29.12.11

a visita

tem que deixar a casa arrumada pra receber a visita.

faz café. café ainda não. faz uma torta.

acho que eu vou sair e comprar uma torta. aí faço o café.

vem a visita, olá, querida, tudo bem, que saudaaaade.

senta a visita, dá de comer pra visita.

o filho na sala abre a bolsa da visita e tira cem reais.

eu nunca vi tanto dinheiro, a nota azulzinha.

azul, minha cor preferida.

a cor do céu.

põe o açúcar. não posso por causa da afta. açúcar e frutas cítricas.

é uma mulher tão bonita. ninguém adivinha que tem afta.

sífilis, hiv também não adivinha. esquizofrenia também não adivinha.

a nossa vida é tão bonita!

então espera. disse que ia chegar às quatro. que horas são? ah, sim: são quatro.

ninguém responde porque eu estou sozinha.

eu sou a minha mãe. mas minha mãe não é ela. e eu espero uma visita.

aperta as mãos uma na outra. parece que vai cair.

haha, é engraçado, eu sempre tenho essa sensação.

"da cadeira, você diz?"

ela ri hahaha não, pior que não

não sei. só assim: cair.

bom, se considerarmos

que o universo é um vácuo em movimento

sem norte, sem sul, sem centro

estamos sempre em queda

(detesto quando ela começa "se considerarmos")

(mas é verdade!)

aperta as mãos com mais força.

quatro e meia.

a gente faz isso: põe a toalha na mesa mais bonita,

prepara delícias e fica esperando deus.

deus deve ter se esquecido. ou bateu o carro no caminho.

não coma toda a torta! é pra visita!

vou pro meu quarto chutando o vento.

naquele tempo não tinha internet. mas mesmo que tivesse.

a vida é o tédio esperando o tédio.

aí alguma coisa acontece!

aí tédio tédio tédio...

se eu vivesse sempre na sibéria, talvez não conhecesse

essa sensação de abafado meio de tarde

azucrinantemente quente

e claro.

ainda não são cinco.

já sei: vou fazer algo enquanto isso.

pego papel e quero escrever um lindo cartão de fim de ano.

BOAS FESTAS, MEUS AMIGOS! MUITO AMOR, PAZ E PROSPERIDADE!

a criança vaga pela casa que nem um fantasma.

meu filho está morto e ninguém vem me ver.

"Para de andar um pouco! Você me desconcentra!"

Ela retoma. (Morta estou eu)

Aí você não é mais a sua mãe nem você mesmo: você é a visita.

Que atrasa e que não vem.

As pessoas ficam se perguntando "mas onde estará...?"

dependendo da sua credibilidade, quem te espera se preocupa

"que será que aconteceu...?"

ai, tomara que esteja tudo bem.

MEUS QUERIDOS AMIGOS,

UM 2012 CHEIO DE PAZ, AMOR E PROSPERIDADE

E TOMARA QUE ESTEJA TUDO BEM!!!!!!

:)

- o tempo fecha.

é verão, vêm essas chuvas de fim de tarde.

eu não sou mais a visita, porque eu não vim.

assim como o céu não é mais azul.

um cinza-chumbo se precipita antes da noite.

e antes de ontem, e antes de antes de ontem,

até o princípio do fim dos tempos esse chumbo comemora

a cada ocasião, perto dos trópicos, o fim de uma espera

pela visita.

(querido céu, não caia em mim)

e logo VENTOS, DE NOVO UMA TORMENTA

fechamos a janela porque é isso que fazemos

- a janela fecha.

nos escondemos no centro da nossa sobrevivência

ameaçada por uma coisa tão banal

"agora eu posso comer torta?"

você mata o seu filho enforcado

num descontrole da lógica.

(chove, chove, chove)

"Pode, sim. Vamos comer"

quantas tardes eu a gente ainda

vai se sentar aqui para comer

depois delícia, e digestão,

depois vem o depois, e depois vem mais depois.

faz um café com leite.

"tá tudo muito gostoso"

é muito frustrante quando a visita não vem

pôxa você prepara tudo com tanto carinho

depois tem que comer tudo sozinho

e antes veio o antes, e depois virá o depois,

e no meio disso - pode ser que venha -

pode ser que venha, que não venha,

campainha

Um comentário:

  1. aqui se espera visita - tem até os doces que chamam: espera-visita, agrada-visita...
    a minha tia às vezes vai na cozinha fuladavida e coloca a vassoura de ponta cabeça - para a visita ir embora.
    aqui se espera visita. eu to afogada em café com leite. não vejo a hora de ser sozinha pelada em casa de novo. casa de gente pelada não tem visita com café com leite. tem?

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