau.

16.9.10

seiva saudades

corre nas veias do nosso tempo
feito mão que acaricia montei
meu livro em folhas azuis porque
me lembra o mar as idas quando criança
não sei onde se dizia azul a cor da
esperança e no meio pus folhas pretas
que dragam a cor porque há tudo o que
eu não sei onde pôr

Cariño,

acordei hoje sentindo falta. Vai ser uma provação tanta saudade, mas eu já atingi níveis nunca vistos de tristeza, tanta que agora até posso dizer: tristeza que nem doce de leite, porque a doçura inadvertida, e quando a gente está muito tempo num mesmo lugar precisamos reinventar esse lugar, caso contrário morremos, a viagem sine qua non, mi amor

Dizem que em Moby Dick é que está escrito: os verdadeiros lugares não estão no mapa.

Então seria dizer que tanto faz eu estar aqui, mas não é verdade. Quando a gente nasce, não tem volta.

Tudo é perigoso, tudo é divino maravilhoso.

Saudades. Beijo.

m

15.9.10

seringueira

com raízes
aprendo muito com as árvores

a lucia é que me disse, apontando:
isso é seringueira
assim enorme
e porque plantada no asfalto, suas raízes
que deveriam ir até Guarulhos
se verticalizaram
tomaram o céu
assim é a natureza

escrevi num email que é isso que eu quero:
escrever seringueiras

14.9.10

foi pro lado

foi pro lado embora
essas coisas chegando todas
me decretei um lugar no mundo
finquei bandeira e agora vendo as terras
terreno fértil nem te conto quanto
é pegar ou largar

escrevi um livro. ele ainda não está pronto, mas já está. fico ansioso pra parir, mas a criança tem sua hora.

há menos de duas semanas em paramaribo e creio que vou ficar por aqui. desconfio que vá morrer afogado no oceano pacífico. se isso acontecer, me dirão grande profeta do que já se sabia. a astrologia não dá conta. vamos parar com isso de redenção.

caderno de viagem: assistindo desenho animado em língua estrangeira. o menino paraguaio rola no sofá, morde o nugget, rola mais, fica de ponta cabeça, eu muito quero ter um filho.

tenho saudades. mando beijo.

11.9.10

decisão

acho que eu não volto pro brasil.

Our cities were built to be destroyed.

Everybody knows that our cities were built to be destroyed
You get annoyed, you buy a flat, you hide behind the mat
But I know she was born to do everything wrong whith all of that

She has given her soul to the devil but the devil gave his soul to God
Before the flood, after the blood, before you can see
She has given her soul to the devil and bought a flat by the sea

Everybody knows that its so hard to dig and get to the root
You eat the fruit, you go ahead, you wake up on your bed
But I love her face cause it has nothing to do with all I said

10.9.10

defensa outra vez

chove a cântaros
vimos um filme colombiano que mostra a desgraça da américa latina
tem inspiraçao em fábula do andersen e crianças cheirando cola
nao encontrei ninguém esta semana que tenha encontrado na semana passada
se for assim entao semana que vem, reticências
no albergue tem uma banda colombiana
aqui tem muitos colombianos
e quatro meninas suecas que gostam de funk carioca
escrevi um livro e agora nao consigo escrever nem um post
passo os dias cantando qualquer uma do caetano
e aquele rock-salsa que diz

nao quero trabalhar
nao quero estudar
nao quero nem casar
só quero passar o dia inteiro
con mi guitarra
y cantando con mi voz

estou terminando de ler o livro do ricardo piglia
que se chama prisao perpétua
e vou começar a ler um do ernesto sabato
que se chama o túnel

nunca estive tao preso
e nem tao livre
e nem tao triste
e nem tao bem

(teclado sem til)

atlas

9.9.10

ponha um pouco de delicadeza

o quarto fica do lado da autopista

que é quando você vai dormir com caminhões

vou fazer um panelaço contra a delicadeza

vão todos à merda

amor on the rocks

a nossa classe média

na tv dão destaque aos mineiros
que ficarão ainda meses sob a terra
com risco dos sismos caindo
penso ah uma boa metáfora
ah a caverna de platão
penso ah a vingança do solo
ah os enterrados vivos
pfff...

vou fazer um panelaço contra a delicadeza
do jeito viado que é só o que eu sei ser
se me baterem eu choro
se vir florzinha eu sorrio

a delicadeza não tem nada a ver com tons de sépia.
fotos borradas luz oblíqua, não.
a delicadeza é um álcool.
delicada é a dor no escuro e carinho.

pronto, agora eu vou fazer um panelaço a favor da delicadeza.

isto aqui é só teoria.

te proponho pelado.

