9.9.12

que morde

esta oficina mudou de endereço

agora escrevo aqui:


fim do mapa.

16.8.12

adeus

era uma vez uma galinha

que tinha prisão de ventre

no seu ventre havia um ovo

o que se prende apodrece

falta ar

tudo apodrece

mas o que está preso apodrece diferente

ninguém conseguiria comer o ovo, pra sempre preso

nem comer a galinha, fedida e estragada

"amor guardado vira câncer", alguém disse

mas não devemos atribuir juízo moral às doenças

e aquilo não era amor

era apenas um ovo, diz a galinha

*

há muito tempo não vejo animais

ontem matei uma formiga e vi uma pomba esmagada

quis fugir para o cerrado, mas tive medo de cobra

e fiquei por aqui, mesmo,

sem galinheiro, sem minhas vizinhas de infância

que criavam coelhos e pombas pro abate

*

hoje acordei me sentindo um ovo

prometido no cu de uma galinha inventada

há meses minha conta no banco míngua

e eu tentando escrever a história da humanidade

e algo útil que entretenha e edifique meus contemporâneos

leio as cartas íntimas de um escritor que gosto

e penso "não devo mais escrever em primeira pessoa"

o fim do capitalismo, a implosão do sol

uma vida eterna de paz e harmonia na presença de Deus

me boto altos objetivos enquanto trabalho

dez horas por dia na esperança de não atrasar

outra vez

o aluguel

*

se nada mais der certo

meu amor minguar e a conta no banco implodir

se o trabalho faltar e tudo o mais não nascer

no caso extremo de o mundo nunca acabar

e a ruína for um destino pessoal que nada tenha a ver

com vocês

espero que o meu diário deixado num endereço anônimo

da rede mundial de computadores

essa metáfora datada da mensagem na garrafa

mas uma carta de prisioneiro escondida atrás do vaso sanitário

neste mundo de gente solta e satisfeita, quem tem a chave

das nossas celas eu não sei

a solitária

mas eu espero que esta carta

se não comida pelos ratos, que comem tudo,

sirva de companhia, algum dia,

para quem também estiver preso, de mentirinha,

no cu escuro, apertado, sem saída

de uma galinha

14.8.12

Hagiografia de Simone Weil

diz que Simone Weil, que no frio inverno da França largou a vida de intelectual universitária para trabalhar como operária nas fábricas, e magra doente com a mão atrofiada deixava de comer e não tinha calefação interna no pequeno quarto que alugava, passava frio e mal tinha par de meias, inalando diariamente as fuligens e os desmandos e enfrentando as máquinas quentes e o vento gelado da rotina de trabalhadora,

ela, que poderia ter uma vida mais confortável - embora fosse a década de 1930 e os nazistas logo invadissem a França, forçando sua família e seus conhecidos a migrarem a outros lugares, ou encerrando-os em campos de concentração de onde  poucos sairiam vivos, exterminados por aqueles que só queriam o bem de todos, quanto tempo você acha que dura o seu conforto? -

ela, que por piedade e profunda comunhão com tudo o que é humano e sofre, e que teve vida exemplar de santa desde criança, quando sua mãe a tirou do banho numa noite fria da França e ela, tremendo de frio, dirigiu-se a si mesma, três anos de idade, e disse ao seu próprio corpo, ela que era força: "Tremes, carcaça?", e depois, mais velha, moribunda num hospital inglês, recusaria qualquer comida e qualquer tratamento porque a maior parte da população humana tem fome, não tem o que comer, e são todos iguais eu, iguais você, só que diferentes porque não têm o que comer, e que nos lembra em certo momento, em um de seus textos, que a maior parte da humanidade nunca sequer chegou perto de um banho quente

Diz que Simone Weil, um dia, ao conversar com seus companheiros de fábrica (ela que vivia sem calefação e sem meias, como já explicado, e era inverno, nevava na França), espantou-se ao saber que eles, com o mesmo salário, viviam menor privação que ela, porque não a buscavam

