31.12.09

pudo el amor ser distinto



Celos
pudo el amor ser distinto
redes
trampa mortal en mi camino
y en un café , un café de ciudad
me contaste otra vez tu destino


Celos
celos en suelo argentino
fiebre
y mi ilusión que se deshizo
mientras te burlas de mí en tu canción
no me puedo librar del hechizo


Nubes
nubes de sal y de hastío
dudas
pago por ver lo que he perdido
la capital te atrapó, te embriagó
en el triste ritual del olvido.


Mmm
pudo el amor ser distinto
mmm
crudo final discepoliano
y en un café, un café de verdad
cayó el último acorde del piano

30.12.09

O coração é um obreiro
a tempo inteiro
abre e fecha sempre
as mesmas portas
ninguém lhe pergunta se quer

Ana Hatherly, Fibrilações
de 2005 até aqui

29.12.09

Gardel

Não se sabe onde nasceu: se na França. Com dois anos de idade nasceu em Buenos Aires. Sem pai. E morreu a ponto de partir, saindo do chão em Medellín, num acidente de avião.

28.12.09

galápagos game over

acompanha com os olhos / mil araras multicores / o menino escala / essa dúvida turva, dourada / em forma de ovo de arara / gigante feito o maior dos dinossauros / implanta o feto no mundo / deixa-o chocando uma ideia: enchentes, esquece: morrem 95% das espécies.

23.12.09

De tudo ao meu amor serei atento

.





Soneto de fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.



Soneto de separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.


.

20.12.09

defensa. ou: san telmo: alegria.

o casal florido é mais mal educado que todos os argentinos juntos. nós saímos, nos perdemos no caminho e voltamos separados. entao eu desci sozinho a calle de la defensa, onde uma infinidade de bolivianos faziam feder a rua, mas em compensaçao deixavam-na muito mais colorida e musical. entre flautas andinas e suvenires portenhos, quatro blocos de batuque punham todo mundo pra sambar, as francesas mexendo os ombros, as bolivianas mexendo os quadris, os homens atrapalhados nos pés. todos sorrindo.

sorrio também. isso aqui oô é um pouquinho do brasil, iaiá. essa gente que canta e é feliz. depois eu te conto. a grande história sentimental. agora o coraçao bate compassado / entre alafajores: tanto-faz, tanto-faz, tanto-faz.

san telmo

passei a noite percorrendo lojas de antiguidades / com cartazes de cinema e joias feias, pesadas / outras tao bonitas / que dá dó pensar / assim perdidas / ou entao até melhor / que tantas pérolas em mundo cheio / estejam gestando um encontro / cadentes, nascostas.

hoje sim é dia de feirinha: comerciantes enchem a plaza com desejos parados / no hotel de maricones, somos em dois austríacos, um mexicano, um norueguês que chegou ontem, um coreano, um brasileiro e eu estrangeiro, de camiseta da seleçao digitando enquanto um casal de velhotes em camisa florida e nacionalidade incerta tomam café na mesa ao lado.

pela sacada do prédio, na rua se vê lá longe a cúpula de alguma igreja grande e antiga. na parede da catedral alguém pichou iglesia basura vos sos la dictadura. con letra tán hermosa. a mesma que escreveu aqui no peito que nao vai dar mais, valeu, mi buenos aires querida, um beijo pra quem fica.

19.12.09

rio da prata

pomba é uma praga universal / no hotel de maricones, um lá me chama a palomita / há guindastes sobre a água / meu coraçao de ouro queda escondido nesta prata / guarda um tesouro que espantará os mosquitos / será quíron da calle de la defensa / tao cheia e assim desnuda / os mapas insistem em nao residir / trazem meninos porteños de feiçoes as mesmas / escrito em cada rua / de letra tán hermosa / incertidumbre, ganas de ganhar / o caminhozinho / talvez o mar

16.12.09

querido azul. aprendizado

Ainda que sendo tarde e em vão,
perguntarei por que motivo
tudo quanto eu quis de mais vivo
tinha por cima escrito: "Não".


E ondas seguidas de saudade,
sempre na tua direção,
caminharão, caminharão,
sem nenhuma finalidade.

Cecília Meireles



Ah, por que tocar em cordilheiras e oceanos!

Drummond



Tudo no mundo começou com um sim.

Lispector
mas eu prefiro o amor ao sistema imunológico

caderno de estudo

ou

vai ser um exercício muito grande, nessa vida

ser humilde

e ser bastante

15.12.09

lembrança

foi um tempo / a gente era selo

vinha uma greve e era aquele augúrio
ao contrário, uma coisa que não
acontecia

eu tinha tempo, na madrugada,
pra cheirar cada palavra
escrita em outra letra, na mesma
sintonia

nos envelopes
abertos do nosso corpo
o que eu escrevo virou pulga, pandemônio,

aeroporto

vuelvo al sur

a capital gay da américa latina / paris no hemisfério sul / tira um monte de fotos que eu vou querer ver / no hotel não entra mulher / que expectativas a gente coloca numa viagem? / o avião pode cair / ou ficar preso num panelaço da nueve de julio / só vai voltar depois que for


