7.11.11

criança

meu pai contava com
orgulho a infância pobre quem
não tinha o que
queria, brinquedos
rústicos (meu pai
antes que rústico era
meio cru, mesmo) se
orgulhava da dureza

minha mãe dizia
depois, de canto, que
não era bem
assim, vê, seu pai
tinha até algum dinheiro
e nostálgica lembrava
a infância dela mesma
era quase uma pobreza
guaraná só de domingo
mas a gente era tão unido

(eu, criança, odiava
ser criança. ficava pensando
"ai quando eu crescer". até que pensei
que se eu só adiasse a
satisfação ela nunca chegaria, sempre no "ai quando".
aí eu falei "tá bom".
hoje raramente tenho saudade.
vejo que eu não gostava mesmo.
mas vai saber daqui a alguns anos.
fim do parênteses)

minha avó é a única que passou fome.
fala da fome sem saudade, sem sentimento.
diz "era muito ruim". meus outros avós
também contam pouca vantagem. parece
que a vida melhora e a gente fica mais besta.
eu mesmo não paro de reclamar. nunca nada está bom.
a gente fica equilibrando a vida. ela por si só
desequilibra e cai do barranco.

(eu, criança, via muito
a xuxa. acho que foi isso que me deixou tão triste.
a mesa de café da manhã da xuxa. ela
escolhia a criança mais pobrinha e dizia
generosa "você pode escolher O QUE quiser"
assim, no singular.
a criança ia lá e escolhia a fatia de melão.
um doce aguado, um verde sonso
o do melão. a criança, decerto, sentia vergonha.
de pegar algo mais xuxa.
pegava o melão, que era ela mesma.

eu, se eu pudesse, eu matava a xuxa afogada.
se isso fosse trazer justiça pro planeta.

mas coitada da xuxa.
coitada da gente.)

quero muito ter um filho.
só não sei se fico vivo até lá.

Nenhum comentário:

Postar um comentário