13.8.12

estados físicos do amor

no mar e
meio a torre

um barco
desabitado

*

das
árvores e bichos
que aqui viviam

vieram os homens com seus
asfaltos
cascalhos construíram lares
e às portas da cidade a zona
cercaram hospitais, cemitérios,
recebiam o circo, seu espetáculo

os homens

*

árido quente durante
o dia, o deserto realça
vida durante a noite:
répteis devoram mamíferos
a areia alacra escurecida
os cactos suspiram que bom
que o deserto tem vida
e o vento refaz
a paisagem
despida de oásis confunde
a caravana atravessa
camelos, tuaregues

*

nenhum guia
de turismo é digno

mamilo, pelos
olhos, o pescoço

manhã
que acorda
noite

vapor
que esculpe
gelo

11.8.12

consciência histórica; berço

eu conversava com um amigo espanhol, em Buenos Aires, e ele me perguntava da história do brasil.

"então, quer dizer que você nasceu sob uma ditadura?!"

(nasci em 1984)

ele ficou muito surpreso. (mas não tanto quanto eu.)
escrever também é sintetizar um conhecimento / o narrador, de Benjamin / que é o conhecimento dos tempos e espaços longínquos, mas tão próprios da pessoa que lê / no sentido em que a literatura é didática, pedagógica: ela ensina / o motivo que nos trouxe até aqui, e nos levará aonde ainda não sabemos com a razão diária, mas talvez saibamos de outros modos / lo que buscas te busca / o caminho da arte (fazê-la e apreciá-la) não é o da mesquinhez / a experiência artística é oposta à mesquinhez

6.8.12

quando eu era criança
eu e meu irmão tínhamos
dois pintinhos
que as crianças da rua vinham visitar
e todos brincávamos
de jogá-los para cima e vê-los
desesperados
tentar voar

lembrei disso agora
que decidi não matar mais pintinhos
nos textos literários
embora continue comendo frango, imagino
o arraigamento de certos hábitos

de todos.
viver é um hábito que eu não
perco as esperanças de adquirir
li em algum lugar.

pois bem.
esta é a história do pintinho.
que, enquanto as crianças não vinham, mal se lembrava
que tinha duas asas.
elas não lhe faziam falta.
ele ciscava no quadradinho do quintal.
a minha vó dava comida para todos nós
os pintos, meu irmão, meu avô e eu
depois ela saía de madrugada pela rua com medo de assassinos
vinte anos depois eu acordo de madrugada
e resolvo amar, sem ser assassino,
aquele pintinho.

31.7.12

a maior cantora do Brasil

contam que
numa mesa de bar
chegou Geraldo Vandré
chamado por Caetano
"Geraldo esta é Maria da Graça"
e assim foram apresentados

Maria da Graça recém-chegada da Bahia
dezessete dezoito dezenove anos de idade
pouco tempo mais tarde chamada de Gal

eram anos duros no território brasileiro
porque pobres eram desalojados
índios e negros eram mortos
militantes políticos eram perseguidos
ou qualquer um que se confundisse com os acima mencionados
tinha destino menos feliz
que aqueles três, momentaneamente,
numa mesa de bar pensando em futuro
conversando num bairro do Rio de Janeiro

"Geraldo, estou compondo umas coisas
Maria da Graça e eu
canta pra ele, Gal"

e a menina
com linda voz de passarinho
sem voo
canta

você
precisa saber de mim
baby
na lanchonete
você
precisa aprender inglês
baby
i love you

Geraldo escutou
depois não disse nada
mas levantou-se furibundo,
deu um murro na mesa e gritou

ISSO É UMA BOSTA!!!

e saiu para a rua
peremptório

Caetano
ainda orgulhoso de sua arte
e do que viria a ser a cultura
brasileira
(segundo as Organizações Globo)
não entendeu ou achou de mau gosto
reação tão pouco generosa

Maria da Graça
temendo suja sua piscina
ofendida sua carolina
inútil sua margarina
- e, afinal de contas,
há pessoas que querem ser
só uma menina -
assustou-se
e começou a chorar

