após o acidente nuclear em fukushima, foram feitos estudos e já se tem: um ovo amarelo no qual os japoneses podem entrar, um por vez, e que os leva flutuando no oceano até paragens novas e não radiativas
cabe em cada arca suprimento e uma revista, um livro desde que não muito grosso, ou talvez vários, a depender, as arcas não são grandes, mas pros meses que te esperam uma epopeia tem gente que prefere, ler "os lusíadas" enquanto não se afoga, nem imagino traduzido pro japonês
a terra deixou náufragos e à deriva
128 milhões de japoneses
boiando em ovos amarelos
pelos oceanos dos cinco continentes
no havaí uma menina
encontra uma dessas cápsulas
em cada praia do mundo,
Deus, todo-poderoso,
dá de presente às crianças comportadas
um japonês para brincar
meu amigo japonês
de fala grave e entrecortada
conta histórias navegadas
numa língua que eu não entendo
esboçamos, em todo lado,
caracteres intraduzíveis
eu desenho um coração na areia
mas esse japonês, sei lá por que, não entende o desenho do coração
olho pra areia mais uma vez e vejo que não desenhei coração algum
equivocado com um galho e a melhor das intenções
fiz só rabiscos, o que na minha vista parecia um coração
vou ao hospital e descubro que tenho uma rara doença neurológica
que afeta a coordenação do que produzo com o que vejo do que produzo
é tipo uma esquizofrenia aplicada aos traços
eu era um cartunista muito famoso no país
fiz sucesso com uma série de tiras sobre meu amigo japonês
agora entro em depressão, não consigo mais desenhar
o japonês me faz sushis, é seu jeito de fazer carinho
como os sushis e depois que não morro de depressão nem de intoxicação alimentar pego no pincel e inicio uma série de pinturas abstratas
que para mim não são nada abstratas
a crítica ignora
(eu ainda não sei disso, mas vou ter muito sucesso póstumo)
começo a trabalhar numa banca de jornais
o japonês arranjou emprego carregando peixes no mercado
ainda não fala um "a" da nossa língua
e eu, estranhamente, não consigo falar um "a" em japonês
certas desconfianças a respeito disso
(não sei se estou ficando louco, mas penso em alienígenas)
de todo modo, o que acontece é que decido começar uma nova série de pinturas
dedicadas ao meu amigo incomunicável
desenho corações e mais corações
ninguém no mundo reconhece nenhum deles
penso em intitular a série com o nome da minha doença
mas desisto, acho deprê, e chamo ela de
"love"
descubro que sou um paquistanês que vive na irlanda
(esta casa já tinha espelhos antes?
cada coisa que a gente descobre por acaso...)
acordo um dia e vejo tudo amarelo
sinto um baque, ouço um zíper
uma menina me achou na praia no havaí
sou um japonês naufragado, meu deus!
(qual o deus dos japoneses?)
ops, voltei da história.
não era um sonho, mas também não era verdade.
onde eu estava?
ah, é:
aqui.
5.10.11
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coisa linda.
ResponderExcluirindeed.
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