meu avô todo réveillon cumprimentava
todo mundo dizendo "foi muito bom
te conhecer tenha uma vida muito
feliz ano que vem já não estou
aqui" esperava que fosse morrer
a cada ano e nunca que vinha
a morte eu mesmo já me perguntei
- de mim -
"quando é que ela vem?" ela não vem
chego a duvidar, meu vô teve derrame
ligo para a prima e recebo a notícia
nada grave, nada grave,
perdeu a vista o médico disse
em breve voltará se meu avô
cumprir sua missão de não morrer
(quando é que ela vem? quando é que ela vem?)
amado avô que sabe tanto da vida
prática eu que só tenho talento
para as coisas que não existem vou
sair para dançar enquanto o senhor
está num leito hospitalar, amado avô,
- ai -
a morte não nos soluciona
*
amado avô suspeito que isso
seja uma metástase o estarmos
tão vivos que a espera se
perde dos abraços de ano
novo,
uma vida toda pela frente
estala a manhã e anoitece
medos e cegueira temporária
um fardo ser
amado avô
- a um leito hospitalar
eu dou os pés para dançar
e desejo, teu sono profundo,
que se acabe logo o mundo -
*
matéria extinta e persistente
bailarás ao sol poente
um ritmo na hora da ida
assim se distrai a vida
que segue por causa do pulso
as curvas agudas de um curso
estranho, hostil, sem sentido
e tão tardio quanto infinito
21.3.11
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