11.4.11

depois que virei um autor publicado muita coisa mudou.
vim para o interior buscando o fim do anonimato.
trouxe o jornal que me mandaram por sedex com meu poema em uma página.

o poema fala sobre quando meu avô teve um derrame.
minha mãe achou que era uma homenagem, fiquei constrangido.
não neguei, porque pode ser.
ela disse que não entendeu direito.
pensei nas respostas dos autores espertinhos:
"eu não quis dizer, eu disse"
"não se preocupe em entender, viver ultrapassa..."
"isto não é uma mulher, minha senhora, é um quadro"

minha mãe é sagitariana e sempre me atropela.
disse que era uma boa ideia mostrar aos meus avós.

vovô ainda está cego e zureta.
ninguém na minha família lê poesia.
só eu.
vovô não lê mais nada.
minha avó, que é quieta e parece saber das coisas,
mas não contar pra ninguém,
disse que gostou e depois deu pra ele ver.

meu avô não conseguiu nem ler meu nome
e me pediu pra dizer o poema pra ele.

...

este texto está chato, mas vou continuar.
foi o momento mais importante de toda a minha carreira literária.
sou péssimo com momentos mais importantes.
e espero não ter uma carreira literária.
mas ganhar um dia um prêmio muito dinheiro pelo conjunto da obra
e valiosos serviços prestados à comunidade.
ao menos pra não morrer quase indigente, que nem a orides fontela.
e o roberto piva, que também não ganhou dinheiro nenhum.
no final da vida uma galera arrecadando dinheiro pra pagar a conta do hospital.
acho que não vou ter tanta gente assim gostando de mim.
meu avô diz pra eu ganhar muito dinheiro.
"dinheiro é sagrado", ele diz, muito católico.

dinheiro é deus.

quem tem olhos, veja.
fiquei cheio de vergonha e quis chorar.
minha mãe logo pegou o poema e leu.
meu avô depois me abraçou e disse "obrigado por ter lembrado de mim".

(quando eu escrevo, nunca sei por quê.
tipo agora)

depois todo mundo agradeceu o meu agrado:
de ter desejado a morte do avô sem que ninguém perceba.
de ter desejado a morte do mundo sem que ninguém perceba.
e de deixar explícitos, no jornal, só o amor e o sobrenome.

...

essas coisas me cansam.
as outras também.
"nasceu cansado" meu pai dizia - e bufava
de frustração.
meu pai morreu.
eu não gostava do meu pai.
mas ele morreu mesmo assim.
como são as coisas...

...

...

...

... aí meus avós ficaram falando de morte e de morte e tragédias e quetais notícias e que hoje ninguém tem deus no coração

no começo eu dou trela, mas uma hora fico cansado

e hoje desconversei dizendo "eu gosto mesmo é de olhar passarinho"

minha vó sorriu na hora: "eles são tão bonitinhos, né"

e eu disse: "também gosto de macacos!"

todos sorrimos e lembramos do gorila.

Querido gorila,

obrigado, beijo.

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