31.12.09

pudo el amor ser distinto



Celos
pudo el amor ser distinto
redes
trampa mortal en mi camino
y en un café , un café de ciudad
me contaste otra vez tu destino


Celos
celos en suelo argentino
fiebre
y mi ilusión que se deshizo
mientras te burlas de mí en tu canción
no me puedo librar del hechizo


Nubes
nubes de sal y de hastío
dudas
pago por ver lo que he perdido
la capital te atrapó, te embriagó
en el triste ritual del olvido.


Mmm
pudo el amor ser distinto
mmm
crudo final discepoliano
y en un café, un café de verdad
cayó el último acorde del piano

30.12.09

O coração é um obreiro
a tempo inteiro
abre e fecha sempre
as mesmas portas
ninguém lhe pergunta se quer

Ana Hatherly, Fibrilações
de 2005 até aqui

29.12.09

Gardel

Não se sabe onde nasceu: se na França. Com dois anos de idade nasceu em Buenos Aires. Sem pai. E morreu a ponto de partir, saindo do chão em Medellín, num acidente de avião.

28.12.09

galápagos game over

acompanha com os olhos / mil araras multicores / o menino escala / essa dúvida turva, dourada / em forma de ovo de arara / gigante feito o maior dos dinossauros / implanta o feto no mundo / deixa-o chocando uma ideia: enchentes, esquece: morrem 95% das espécies.

23.12.09

De tudo ao meu amor serei atento

.





Soneto de fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.



Soneto de separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.


.

20.12.09

defensa. ou: san telmo: alegria.

o casal florido é mais mal educado que todos os argentinos juntos. nós saímos, nos perdemos no caminho e voltamos separados. entao eu desci sozinho a calle de la defensa, onde uma infinidade de bolivianos faziam feder a rua, mas em compensaçao deixavam-na muito mais colorida e musical. entre flautas andinas e suvenires portenhos, quatro blocos de batuque punham todo mundo pra sambar, as francesas mexendo os ombros, as bolivianas mexendo os quadris, os homens atrapalhados nos pés. todos sorrindo.

sorrio também. isso aqui oô é um pouquinho do brasil, iaiá. essa gente que canta e é feliz. depois eu te conto. a grande história sentimental. agora o coraçao bate compassado / entre alafajores: tanto-faz, tanto-faz, tanto-faz.

san telmo

passei a noite percorrendo lojas de antiguidades / com cartazes de cinema e joias feias, pesadas / outras tao bonitas / que dá dó pensar / assim perdidas / ou entao até melhor / que tantas pérolas em mundo cheio / estejam gestando um encontro / cadentes, nascostas.

hoje sim é dia de feirinha: comerciantes enchem a plaza com desejos parados / no hotel de maricones, somos em dois austríacos, um mexicano, um norueguês que chegou ontem, um coreano, um brasileiro e eu estrangeiro, de camiseta da seleçao digitando enquanto um casal de velhotes em camisa florida e nacionalidade incerta tomam café na mesa ao lado.

pela sacada do prédio, na rua se vê lá longe a cúpula de alguma igreja grande e antiga. na parede da catedral alguém pichou iglesia basura vos sos la dictadura. con letra tán hermosa. a mesma que escreveu aqui no peito que nao vai dar mais, valeu, mi buenos aires querida, um beijo pra quem fica.

19.12.09

rio da prata

pomba é uma praga universal / no hotel de maricones, um lá me chama a palomita / há guindastes sobre a água / meu coraçao de ouro queda escondido nesta prata / guarda um tesouro que espantará os mosquitos / será quíron da calle de la defensa / tao cheia e assim desnuda / os mapas insistem em nao residir / trazem meninos porteños de feiçoes as mesmas / escrito em cada rua / de letra tán hermosa / incertidumbre, ganas de ganhar / o caminhozinho / talvez o mar

16.12.09

querido azul. aprendizado

Ainda que sendo tarde e em vão,
perguntarei por que motivo
tudo quanto eu quis de mais vivo
tinha por cima escrito: "Não".


E ondas seguidas de saudade,
sempre na tua direção,
caminharão, caminharão,
sem nenhuma finalidade.

Cecília Meireles



Ah, por que tocar em cordilheiras e oceanos!

Drummond



Tudo no mundo começou com um sim.