27.7.12

jesus
tropeçado nas nuvens
deu de cair antes da hora
pra desgosto do pai
a praça
de são pedro
logo se encheu
o silas
malafaia
cagado de medo
e de alívio
pediu perdão
perdão ao salvador
na cidade de salvador
os orixás tiveram tédio
jesus pigarreou
envergonhado
eu queria
que nada disso
tivesse acontecido
de repente
um novo calvário
em dia útil
jesus
se o senhor quiser
pode se esconder aqui em casa
te lavarei os pés
com água boricada
comprei hoje na farmácia
depois limpo
as tuas chagas
com beijos
de beata
jesus
em troca
um vinhozinho
vai bem
aqui
na minha casa
a gente adora
hospedar
e ninguém
(pode crer)
salva
ninguém

21.7.12

"Será preciso coragem para fazer o que vou fazer: dizer. E me arriscar à enorme surpresa que sentirei com a pobreza da coisa dita."


(CL)

20.7.12

pra que
casa
quarto
cama
chinelo
melhor
era
deixar-se
caído pó
no canto

pra que
rua
passo
carro
trabalho
melhor
era
deixar-se
varrido pó
no vento

pra que
peso
propósito
passado
pilhar
melhor
era
deixar-se
futuro pó
dos outros

18.7.12

Quando lhe falta o demônio
e Deus não o socorre,
quando o homem é apenas homem,
por si mesmo limitado,
em si mesmo refletido;
e flutua
vazio de julgamento
no espaço sem raízes;
e perde o eco
de seu passado,
a campainha de seu presente,
a semente de seu futuro;
quando está propriamente nu;
e o jogo, feito
até a última cartada da última jogada.
Quando. Quando. Quando

(Drummond, "O padre, a moça")

13.7.12

como é que faz

se o meu corpo me diz

não te quero mais

e falta tanto por descobrir

o povo tem fome

de pimenta-do-reino

as caravelas esperam

feito águas-vivas do porto

desbravaremos continentes

mas não eu

coberto de escorbuto

prévio a negra peste

mãos esquálidas sem remo

fico jovem

nem pra velho do restelo

as portuguesas choram

as noivas ficam por casar

o mar engole meus companheiros

num futuro de horizonte

terra redonda que some

e eu

manhã

que medo

acordo tremendo

deitado na areia

rápido se esfria

na madrugada

sem água

o sol queimando

o sarcoma de kaposi

naufrágio na terra

dos meus pais

como é que eu faço

se o meu corpo me disser

não te quero mais?

12.7.12

profilático

a aldeia foi atacada

por uma praga inaudita

e estava isolada

nômades e misantropos

guardavam-se entre si, seus afetos

bolhas na pele, dores que rasgam

parecia mesmo ser mais sensato

num tempo sem sanatórios

que os habitantes saíssem à floresta

e caminhavam sozinhos, apenas

visíveis uns aos outros, à distância

para evitar o contágio, deixamos

de nos beijar e bater, quando

queríamos dizer alguma coisa

a alguém, fazíamos sinais

de longe ou gritávamos

de longe ou ainda

em desenhos nas árvores

mostrávamos o toque

que não podíamos a não ser

nas árvores

10.7.12

o ano mais difícil de nossas vidas

todas as tartarugas
rompem ao mesmo tempo
ou quase
seus ovinhos
de casca mole pra répteis
tão duros, nascidos nos dinossauros
depois atravessam
uma vez eu vi
na televisão que uma cidade
tinha migração de sapos no meio das ruas
ou seriam aligátores
crocodilos mais que grandes
mal nascidos e já migrantes

depois
conseguiram um salário
e contas a pagar
subiam a correnteza
pulando contra as águas
até que um urso os pegasse
salmões?

nos reunimos
eu e os bichos
pra trocarmos experiências
eu conto que contraí uma doença
e antes disso já fui hippie
embora tudo seja meio mentira
mantivemos a música dramática
depois comemos o salgadinho
enquanto os colegas de trabalho balançavam a cabeça
compadecidos e diziam
"que dureza..."

