28.2.11

Amor

«E.ros s.m. 1.Mitologia Entre os gregos, deus do amor sexual, o mais jovem dos deuses (...) 2.Astronomia Asteroide de 442km², situado a 250 milhões de quilômetros da Terra. (...) 4.Psicanálise Libido. (...) // Segundo os cientistas, dentro de 1,5 milhão a 5 milhões de anos, Eros (2) poderá chocar-se contra a Terra. Se o impacto ocorresse hoje, seria o fim da civilização, pois produziria uma onda de choque milhares de vezes superior à resultante da detonação simultânea de todo o arsenal nuclear existente. A temperatura no local da queda ultrapassaria os 5.000°C. A rocha de Eros é duríssima, organizada em camadas, o que faz supor que o asteroide foi parte de um corpo celeste muito maior, talvez até de um planeta. Se, de fato, um asteroide do tamanho de Eros caísse na Terra, na primeira hora o litoral brasileiro seria varrido do mapa por um maremoto e no primeiro dia os tsunamis arrasariam todas as cidades costeiras do mundo: Nova Iorque, Londres, Tóquio, Rio de Janeiro, Lisboa, Barcelona, etc. No primeiro mês, vulcões extintos há milhares de anos entrariam em erupção, cobrindo a atmosfera de poeira e fuligem, impedindo a passagem da luz solar. Todas as plantas e microrganismos morreriam; no primeiro ano, por falta de fotossíntese, mais da metade da vida na Terra desapareceria. Os seres humanos não resistiriam; seria o fim da atual civilização.»

(de um dicionário)
fosse árvore essa
vontade você
veria em copas se
fazendo frutos sem
queda cada pássaro do
quarteirão em um banquete
contra a lei da
gravidade

e dizem ser grande a tragédia humana
que por falta de uma células de instinto
a gente passa o café e faz planos de
previdência de fuga e futuro

fosse árvore qual seria meu futuro?

imóvel, imóvel
nossa pressa

papéis sobre a mesa, machado

sem palavras, mas madeira

26.2.11

história do Sol (versão abortada)

"o sol tem o tamanho de um pé humano", explicou Heráclito. Há quem afirme (com provas) que tem o tamanho de dois pés. Josué fez com que o sol ficasse parado no céu por não sei quantos dias, até que Deus saiu vitorioso e Jerusalém foi conquistada, depois foi tomada e houve grande dispersão de judeus pelo mundo, muitos deles tiveram filhos e os filhos dos filhos de seus filhos foram mortos de vários modos, queimados por hereges na Idade Média, hoje voltam à Terra Prometida e bombardeiam outras pessoas, bom mesmo era termos descoberto a energia nuclear desde sempre e já no Éden grande explosão, poupava tanto trabalho crematório.

O Sol é que explode / sei lá quantas Hiroshimas por segundo. E nem assim. O imperador inca que jogou a Bíblia ao chão e disse para o padre, em palavras que ninguém sabe como vieram parar aqui: "O meu deus é o deus vivo". Isso porque o padre disse que aquele livro era a palavra de deus e Atahualpa o colocou na orelha, mas não ouviu nada. O sol dá muito mais impressão. Imenso império degolado.

A luz não salva ninguém.

Outros dizem que o sol é uma carroça. E outros, que é uma bola perseguida por filhotes de lobo. Um lobo do tamanho de um lobo. Isso quem me contou foi um amigo meu, em língua estrangeira. Fiquei muito impressionado com as palavras e parei tudo o que estava fazendo pra trazê-las ao português. Não soam tão bem. Copio a explicação dele:

"el sol tiene el tamaño de un pie humano", dijo Heráclito, eu disse.

"... sí", disse o Henry, "hay quienes sostienen (con pruebas) que podría tener el tamaño de los dos pies. Otros dicen que es más bien una carroza, y otras afirman que es una pelota perseguida por los cachorritos de un lobo. Un lobo del tamaño de un lobo, más o menos."

É isso: um lobo do tamanho de um lobo, más o menos. (Esse "mais ou menos" é que deixa tudo mais bonito.)

(Desde que eu conheci essa frase do Heráclito, coloco os pés pra cima e nunca consegui comprová-la. Tenho pés grandes que tapam o sol.)