Lispector
mas eu prefiro o amor ao sistema imunológico

caderno de estudo

ou

vai ser um exercício muito grande, nessa vida

ser humilde

e ser bastante

15.12.09

lembrança

foi um tempo / a gente era selo

vinha uma greve e era aquele augúrio
ao contrário, uma coisa que não
acontecia

eu tinha tempo, na madrugada,
pra cheirar cada palavra
escrita em outra letra, na mesma
sintonia

nos envelopes
abertos do nosso corpo
o que eu escrevo virou pulga, pandemônio,

aeroporto

vuelvo al sur

a capital gay da américa latina / paris no hemisfério sul / tira um monte de fotos que eu vou querer ver / no hotel não entra mulher / que expectativas a gente coloca numa viagem? / o avião pode cair / ou ficar preso num panelaço da nueve de julio / só vai voltar depois que for


13.12.09

mostra a tua cara

o alexandre disse que o mst era um bando de vagabundos
e que ele pegaria em armas se fosse preciso
para defender a edícola do fundo da sua casa
de receber uma família de retirantes nordestinos
como imaginava que a reforma agrária seria
obrigados a ter porcos em casa como em cuba

a gente tinha dezesseis anos e ficava na rua conversando essas coisas
entre outras

mas depois que o lula ganhou a presidência
pode ser coincidência com eu ter feito uma faculdade de esquerda
a esperança não venceu o medo?

que meu pai tinha um quadro do che guevara na parede
e desenhava suásticas na mesa do restaurante
minha vó dizia que o lula era da foice e do martelo
cortar pescoços martelar cabeças
jorrava sangue inocente na bandeira vermelha
e votaria no collor
mas ela nunca teve título de eleitora

agora que todo mundo gosta do nosso presidente
(menos o meu tio, que tem jet ski e filial na bahia)
e a gente sente a prosperidade nas ruas
mesmo com as enchentes os ciclones a guerra do crime no rio de janeiro

eu penso na política externa do país
e fico emocionado com as possibilidades
de viver numa democracia protocomunista
em que a faxineira tem tv a cabo
e os dois filhos fazem faculdade

(a alegria é a prova dos nove)

ao mesmo tempo
que os meios de comunicação de massa do país
propriedades de oligarquias centenárias
seguem, uníssonos, numa desmoralização baixa e burra do atual governo
o que abala e muito o meu cinismo

*

vendo isso e isso.

*

e lembrei disso

minha redação foi a melhor do vestibular da unicamp e publicada no livrinho em 2003, fim

Alfredo II tropeçou em frente a uma biblioteca e, depois que ele começou a nos contar, descobrimos porque nunca nos deixaram ler Clarice Lispector no laboratório de Tadeu: denso e espiral, A2 caiu dentro de si numa angústia sem fim, cada vez mais hard. Entrou numas machadianas, Dostoievski, Manuel Bandeira e não deu outra: encontraram-no na piscina de seu apartamento com uma cópia do Tabacaria do Álvaro de Campos atravessada na garganta e a artéria ejaculando freneticamente o seu sangue fosforescente até a última gota.

inutile finestra




Visione del silenzio
Angolo vuoto
Pagina senza parole
Una lettera scritta
Sopra un viso

Di pietra e vapore
Amore
Inutile finestra



e esses dias sonhei
que tinham me escalpelado
e eu andava por aí sem a tampa da cabeça
era tratamento de alguma doença
e que aflição me dava saber o cérebro vivo molhado pra fora
podendo acontecer um acidente cair alguma coisa nele chuva poeira que fosse
imagina!

quando acordei fiquei sem me mexer
levei a mão ao cocoruto com medo que doesse

cabelo

*

The brain is by far the stupidest part of man's being, but it is base and bolde enough to present itself as a great pioneer, and lives lavishly on the praise procured for it by this false appearance. That a higher concentration of knowledge is to be found in the heart than in any other bodily organ, including the brain, is borne out by the fact that it constantly bleeds. Something like a hemorrhage would be required to catapult the brain to the heart's level.

