é bom escrever / é um encontro com a coisa / você tem braços (às vezes não tem. bom lembrar: não é todo mundo que tem braços. eu tenho. dois, acho) eu tenho braços e pernas. alguém tem. cada coisa no teu corpo vai prum lado. e de repente vem uma palavra, é um momento.
o "coivara" que descreve esse blogue é uma história de uma vez. que diz que coivara é o nome de uma técnica de agricultura, consiste em QUEIMAR tudo o que havia. não sei o quê, se isso aduba ou resseca a vida do solo. não sou agricultor. aliás, a única coisa que sei fazer é escrever. e nem isso. sou um fracasso nos textos encomendados. aliás, a única coisa que eu sei fazer é o fracasso. "imagina", alguém vai dizer, "imagina!". ah, esse alguém não sabe da missa o terço. escondo muito bem. faço a barba de vez em quando. e tenho bom berço, ninguém vê minhas cáries, estão nos dentes dos fundos. ninguém vê meus fundos porque fui bem educado nas fachadas. mas se acredito em alguma coisa. acredito em várias. uma delas é que escrever é muito bom / quando é um encontro com a coisa / é quando a coisa encontra.
nessas horas, vem primeiro uma satisfação pessoal muito grande. virei deus, posso morrer. logo depois, e aí é que a coisa se completa, vem uma satisfação muito grande de que outros se satisfaçam com meu texto. e eu já não sou mais meu texto, ele chega sozinho. virei terra, posso morrer. meu objetivo de vida é virar adubo.
quando nada disso acontece, que é boa parte do resto do tempo, confesso que preferia nem estar aqui pra ver. tem uma música da companhia do latão em que se canta
eu tenho pena de morrer e deixar Odete
eu tenho medo de Odete me deixar
eu tenho pena de morrer, deixar o mundo
quando eu morrer o mundo pode se acabar
pois, quando não escrevo não tem Odete nenhuma pra me deixar e o mundo pode muito bem continuar sem mim. estou morto, posso morrer. aí não tem alegria nem libertação. é matéria finda, é jogo dado.
(com isso percebo que entronizei de vez outra mensagem da clarice lispector, que diz na entrevista "quando eu não escrevo, eu estou morta". eu sempre pensei que fosse mais dramalhão do que isto. que fosse trágico. mas não é. é pior. é fato.)
(but i ain't no clarice lispector, that's for sure)
de todo modo, hoje foi um dia de muitas realizações. o quarto está uma bagunça e o trabalho está atrasado. amanhã eu posso morrer de verdade. nunca descarto essa hipótese, essa verdade. mas acho que ainda vou prestar grandes serviços para a humanidade. o futuro me absolve.
agora vou voltar pro ganha-pão.
6.6.11
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uma pena escrever não ser o ganha pão. ou pena seria se assim fosse?
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