mas, também, não é tudo só esse desencontro
como se não houvesse uma vontade maior ordenadora das coisas
e isso fosse um caos o pecado a danação eterna
o fim da crença na predestinação e na classe média
não é não?
pois bem. a criança conversa com formigas. hoje, passados tantos anos, aprendi a ser discreto. faço uma faculdade de biologia. na época os primos ralhavam e diziam que aquilo era pecado. também era pecado chamar-se "jesus" ou ficar de braços abertos e pernas esticadas. isso me lembra outra história. que eu levava os meninos da rua para trás do sofá, na hora da siesta do meu avô, e brincava de sequestro cordas imaginárias prendendo os tornozelos a mão tapando a boca eventualmente algum se defendia lambendo a minha palma
eu tinha nojo, mas não tinha
conversar com formigas era o de menos. se os primos fizessem a siesta, ninguém perceberia. mas eram adolescentes muito acordados e eu sempre fui a criança coió, desenhava corações de chapéu passeando cães e já adorava patos, desenhava peixes que faziam bolhas em forma de coração, adorava os corações
e as formigas
você é pequena e eu te entendo. tinha tanto amor que dava vontade de comê-las, já que beijá-las seria demasiado. eu só queria afeto. que a formiga, presa no quadrado que as minhas mãos faziam na calçada, não tinha como negar.
se eu fosse heterossexual, capaz que tivesse mais sadismo que delicadeza. com meu mapa astral, um sociopata é perfeitamente previsível. mas não dou pra isso não. deus é bom e me fez sodomita, com trejeitos femininos de quem pratica o mal obliquamente, em sabás noturnos no beijo negro dos gatos, deixando meu corpo para os espíritos da floresta
agora a história das formigas ficou de lado. lembro que tive grilos, tatuzinhos, caramujos e toda espécie de fauna de jardim
o pequeno era seguro e não oferecia resistência
1.7.11
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