(esse cara é full of bullshit. o corpo inteiro sangra. o sangue espraia)

12.12.09

jovens promessas

river phoenix afogado na piscina aos quatro anos / rimbaud de tuberculose antes dos quinze / virginia woolf adiantada aos vinte e três / ana c. de avião em 196? / joseph conrad comido por famintos / junto com seus manuscritos / na áfrica selvagem / luandino nas celas da prisão / encontrado sem romances / reinaldo arenas sem aurora / frank sinatra num aborto / caetano ano passado / mussum pirulitou-se / de cirrose antes dos doze

10.12.09

na lapela

não tem problema
fogo dos começos
a motoquinha do menino
remendada rua abaixo
tarzan easy rider no despenhadeiro

gostava da história
do pequeno e do gigante
foi meu vô quem quis mostrar
como se fazia uma funda:

pega uma tira de pano
nas pontas / deita pedra
no meio / roda roda
& atira pra matar na testa

vovô berrou
eu fugido na esquina
vi ele doendo
uma pedrada na canela

naquele dia não apanhei
mas entramos dentro em casa
que acabou a brincadeira
e eu ganhei a guerra

9.12.09

o irmão diz
muita vantagem
uma previdência & part-time job

mas a cidade de são paulo
se inunda
é só pensar as carteiras
de trabalho bóiam o
trem não passa
de caieiras, que é na periferia
ficamos todos submersos

ou então
morar nesse fim
de mundo mais
suscetível ao rastro
das estrelas do que
anda no asfalto

e crê que será preciso
enchentes quedas chacinas
na arca pro fim dos tempos
o meu trabalho de arauto

7.12.09

I'm the silence that's suddenly heard after the passing of a car

6.12.09

Que febril la mirada, errante en las sombras,
Te busca y te nombra.


4.12.09

entre nós e as palavras há hélices que andam

3.12.09

dezembro chega

um avião / pra nossa sorte / com escala em cada ponto / sossego incertidumbre / entre aqui e o sul do mundo

saturno, deus do tempo
entra manco no signo do amor

se coxo por que triste
se triste por que

as atrizes os cantores o lombardi / falidos morrem / de avião pra qualquer parte / as turbinas vão cair na cordilheira / fome de nádega nas dunas / de avião pra parte alguma

a primeira música que eu gostei


1.12.09

~~~*~~~

~~~

~~

~


CANÇÃO

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a côr que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto fôr preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Cecília Meireles, em Viagem (1939)

~~ ~

28.11.09

25.11.09

frátria

eu quero
o reino unido de saudades & algarves
pangear a cabeça
vamos fundir portugal?

notícias de itaipu: final

Acabou a história dos meninos. Será que eles conseguiram salvar a eles mesmos... e ao Brasil? Você pode ler o final dessa história horripilante em





FIM

23.11.09

não há ninguém por perto

notícias de itaipu

Ambos estavam fracos demais para andar. O menino choramingava dia e noite, chamava pela mãe, às vezes delirava e pedia, em estado de transe, para que o pai não lhe batesse.

"Eu não quero morrer!..."

O chefe, exausto, olhava o corpo fraco do seu colega de classe, fedia. "Viado", pensou. Com alguma dificuldade, sentou-se na cadeira que agora ficava de frente para a janela do sótão. Alguns zumbis pareciam não ter mais do que ossos sujos de tecido podre. Até quando continuariam andando? Era possível, sim, que aquele pesadelo estivesse próximo do final. Que após quatro meses de perambulação macabra os ossos todos tombassem ao chão como na implosão de uma cidade. Como se o cruel mentor daqueles seres, tendo atingido seu objetivo, desligasse-os da tomada. Sim, era possível, ele só precisava aguardar, esperar mais um pouco, aguentar.

No entanto, seu corpo mostrava sinais de extrema fadiga. Às vezes ele tremia involuntariamente, temia perder o controle. Estavam há dois dias sem comer.

O menino fungou mais uma vez, encolhido num canto. "Não... não... pai...". Tão silencioso quanto pôde, o chefe desceu da cadeira. E obstinado rastejou até o menino.

21.11.09

notícias de itaipu

Pouco a pouco, os zumbis voltavam ao movimento normal. Havia ainda muitos nos arredores da casa, mais do que seria possível contar. E volta e meia algum arranhava novamente seus dedos semidecompostos nas portas e paredes, como se tivesse lembrado, de repente, que não, não conseguiram entrar na casa. E lá dentro talvez houvesse.

