10.4.11

visnadi

a grande epopeia da
minha família, vinda
da distante hungria no
lombo de um cavalo, num
tempo sem cartório

para as terras secas do
que ainda não era itália

no século xix cartazes diziam
venham italianos para as terras do
brasil construam aqui seus castelos

três meses no mar de uma pessoa invisível
e hoje eu vivo em são paulo de piratininga
fundada por jesuítas contra os ataques de
índios

o grande orgulho sempre foi saber essa herança

a grande lírica seria uma índia
fugida dos hunos, planícies de certa
mongólia desertos tuaregues e um coração
africano batendo em forma de
origem

meu avô olha desconfiado para os pretos.
em outros países me perguntaram se eu era preto.
meu avô escuro mouro não entenderia
como é sutil a cor dos filhos.

vindo há quatrocentos ou seiscentos anos
da distante e ignota hungria
o nome que resta e que faz família
também posso contar de outros jeitos

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quem está vivo é porque não
morreu e sempre aparece num instinto.
deus me deu um ovário sem filhos
pra que eu terminasse a raça.
não será o caso: tenho irmãs e
primas que produzirão novos fedelhos.
deus me deu o talento de não parir
e essa é a única esperança da humanidade.

*

quando colhíamos rupestres a tinta das
sementes e pintávamos antílopes nos quartos
das cavernas

meu professor disse que isso servia a
roubar as almas dos animais que queríamos
comer

hoje eu desenho com letras as cenas
de caça dos dias que posso

me acalma essa vaga certeza -
que escrever é roubar minha alma

*

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feito os espelhos que davam aos índios
os portugueses e de brinde a varíola

como uma troia atacada de espanto
pela amizade que corta as gargantas

ou sequestrado em cabana atahualpa
faz do sagrado moeda de troca

eu acordo e durmo enquanto não morro
e penso, melancólico, na europa


eu meus pais meus avós, irmão primos e primas
um acaso do outro lado do mundo de hiroshima

sem passaporte, sem fome

li que encontraram radiação em todos os mares
do hemisfério norte

e que a cada minuto são mortos territórios
equivalentes ao tamanho da bélgica

pequenas rãs pra sempre extintas
e os prédios os prédios os prédios

ó alturas que buscamos
às custas do pequeno

nossa criação é uma desova de fetos
no campo fértil à beira-cova

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