Por coincidência, ontem eu fui dormir com a Gal cantando

I am the sun, the darkness,
My name is green wave death, salt
South America’s my name
World is my name, my size


... e hoje acordei, amanheceu, com um verso da Sylvia Plath na cabeça (I am a lamp. My head a moon / of Japanese paper).

mata-borrão

cubra-se a pele de tinta meu
bem antes fôssemos caderno pa
pel kraft em que pudesse dei
xar rastros deixar letras

não deixo nada eu tudo levo

amontoado num tinteiro indiscernível

sem avisos livros cartas

eu tudo zero

eu tudo erro sem pena sem
página em branco, gaveta ou
bilhete sobrando

escrevo e atravesso um
viaduto analfabeto, sem
selo estrada ou afeto,

eu tudo ando

24.2.11

história natural

institutos de proteção am
biental descobriram em mim
espécie em risco de extinção

agora, correm contra o tempo
pra salvar os exemplares jovens
barbudos cheios de docilidade
prendem nas redes japoneses que
preferem continuar a caça

preencho fichas e catálogos
de fundações para a preservação da vida
selvagem

queridas fundações,
a vida selvagem não pode ser preservada
senão em cativeiro

antes num zoológico as boas intenções

levarei as crianças pra passear num
domingo vamos conhecer o que não somos:

as grades os fossos e aquários
vazios, os bichos estão soltos

23.2.11

o macaco melancólico

ai muriqui eu não sou galápa
gos pra ter outras esdrúxulas
pra ti

lição dos macacos

que só na américa têm rabos
aprendi numa aula sobre locomoção
a quinta pata a tromba para as árvores

chipanzés meus irmãos
falta um rabo nessa vida

ai muriqui
e os riscos de extinção

em tupi quer dizer "gente tranquila", preguiça,

é o maior e mais corpulento símio neotropical

símio a mim

me falta muito pra evoluir
em primata tão evoluído

20.2.11

as an old memory

não estou tentando fazer nada. Acontece, e fiz. Tentei não dar muita trela pra isso, as coisas que acontecem por mim.

"Tia Clementina, a senhora já quis morrer?". A Tia Clementina era negra de pele muito escura e brilhante, bastante gorda, de tranças longas e eu a amava. Mas tinha nojo de beijá-la. Esse amor foi meu primeiro preconceito. Lembro de pensar "como posso gostar dela e ter nojo ao mesmo tempo?" e chorei no quarto, porque era um menino que chorava muito. Naquele dia, ela estava lavando roupa no tanque e a gente tinha acabado de ver num anúncio de loja um menino que era modelo das roupas com preço. "É bonito esse menino, né?" ela disse. Eu fiquei constrangido de responder. Ela falou "não precisa ter vergonha, homem pode achar homem bonito, isso não quer dizer nada". Aí eu concordei timidamente que sim, o menino era bonito. (Quando o que eu queria mesmo era lamber o menino do folheto até desbotar as roupas e os preços, o menino era lindo). Eu tinha uns seis anos, acho. E aquele dia não tinha nada pra fazer além de sol, tarde linda, meu quintal. E a água que espirrava do tanque.

"Por que você pergunta?". "Ah, por nada". A Tia Clementina desacelerou as mãos que esfregavam as pedras e disse que às vezes sim, que ela ficava muito triste, mas que logo aquilo passava. "Por quê? Você já pensou nisso?". Eu disse que sim, meio enviesado. Podia contar: que estava segurando um carrinho. Podia dizer:

O menino segurando um carrinho, vrummmm, vrummm. A empregada pergunta "você já quis isso?". Vrummm, vrummmm. Às vezes eu quero.

Eu não gostava de carrinhos. Nem de brinquedos, no geral. Eu queria ser detetive e encontrar mapas imaginários, impressionantes.

"Não pense nessas coisas", ou algo assim. Sem reprovação na voz, mas sentenciando a lei que eu não sabia. E que usariam sempre para me prender, caso eu desobedecesse, daquele momento em diante. "Imagine como sua mãe ia ficar triste, ia chorar tanto se você morresse".

Minha mãe chorando. A danação eterna é minha mãe chorando. O inferno será em círculos minha mãe chorando. A desgraça, o desencontro, que coisa horrível é um dia ter tido mãe. E ter que prevenir / para sempre / que ela chore.

As mães da Palestina. As mães dos filhos de Israel.