"Eles desistem rápido", o chefe disse. Três meses. Três meses. O chefe percebeu o olhar do outro menino, que no entanto não se atrevia a dizer. "Porque eles podiam estar querendo entrar ainda" argumentou então, de modo que o menino entendesse que não estava se justificando, mas apenas concluindo um raciocínio.

"Será que eles sabem que a gente está aqui?" - o menino pensou.

"Eles não sabem de nada! São bichos." - o chefe respondeu.

Deitado, o menino olhou para o céu pela janela. Moscas. Em número até maior do que o de zumbis. Varejeiras se multiplicando pelo céu da cidade.

20.11.09

notícias de itaipu

VÃO SE FODEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEERRR SEUS FILHOS DA PUUUUUTAAAAAAAAAAAAAA

"Cê tá maluco, cara?!"

VÃO PRA PUTAQUEOPARIU
VÃO TOMAR NO CUUUUUUU
SEUS VIAAAAAAAAAAAAAADOS

"Para! Para de gritar!"

Os dois meninos agarraram o de óculos, que continuava gritando e agora se debatia com uma força / que acabara de despertar / numa noite escura e barulhenta. "Shhhhhhhhhhh". Mas já era tarde. Não só os zumbis que estavam próximos à casa - agora outros chegavam, do condomínio inteiro, talvez de toda a cidade. A passos lentos e certeiros, esquálidos, eles cercavam a casa com suas gargantas selvagens e famintas: cem, duzentos. E vinham outros.

"Caralho, mano! Caralho! Olha o que você fez, véio! Seu filhodaputa, seu corno." O menino andava de um lado para o outro, olhando hora pela janela do sótão, hora para o de óculos, franzino, que ofegava de olhos arregalados, ódio, seguro entre os braços do chefe. Sentindo que ele não mais fazia força tentando escapar, o chefe solta-o e se dirige à janela, onde avista o Inferno.

"Caralho, mano! Putaqueopariu! E agora, cara?!"

O chefe fechou os olhos para pensar. Os zumbis teriam força para arrombar as portas, derrubar as paredes, subir as escadas e devorá-los? Enquanto pensava nisso, uma lufada de ar lhe atingiu o rosto e seu corpo gelou ao ouvir a voz do outro menino gritando fraca, fina e rouca

"Goiaba!"

Goiaba era o apelido do de óculos. Seu nome era Mateus. Ele tinha doze anos e era o dono da casa. Foi ele que, numa tarde de terça-feira, chamou os amigos da escola para jogar o videogame que tinha ganhado de aniversário uma semana antes. E agora Goiaba estava caído no jardim de sua casa, provavelmente com as pernas quebradas, urrando de dor ao sentir os dentes ferinos dos mortos rasgando-lhe a pele, mastigando seus olhos, espalhando seus intestinos pelos ossos expostos dos malditos.

No sótão, os dois meninos recuavam passo a passo. Nenhum deles sentia o chão sob os pés. É como se estivessem no azul de ar do céu, suspensos por anjos, e seus pés se agitassem na liberdade do voo. Até encostarem na parede, agacharem-se no canto e, simultaneamente chorando e não chorando, abraçarem a desgraça, a desgraça, a desgraça.

19.11.09

notícias de itaipu

"Se a gente tivesse uma arma. É só atirar na cabeça do zumbi que ele morre."

O menino escutava o chefe em silêncio. Que mais poderia fazer? Os outros estavam dormindo, tinha acabado de comer carne humana. Carne humana! Chorar não adiantava. O chefe continuou falando:

"A gente pegava um rifle e PÁÁ!! na cabeça do filhadaputa. Explode o cérebro dele! Sem cérebro ele morre, já era."

Se o menino pudesse escolher / agora ele ia deixar o outro falando sozinho, descia as escadas e ligava a televisão em algum canal besta e barulhento. O outro ia querer encher o saco dele e ele ia falar "Shhhhh, tou vendo tevê". Sentiu vontade de testar o interruptor de novo, mais uma vez, só pra ter certeza, quem sabe se. "Sem cérebro ele morre"...

"Mas eles já não estão mortos?"

O chefe acordou do seu sorriso e gaguejou:

"É, não, eles estão mortosvivos, seu imbecil. Sem cérebro eles moooorrem de vez!"

"E como é que você sabe?"

O chefe se acomoda e enche o peito de triunfo: é o que acontece em todos os filmes de zumbi.

Uma voz corta o sussurro dos dois.