7.9.10

muy rico papi

vou ganhar muito
dinheiro escrevendo um
dicionário de expressões
sexuais e unir a américa
latina no grande gozo
bolivariano

6.9.10

playground

a tristeza agarra nas tuas calças. Ela é uma criança de poucos anos que tem medo de andar sozinha. Você diz "vai brincar com os coleguinhas" e a criança fica do seu lado, é um encosto. A gente vai lá e cuida da coisa frágil. Se eu fosse definir a missão do ser humano, numa entrevista prum ET, eu diria: a gente cuida das coisas. O ET olharia pro planeta Terra todo zoado e depois para mim, cheio de más intenções. A gente cuida das coisas ruins, eu completaria sem saber. Ai eu sou um falastrão nessa entrevista com o ET. Corta.

Mas a coisa frágil.

A coisa frágil é um bilboquê. Também a mão quente e úmida do coleguinha na ciranda. Eu tinha nojo e vontade dos corpos dos coleguinhas. Hoje quase não tenho mais nojo porque fui muito bem educado.

Quebrada na prática. (...)

buenos aires

ideia editorial, fazer
um road book, diários
de bater perna

#

as ruas são largas idem
as calçadas com árvores
simétricas a violência da
cidade é essa, quanta gente
escorreu pra gente ter agora essa lisura de caminhos,

um monte de brasileiros de mapa aberto,
falando português como se não existisse outro idioma.
os argentinos respondem sem sorrir, pacientes,
eu tento falar um castelhano sucinto porque fico com vergonha de ser confundido com os brasileiros

ontem passei a tarde toda tentando escrever uma história uma carta sem raiz ou antes: de uma raiz aérea, que se desprenda e grude em outro canto pra não ter passado, uma vida sem origem, sem ato inaugural. mas ando demais por aqui, as ruas são muito agradáveis, quando chego num lugar é porque meus pés tomam toda a atenção.

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diário de viagem.

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coincidência que estou lendo um livro do Ricardo Piglia, que é argentino. A coincidência é essa. o livro se chama "Prisão perpétua". Explico pra menina inglesa que é a história das histórias que a gente inventa/escolhe/é escolhido pra viver, e não sai mais delas, porque a narrativa é uma armadilha também. Explico num inglês meia-boca. A menina diz "sounds very interesting" e come outra pão com doce de leite. "Oh my god" pro doce de leite, que ela não conhecia. Do livro depois eu conto mais. A inglesa foi embora e ontem eu encontrei uma livraria cuja especialidade são livros de editoras independentes. O moço da livraria é um argentino cabeludo que morou em Santa Catarina e ficava surfando por lá. Disse que montou uma biblioteca na cidadezinha, mas quando voltou pra Argentina se desfez de todos os livros. Como eu não entendi o que ele disse (se vendeu, se doou os livros) me dei o direito de imaginar a cena, coisa que faço com frequência, ainda mais se tratando de língua estrangeira:

Ondas marés estantes volumes na praia, sendo levados.

#

Eu poderia ficar escrevendo o dia inteiro.

4.9.10

epistolário

o desejo feito cartas que
se escrevem correm as letras
não encontram envelopes

#

na festa eu conto de
novo, sempre, a grande
história passional,
que não tenho conta no banco,
e latino-americano,
e vindo do exterior

#

(de tanto andar por
aí vou dar nome às
solas dos sapatos
chamar-lhes tristeza y
dolor gastem-se todas)

#

o exterior

#

ouvi dizer de um livro que é uma ficção científica
fala de um tempo em que o vírus passa por pele
de modo que as pessoas reclusas em casa
ninguém se encontra escrevem-se umas
às outras longos sentimentos afáveis
na esperança de receberem resposta deus
me livre de esperar resposta como se eu
tivesse um vírus letal na pele apesar
disso atualizo toda minha vida virtual
constantemente

#

não escreve mais cartas
como antigamente

#

anotações pra um epistolário.

1.9.10

upa la la