"Você promete que nunca mais vai querer isso?". As mãos cobertas de espuma branca seguravam algum trapo comprado que depois nós vestiríamos, iríamos à igreja, ao restaurante, o meu amor por Clementina, hoje eu ponho as mãos nos meninos e eles dizem "como são macias", eu nunca esfreguei pedra. "Sim", sim, prometo. O sol estava ameno, nunca vou querer. (Quando eu chego muito perto de fazer - em vez de ser feito - algo sempre me salva). Oi, vida adulta. Vrummm, vrummmm, vrummmmmmmmmmm...

19.2.11

sonhei que assassinava

16.2.11

(observação do petróleo) plataforma

os dinossauros que morreram
no seu último momento
nem pensaram que faremos
do petróleo e esqueletos
se soubessem que atrevidos
os mamíferos pequenos
assim também eu e você

seremos chão, seremos vento,
seremos fonte do movimento

e agora eu ocupo o tempo
de amor palavras pressas
nem rocha nem unguento
a hora não é essa

gigante lagarto passado
que pesa sob o chão
seu corpo era espasmo
agora seja explosão

13.2.11

Entra no primeiro cinema que aparece. Os homens lá dentro andam em círculos e tiram seus pênis das calças. Algum que quer só chupar se senta na primeira poltrona da fileira, o corredor fosse um mar e ela a praia onde as ondas quebram / espuma branca / e se vão. Ele sentou no meio. Na tela, um homem bate numa mulher. Tudo está certo, nada fora do lugar. Se você não sabe, é porque nunca viu, mas agora eu conto. Que ele olhava tudo sem pau duro. O pinto costuma ser à revelia, menos quando você não existe a tal ponto que o seu pinto cai no espaço vácuo, silêncio, e ninguém segura.

"E aí"

Alguém quer salvar o pinto dele. Pega na língua mole, a mulher gosta de apanhar, tenho tesão por brocha, goza e vai embora. Ninguém te salva. Ele fica lá sentado até que dorme. Quando acorda, está sem carteira, de zíper aberto e todo esporrado. Ia começar a dizer "merda!" quando não se encontrou pra dizer: ainda estava sem pinto, caindo. É melhor sair agora do cinema ou continuar lá dentro? Eu queria que alguém decidisse por mim, mas a verdade é que não importa muito o que ele vai fazer, já que ele não existe. Mentira: a verdade é que, dependendo do que ele escolher fazer, ele vai voltar a existir, quem sabe até...!

Se limpa com um papel usado que por sorte estava no bolso. Papel usado ninguém rouba. Faço a história mais trash e ponho ranho na cara dele. Tem cada fetiche nesse mundo. Ele se limpa o quanto pode. O que não vai poder, de jeito nenhum, é chegar lá desse jeito. Ou será que alguém ia ligar? No velório da mãe, rasgo minhas roupas e me cubro de cinzas. Faço uma opção radical e não vou: entro num cinema pornô e acordo sem carteira, com ranho e esperma na cara. Se tua mãe te visse agora. Ele a ama. Enquanto decide o que fazer, enfia a mão dentro das calças e reconhece o próprio pau. "Está aí", se diria (se se dissesse) aliviado. "Não dá sinal de vida, mas aí está."

12.2.11

a bailar que se acaba el mundo

meu avô todo reveillon cumprimentava
todo mundo dizendo "foi muito bom
te conhecer tenha uma vida muito
feliz ano que vem já não estou
aqui" esperava que fosse morrer
a cada ano e nunca que vinha
a morte, eu mesmo já me perguntei
de mim
"quando é que ela vem?" ela não vem
chego a duvidar, meu vô teve derrame
ligo para a prima e recebo a notícia
nada grave, nada grave,
perdeu a vista o médico disse
que em breve voltará, se meu vô
cumprir sua missão de não morrer

(quando é que ela vem? quando é que ela vem?)

amado avô que sabe tanto da vida
prática, eu que só tenho talento
para as coisas que não existem vou
sair para dançar enquanto o senhor
está num leito hospitalar, amado avô,
ai
a morte não nos soluciona