duro
é o que eu tenho entre as pernas
que acorda
apesar de tudo
mesmo quando eu não quero
e sai da toca
se arrasta na areia
e chega no mar

grande água na nossa carapaça
sal e rumo sem fronteiras de correntes
no entanto solte um bote à deriva
ainda que afunde         ele chega
ainda que aporte          ele entrega

filhotes de futuro diluídos no presente
antigas técnicas de decantação me são passadas
depois de tantas vezes que eu não morri
durmo adulto sobre os bens adquiridos
mas faço, da matéria que não tenho:

um casco que sustenta
às minhas costas, quatro elefantes

nas suas trombas, continentes,
tudo o que você quer
mas também tudo

aquilo que ninguém nem imagina

existir

9.7.12

asilo

A senhora não pode deixar o país. Mas aqui não é bem-vinda. Faça o favor de entender. Dá-lhe um soco. O soco é o favor. Faça. Depois a arrasta obediente até a cela. As outras presas acolhem e no dia seguinte ela é sacudida, sufocada, posta em avião e extraditada até o exterior. Chega sem passaporte. A senhora não é de nenhuma terra. Então a prendem na cela do aeroporto. Se isto fosse a cordilheira. Se o mundo fosse casa. A Terra engole quem é dela. A senhora pode, por favor, se apresentar? Chega cansada. Sai na foto de peruca. Perdi meu filho, perdi meu cachorro, perdi a hora de voltar atrás. A senhora está testando a minha paciência. É que aqui, no estrangeiro, a gente nunca sabe direito a quem se dirigir. O meu era com leite! Desculpe. A senhora entende? Mas isto é melhor que o seu país. Eu não tenho país. (Estou tão cansada.)

8.7.12

tão

próximo do sonho burguês

como jamais estive antes

ainda não é o momento

de pedir desculpas para mim aos quinze anos

nem arrego

pro futuro dos meus cinquenta

sozinho

em casa trabalhando

encontro na gaveta

um tempo (sempre foi)

de estar atento

7.7.12

eu queria uma parede

da praia ergueu-se

os vegetais me abraçaram lastimosos

segundo desejo

eu queria um peixe

o céu nadou ao nosso encontro

a gente se afoga todo dia

bate o recorde no canal do panamá

une oceanos pelo comércio internacional

pirataria sem carinho

terceiro (e último) desejo

a boca morre no eu queria

todos esperam suspendidos

os queixos dos micos caídos

e os grilos desacreditados

deixam de esfregar o canto das pernas

"o que vai ser?" pergunta o silvio santos

o sonoplasta que tem dois filhos

que ele nunca vê e torce pro palmeiras

coloca uma música de suspense

boceja sem suspense

o sonoplasta é o meu pai morto há sete anos

"o que vai ser?" pergunta o silvio santos

"será que ele vai conseguir?" eu me pergunto

os colos dos meus amigos

secam ao sol e ao tempo

fossilizados meus amigos no eterno

serão incógnitas aos que escrevem sobre a morte

da nossa espécie a derrocada

da raça humana

"o tempo está acabando" diz o silvio santos

agora é a última hora

olha

cada dia é o último dia

cada minuto é o primeiro impulso

se você joga a bolinha no abismo

o cachorro pula do abismo

porque não tem noção espacial

e quer a bolinha

CINCO

meu bem

QUATRO

mãe

TRÊS

ninguém

DOIS

eu queria

UM

seu desejo

é uma ordem

4.7.12

saturno na soleira

a origem do universo

os planetas redondos

se chocam porque órbitas

foi assim que aconteceu

provavelmente antes de júpiter

após marte

o cinturão de asteroides

***

o globo ocular
não sabe nada do outro globo ocular
fecham-se abrem-se
os dois ao mesmo tempo

um não sabe nada do outro

***

se sabias que eu não era eu

se sabias que eu era arco

***

a clara me conta
que estamos num universo
paralelo por obra de ETs
que manipulam nossa vida na terra
por motivos que sequer suspeitamos

há gente que diz ser ouro
a ambição dos deuses ETs
que pra mineração nos criaram
raça de escravos revoltados
ou inúteis

me dou bem com o destino
de minerar para quem não sei
algo que não faço a menor ideia
enquanto seres mais desocupados
brincam de mudar-me, sem que eu saiba,
de terra

