22.10.11

autobiografia

para quem não vivesse mais que aquilo. Seria fácil: era outono e contemplar. Depois a saída à rua, ter problemas no banco, resolvê-los. Logo viria primavera, ou antes inverno?, encontros com a morte, apaixonar-se, dias insossos. Ser contratadx, ser demitidx, ser contratadx de novo. Um dia / não: pois seria uma vida sem "um dia". Era agora e daqui a pouco. Olha, nos meus planos ninguém toca. Não, mesmo que fosse mais mansx. Olha em volta, faz um esforço. Vai pro espelho. Ali encontra olhos / que suspeitos esses olhos! Seria tão mais fácil! Acordar, dormir. A coisa tão própria nela mesma que qualquer palavra daria conta. Não quero o fácil. (Esconde-se atrás da porta com um machado. Espera que o espelho venha. Vocês são muito cruéis. Quinze crianças (eu contei!) passam pulando xingando o nada e sendo indiferentes pra única coisa que está aqui. Com isso dizem: que eu sou nada. nem posso contra esse atestado. as crianças / querem querem me matar. Não morro de ter muitas vidas. Querida mãe, minha mãe chega contra a carta, por isso não escrevo. Quem, quem, quem, quem. (Outro dia quis que meu nome fosse quem. Depois um nome caiu. Deus acendeu as luzes da casa de uma vez, foi para me assustar. Como Deus não existe, as luzes permaneceram apagadas. Estão brincando comigo0.) Um homem entra no meu quintal à noite e se prostra debaixo da janela. Fica imitando sons de grilo. Cri-cri, cri-cri, cri-cri. Depois que o pedro morreu, eu morri e continuei vivx. Ninguém nunca acredita. Cri-cri. Pelo amor de deus, eu não tenho paz. Uma história pra contar. fui na fábrica e disseram segunda venha. mas se não souber trabalhar ai. fui. depois a creche não tinha gente. vou te contar: não lembro de ter engravidado. oi? é, logo à direita. depois passa as noites com medo da morte. Querida morte, quero lhe pedir com humildade que venha. Não tem festim. Se você vier e me perguntar, direi que não. Saiba que será um sim. Todo o meu corpo é sim. E a minha alma é quem. Por isso não temos escolha. Me escolha. Por dentro daqui me olham. Guardo as coisas pelo corpo. Redes de televisão anunciam que encontraram centenas de objeto após a cirurgia. Depois eu tive um neto. Meu neto sou eu mesmo. Não posso mais parir. Um exército correu atrás de mim. Meu neto me salvou assim: não existindo. Ah que emoção, viu, vou te contar: não existimos e tudo dá mais certo. A vida fácil que soubesse. Comer o corpo, beber a palavra do Senhor. Lâmpada para os meus pés, Luz para o meu caminho. Pai, mas ilumina a minha cabeça! Pai, e o peito, pai? Mamilos tesos, desça pelos caminhos e ilumina os meios. Eu sou a noite e a noite se arrasta para longe o chão se move, dia, dia a terra grita e a luz me silencia. Pai. Todos os cachorros. Deixaram a cidade. Pularam no rio da Prata. Amanhecemos inundados de cadáveres. Por dentro daqui me olham. Depois veio a família e soube tudo. Depois todos se acertaram: espanaram a casa, repartiram a mesa de centro, os móveis usados, meus bichos de pelúcia jogaram no lixo. Desculpe o clichê. A vida é um clichê. Pai, pai. Por quê? O anjo desce e me tira da palavra a boca a vida. Diz não diga mais vida e eu digo (...) não posso dizer. Querido anjo, s'il vous plait, porque na escola me ensinaram francês, só assim o anjo vem. E depois... e depois... Tive lutas estafantes. Deu tudo certo, não te disse?

O vulcão escapa além fronteira.
A terra é lava. O céu é cordilheira

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