*

amado avô suspeito que isso
seja uma metástase o estarmos
tão vivos que a espera se
perde dos abraços de ano
novo,

uma vida toda pela frente
estala a manhã e anoitece
medos e cegueira temporária
é um fardo ser, amado avô,

a um leito hospitalar
eu dou os pés para dançar

e desejo, teu sono profundo,
que se acabe logo o mundo

*

matéria extinta e persistente
bailarás ao sol poente

um ritmo na hora da ida
assim se distrai a vida

que segue por causa do pulso
as curvas agudas de um curso

estranho, hostil, sem sentido
e tão tardio quanto infinito

9.2.11

quantos destinos tenho?

protegido no apartamento a vida
é viral desatraca dos portos
e mares cheios de tábuas de
náufragos de carga afundada

quero boiar nas palavras

mas elas inexistem nas mãos
feito a água que agora
me afoga e refresca

*

nem tanto depende de um
red wheelbarrow
beside the white chickens
a política internacional compõe
o aço, a tinta, as galinhas

o rei cisca

8.2.11

1996

este avião

grande pássaro desejo

se eu voasse, também gostaria de brilhar
metálico, dinâmico
distante pra que ninguém visse

meu namorado conhecia de longe os modelos
da aviação comercial e era
fascinado por grandes desastres com muitas mortes,
pulava do sofá e sem roupas fazia os sons das cabines

a gente tinha uma caixa-preta
entre a gente que ninguém encontrou
está em poder dos órgãos de inteligência do governo ou dos peixes nas fossas abissais
detetives tubarões qualquer um pode pegá-la
menos nós

grande pássaro desejo humano,
com uma charmosa doutora serás encolhido e dentro de mim
a fim de que os cientistas descubram meu coração aéreo e ganhem
um oscar por efeitos especiais nos anos cinquenta
meu amor retrô movido a combustível fóssil
projetado em todas as salas de cinema do mundo livre

grande pássaro

6.2.11

este avião

grande pássaro desejo

se eu voasse, também gostaria de brilhar
metálico, dinâmico,
e longe pra que ninguém visse

meu namorado reconhecia de longe os modelos e modos da aviação comercial
e era fascinado por grandes desastres com muitas mortes
levantava-se do sofá e sem roupas fazia os sons das cabines
a gente tinha uma caixa-preta entre a gente que ninguém encontrou
está em poder dos órgãos de inteligência do governo ou dos peixes nas fossas abissais
tudo ao alcance de qualquer um que não seja nós

grande pássaro desejo humano,
com uma charmosa doutora dentro serás encolhido e dentro de mim
a fim de que os cientistas descubram meu coração aéreo e ganhem
um oscar por efeitos especiais nos anos cinquenta
meu amor retrô movido a combustível fóssil
projetado em todas as salas de cinema do mundo livre
grande pássaro

da nuvem, da montanha

cheguei e fico andando em círculos / no lugar chegado. penso "vou plantar uma planta". aí cavo a terra, adubo, rego, espera, não sei mais, volto, adubo, semeio, cavo, espera, como era? não quero mais. volto a andar em círculos. a gente chega e não sabe o que fazer com o que chega. cume do everest, venha uma carruagem de fogo e me leve que nem o profeta elias. moisés subiu o monte e avistou jerusalém, mas deus falou "ó você não vai entrar lá não" porque moisés tinha quebrado as tábuas da lei num acesso de raiva. moisés e elias foram as únicas pessoas que subiram vivas ao céu. eu ficava intrigado, "mas ele não se queima se a carruagem é de fogo?", subentendia-se que o fogo divino não machuca ninguém, sarça ardente. mas eu estava onde...? ah, é. cheguei. não consigo me concentrar. escrevo mesmo quando estou disperso. não tenho estado. não daquele jeito, pelo menos. ah, sim, ontem estive. porque fui ver umas fotos numa exposição e a coisa me pegou. hoje também: li um poema e escrevi uma página. essas coisas impulsionam a escrita. então do que eu estou reclamando? é o andar em círculos, também isto. vai ver eu não cheguei e não existe aonde chegar. sound and fury. este avião.

1.2.11

everest

vieram os homens
oh deus, fizeram torres
que queriam te alcançar,
meu coração

não

eu que te pus nas nuvens
um everest um avião
tijolo por tijolo
os homens todos caíram ao chão

babélia inglória aeronáutica
gaivota presa no papel
é um pássaro na mão, ou não,
e um coração a voar no céu