a clara disse que é só buscar
new zealand out of place no google
pra você ver o quanto de gente
há que evidencia movimentos
muito estranhos das ilhas
conhecidas

eu mesmo mal acredito
que tenho um corpo-matéria
envolto num musgo-abstrato
e que o dinheiro do aluguel
exista junto do amor inventado

de tanto tentar viver
tem gente que se mata

22.6.12

tem um dente nascendo na fossa

com amigos faria uma fossa dentada

quem caísse ia sofrer

a fúria da mastigação saudável

o dente está sozinho

darwin veio de navio pra ver o dente

o navio quase tropeçou

era o dente do titanic afundado

exceto que em águas tropicais e pouco navegadas

porque nada tinham de mais

encostado contra o céu

pena o bruxismo toda noite

desgaste até que quebradiço

as gaivotas sobrevoam

sem interesse

depois pisam no esmalte oco

fazem seus ninhos no dente

esta é a triste história de um dente

crescido longe da glória

longe do leme

até ficar velho e podre

e ser levado pelas ondas

mas para espanto de todos

tropeçando descobre:

era um dente de leite!

coração

o coração
por ser órgão oco e escuro
muito úmido
cria fungos

*

que são decompositores
transformam a vida
em avesso e origem dela mesma

11.6.12

a gente ficava vendo desta janela
adivinhava a rota dos aviões
que era sempre a mesma

hoje, agora há pouco, não se via nada
tanta a chuva que caía na paisagem

é uma janela sacana:
transforma são paulo em paisagem

nos últimos anos, com a piora do sistema de transporte,
ela serve também pra avisar
que a rua está congestionada

do outro lado, a janela também nos viu
postergar tudo de todos os modos
e sair andando, sem falar nas brigas
e ficou embaçada de amor
janela é tão clichê

(agora a chuva foi embora
e a vista é muito clara)

do terceiro andar,
jogar-se seria
uma burrice

nesse sentido, é uma janela cuidadosa

*

a janela não diz nada

9.6.12

precisava encontrar um ladrão

desses que subtrairiam a gente da gente mesmo

digo: feito caixa-d'água

a gente se enche, se enche, se enche de "eu"

eueueueueueueueuuuuuuuuuuu

desce pelo cano

estabiliza no eu necessário

mate a sede

tampouco é pra morrer de sede

ser firme feito um cacto

belo e intratável

mole feito o dentro das conchas

que nunca fossiliza, de tão jovem

mas a gente cria o eu que nem uma colônia de fungos

na aula de ciências, na tuppeware da gelatina sem sabor

o mundo inteiro é gelatina sem sabor

depois que o eu cresce nele

come tudo e deixa mal cheiro

quando tudo o que a gente quer é colo e respirar

é tudo o que a gente quer?

pensar cansa

trabalhar nem fale

meu berço é pressa

o planeto é um colo

8.6.12

aquece dizer

eles têm também
um ódio e territoriais
mostram os dentes, matam
por prazer, por delicadeza

perdi meu dia, me
enrolei no cobertor
que um dia foi da minha avó
morta porque ainda que ninguém te mate
você morre

mas o que eu estava pensando
era em macacos ternos sob a água
descobriram a piscina e ali ficaram
dando um banho de assento na desgraça



(em tempo:)

acaricia as costas
um do outro
nós no nosso tempo também fomos
o lago em que a vó morta se esquentou
era o nosso cobertor
nós que somos
pra sempre netos
de um primata ancestral
e temos frio
e vamos morrer
e enquanto não
nos aquece dizer:
você.

