3.5.11

cuida bem de mim

é uma dessas músicas que brotam na nossa cabeça e ficam rodando o dia inteiro, mas a gente nunca sabe direito de quem é, nem como é que canta. Ele tinha voltado bêbado e eu fiquei muito bravo. Levei pro chuveiro, fiz tirar a roupa, ele tombava, mas ficou de pé e começou a se lavar. Eu fui, peguei uma toalha, depois voltei e fiquei com ele, meio envergonhado, mas do que teria vergonha? Ele era bonito e era meu. Já não tinha nada de meu. Eu olhava para o pinto dele com saudades, mas só a lembrança do desejo. Não tinha mais amor ali. No dia seguinte a gente transou pela última vez, na banheira, e não teve amor nenhum. Mas existia tanto, tanto, tanto amor - que até poderia não existir. Entende? Acho que, se eu fosse cristão, usaria esse argumento pra provar que Deus existe.

Depois nos enxugamos. Eu fui para o terraço e transei com outro cara. É o que eu faço. Minha mãe diria que eu não me dou ao respeito. Pode ser, mas acho que não. Eu me dou a qualquer coisa.

O amor parecia aquela história do membro amputado. Que não está mais ali, mas você sente a fisgada. Não tem mais braço, mas sente a coceira na ponta do dedo. O nosso corpo é incomunicável. Às vezes eu fico imaginando desastres, tenho uma imaginação muito trágica. Tumores, doenças, atropelos, várias mortes por dia. E sempre que ouço falar de alguma coisa, pronto, encasqueto que tenho essa coisa. De saúde e tal. Cisticercos, linfomas, aneurismas. Não é nisso que quero pensar.

Ele tomou três garrafas de vinho sozinho e se perdeu na cidade estrangeira. De madrugada, ressaca braba, eu lhe dei uma coca-cola, que a mim sempre cura. Ele teve nojo, mas tomou. A coca-cola foi inventada por um farmacêutico, acho que é essa a história. E é uma bebida letal. Clarice Lispector gostava muito, parece. Eu bebo, porque gosto e essa vida não vale uma birosca. No dia seguinte ele me falava admirado de como nunca tinha imaginado que beber coca-cola faria tão bem e disse "agora eu penso na coca-cola e, não sei, me parece uma coisa Boa". Enfim, esta é uma história qualquer, também não vale uma birosca. Tomei menos coca-cola desde então. E mais cerveja. Não queria esquecer ele, de jeito nenhum, longe disso. Mas hoje, se me derem três garrafas de vinho e me largarem em outro país, é capaz que eu saia andando até não saber onde estou.

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