13.12.09

mostra a tua cara

o alexandre disse que o mst era um bando de vagabundos
e que ele pegaria em armas se fosse preciso
para defender a edícola do fundo da sua casa
de receber uma família de retirantes nordestinos
como imaginava que a reforma agrária seria
obrigados a ter porcos em casa como em cuba

a gente tinha dezesseis anos e ficava na rua conversando essas coisas
entre outras

mas depois que o lula ganhou a presidência
pode ser coincidência com eu ter feito uma faculdade de esquerda
a esperança não venceu o medo?

que meu pai tinha um quadro do che guevara na parede
e desenhava suásticas na mesa do restaurante
minha vó dizia que o lula era da foice e do martelo
cortar pescoços martelar cabeças
jorrava sangue inocente na bandeira vermelha
e votaria no collor
mas ela nunca teve título de eleitora

agora que todo mundo gosta do nosso presidente
(menos o meu tio, que tem jet ski e filial na bahia)
e a gente sente a prosperidade nas ruas
mesmo com as enchentes os ciclones a guerra do crime no rio de janeiro

eu penso na política externa do país
e fico emocionado com as possibilidades
de viver numa democracia protocomunista
em que a faxineira tem tv a cabo
e os dois filhos fazem faculdade

(a alegria é a prova dos nove)

ao mesmo tempo
que os meios de comunicação de massa do país
propriedades de oligarquias centenárias
seguem, uníssonos, numa desmoralização baixa e burra do atual governo
o que abala e muito o meu cinismo

*

vendo isso e isso.

*

e lembrei disso

minha redação foi a melhor do vestibular da unicamp e publicada no livrinho em 2003, fim

Alfredo II tropeçou em frente a uma biblioteca e, depois que ele começou a nos contar, descobrimos porque nunca nos deixaram ler Clarice Lispector no laboratório de Tadeu: denso e espiral, A2 caiu dentro de si numa angústia sem fim, cada vez mais hard. Entrou numas machadianas, Dostoievski, Manuel Bandeira e não deu outra: encontraram-no na piscina de seu apartamento com uma cópia do Tabacaria do Álvaro de Campos atravessada na garganta e a artéria ejaculando freneticamente o seu sangue fosforescente até a última gota.

inutile finestra




Visione del silenzio
Angolo vuoto
Pagina senza parole
Una lettera scritta
Sopra un viso

Di pietra e vapore
Amore
Inutile finestra



e esses dias sonhei
que tinham me escalpelado
e eu andava por aí sem a tampa da cabeça
era tratamento de alguma doença
e que aflição me dava saber o cérebro vivo molhado pra fora
podendo acontecer um acidente cair alguma coisa nele chuva poeira que fosse
imagina!

quando acordei fiquei sem me mexer
levei a mão ao cocoruto com medo que doesse

cabelo

*

The brain is by far the stupidest part of man's being, but it is base and bolde enough to present itself as a great pioneer, and lives lavishly on the praise procured for it by this false appearance. That a higher concentration of knowledge is to be found in the heart than in any other bodily organ, including the brain, is borne out by the fact that it constantly bleeds. Something like a hemorrhage would be required to catapult the brain to the heart's level.

(esse cara é full of bullshit. o corpo inteiro sangra. o sangue espraia)

12.12.09

jovens promessas

river phoenix afogado na piscina aos quatro anos / rimbaud de tuberculose antes dos quinze / virginia woolf adiantada aos vinte e três / ana c. de avião em 196? / joseph conrad comido por famintos / junto com seus manuscritos / na áfrica selvagem / luandino nas celas da prisão / encontrado sem romances / reinaldo arenas sem aurora / frank sinatra num aborto / caetano ano passado / mussum pirulitou-se / de cirrose antes dos doze

10.12.09

na lapela

não tem problema
fogo dos começos
a motoquinha do menino
remendada rua abaixo
tarzan easy rider no despenhadeiro

gostava da história
do pequeno e do gigante
foi meu vô quem quis mostrar
como se fazia uma funda:

pega uma tira de pano
nas pontas / deita pedra
no meio / roda roda
& atira pra matar na testa

vovô berrou
eu fugido na esquina
vi ele doendo
uma pedrada na canela

naquele dia não apanhei
mas entramos dentro em casa
que acabou a brincadeira
e eu ganhei a guerra

9.12.09

o irmão diz
muita vantagem
uma previdência & part-time job

mas a cidade de são paulo
se inunda
é só pensar as carteiras
de trabalho bóiam o
trem não passa
de caieiras, que é na periferia
ficamos todos submersos

ou então
morar nesse fim
de mundo mais
suscetível ao rastro
das estrelas do que
anda no asfalto

e crê que será preciso
enchentes quedas chacinas
na arca pro fim dos tempos
o meu trabalho de arauto

7.12.09

I'm the silence that's suddenly heard after the passing of a car

6.12.09

Que febril la mirada, errante en las sombras,
Te busca y te nombra.


4.12.09

entre nós e as palavras há hélices que andam

3.12.09

dezembro chega

um avião / pra nossa sorte / com escala em cada ponto / sossego incertidumbre / entre aqui e o sul do mundo

saturno, deus do tempo
entra manco no signo do amor

se coxo por que triste
se triste por que

as atrizes os cantores o lombardi / falidos morrem / de avião pra qualquer parte / as turbinas vão cair na cordilheira / fome de nádega nas dunas / de avião pra parte alguma

a primeira música que eu gostei


1.12.09

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CANÇÃO

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a côr que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto fôr preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Cecília Meireles, em Viagem (1939)

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