5.6.12

quem visita o seu blogue

páginas de diário aberto
descobri que meu blogue é muito acessado
por quem procura "tigres" no google

o caráter agregador da internet
vamos fazer um clube
de gente que busca tigres

proponho sairmos do google
são paulo e buenos aires também não têm
chapéu na cabeça e coração nas mãos
a gente vira a próxima esquina e espera encontrar

palavras-chaves meta tags sonhos em comum
grande alaranjado de listras pretas e macias
dentes navalhas unhas retráteis
quem quiser o tigre favor entre em contato

1.6.12

27.5.12

quando digo futuro

tenho visitado muitas
estações de trem anoto horários
de partida feito bedel
dos corações "ah este
parte em boa hora" depois
direi ao maquinista que o
aprovo "ah este
está todo equivocado"
diz que "equívoco" quer
dizer "voz partida"
na origem

na minha cidade tinha
trem que ia que nem
jegue (dizem) devagarinho
vai ver cada pessoa
tem as características do trem
em que nasceu

devagar mas certeiro
porque os trilhos não se equivocam

os trens são todos iguais
a menos que ocorra problema no freio
má administração decorrente descaso público
meu coração importe menos que a situação econômica do mundo
os trens são todos iguais
chegam
até não poder mais
mesmo vazio, um trem nunca desiste
mesmo após despedidas
e não se pode dizer do trem
"poderia ter ido para lá"
quando "para lá" é um lugar sem trilho
você não vê o trilho porque está boludeando
mas o trem sim sabe
e continua

à noite o maquinista
antes de guardar
a máquina no estacionamento
tem que percorrer os vagões
(não farei poema pra palavra vagão)
e mandar os bêbados e os cansados
sem coração e sem trem para o meio
da noite
cada um sai
cambaleando
e para no primeiro muro
que ladeia a estação
se encolhe, treme
(a noite é fria)
e espera nova passagem

pra quem fica
e nem entrou nesta história
o trem é uma viagem
que diz não

os grandes poetas da nossa geração

fazer disso
uma carreira
igual aquela de pó
em que o menino contraiu hiv
por compartilhar o canudo metálico
escreve lindos poema
dá valor à poesia
porque ah
a poesia
dá valor à língua ao verso
até à rima
tonto é eu
nem aí pra tudo isso
quebro a linha por vício
rimo por preguiça
mas não quero nem saber
de carreira verso língua
acho boba a poesia
viver
isso é que é difícil
a gente acorda e fala
e agora?
vai dormir e fala
meu deus E AGORA?
mas deus não existe desde os quinze anos
como profissão, sou revisor de texto
faço mapa astral
tudo isso muito mal
antes eu via passarinho
mas não dava dinheiro
e os passarinhos tudo voaram
tenho muita raiva de quem fez voar os passarinhos
achando que tinha muita coisa a dizer
agora fico escrevendo, sozinho
se eu pintasse, eu pintaria
sento no banco da praça e olho a árvore
desenho volta
volta, passarinho

*

mentira
não tem essa nostalgia
continuo com raiva, mas
que nem diz meu amigo
"não guardo um pingo de rancor
daquele filhodaputa"
paciência
passarinho voa porque tem asa
certo ele
se eu tivesse, também voava
por bom revisor de textos, no entanto, me dão dinheiro
com que compro caneta, pago a internet
e escrevo:
era uma vez...
eis aqui UM PASSARINHO!

26.5.12

a larva se guarda pra depois virar
também o planeta
acordou esta manhã e cansou-se de girar
os helicópteros informam o mormaço
fátima, há cinco horas que a hora não passa
o maquiador da fátima se benze nos bastidores
e a igrejas se enchem de gente apreensiva

em algum lugar no livro de juízes
o Senhor fala para josué "vou te ajudar"
e impede sol e lua se mexerem
ficam parados juntos no céu por vários dias

os ímpios tremerão

***

uma fina capa de prepúcio
cresce atmosfera em catarata
meus amores, eis aqui nosso crepúsculo
diante da desgraça, que mal tom tentar a rima!

seguiram-se meses de mesmice e sofreguidão
pedimos ao Senhor e aos senhores de todas as nações
a ciência também tenta solucionar esse abandono
e no entanto não se move

***

minha cabeça está assim
parada, esperando um meteoro
um cometa sem órbita que ponha tudo no lugar
enquanto isso bombas atômicas são testadas
no atol de biquíni pelas grandes potências
minha cabeça seus filhos pesar do continente
por eles mesmos rezam por tudo o kadish

que um deles se desprenda dos lamentos
e agradeça a gravidade, o atrito, invente música
dance que nem dervixe

***

casulo móvel