"E isso tem cara de filme pra você?!"

Os dois meninos se assustaram, suas costas pressionadas contra a parede. Na penumbra, as lentes do óculos do outro reluziam na direção deles. O de óculos saiu, então, da posição de ataque e voltou a sentar-se com a cabeça nos joelhos, abraçando as canelas com os bracinhos finos. Como se dormisse. O chefe ficou quieto, não disse mais nada até a manhã seguinte. O outro menino, olhando os contornos no escuro, nem percebeu o silêncio.

18.11.09

notícias de itaipu

A bateria do último celular estava quase acabando. "Desliga ele, porra!", "Por quê?", "Pra preservar a bateria!", "Pra quê?". O menino gaguejou, nervoso, antes de responder. "Vai que a gente precisa dele mais pra frente".

"Se essa bosta se espalhou mesmo no país inteiro, pra quem é que a gente vai ligar?"

A internet não estava funcionando.

"Não é possível! Vai vir alguém. Dos Estados Unidos! Alguém vai fazer alguma coisa! Não é possível!"

Soluçando, o menino se encolheu num canto. "Não é possível", ele dizia. O gordinho, dono do celular, olhou em volta. Todos começaram a chorar. Não era possível que aquilo estivesse acontecendo. Mas a cada toque no interruptor de luz, a cada tentativa de contato com alguém fora daquele sótão, a cada descida em busca de alimento o impossível se confirmava. O gordinho, então, foi até a janela. Os mortosvivos vagavam pelos quintais, se arrastavam sem sossego, sem descanso, sem direção, sem. Sem pressa. Só podia ser brincadeira. De repente o gordinho viu todos os zumbis se voltarem para a janela onde ele estava, tirarem as máscaras e morrerem de rir com os seis moleques. Os meninos, atrás dele, não paravam de chorar. Outra vez ele tentou ligar para o celular da mãe. O número que você está chamando está desligado ou fora de serviço. Por favor...

notícias de itaipu

O terceiro menino morreu, então, menos por uma conspiração entre os outros do que pelo acaso. Tinham decidido, sim, matá-lo, mas numa briga - as brigas estavam ficando mais frequentes - o de óculos, com ódio, bateu na sua cabeça com o taco de beisebol. Por um instante o silêncio no sótão foi abafado pelos urros dos zumbis, cuja fome animal se manifestava cada vez que sentiam, instintivamente, que não estavam sozinhos. Então o menino de óculos disse

"Vão pegar o balde."

O balde era usado para guardar o sangue do menino morto, que depois seria bebido com nojo resignado pelos outros. Os dois meninos se entreolharam: o de óculos começou a afiar a faca.

"O gás tá acabando."

Eles começaram a comer a carne mal passada sem dizer uma palavra. Mas, no silêncio das mordidas, cada um começava a admitir que não valia a pena. Matar aqueles que eram seus amigos, beber o sangue deles, esperar. Não fazer barulho, não sair do sótão, esperar. Sucrilhos, piscina, videogame, escola, família, lembravam daquilo tudo vagamente, fora do corpo, como se se tratasse de uma outra encarnação.

E o de óculos quebrou longe o prato de louça, abriu a janela do sótão e, com uma voz que sua mãe nem seu pai nem ninguém imaginaria tão forte e tão alta, gritou

VÃO SE FODEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEERRR SEUS FILHOS DA PUUUUUTAAAAAAAAAAAAAAA

crianças

17.11.09

notícias de itaipu

Algum alimento contaminado. O aquecimento global. Conspiração. Deus.

O chefe dos meninos fez a mesma estratégia: chegou para cada um, disse os outros estão querendo te comer, esperou o medo. Mas ele era cada vez menos chefe, os outros não tinham esperança o bastante para obedecer.

16.11.09

lugar nenhum rápido

notícias de itaipu

Eu acho que isso já estava acontecendo antes.

"Quê?!"

Eu acho que isso já estava acontecendo antes. Pensa bem: foi muito rápido. Aquele cara do blogue escreveu que as fronteiras já estavam fechadas. Isso tipo três horas depois do apagão. Três horas! E que já tinha zumbi no Pará, no Amazonas, no país inteiro.

(O de óculos fez uma pausa. Nele só se notava o movimento do peito, respirando. Os olhos abertos fixos no chão. Os outros meninos em silêncio)

Eles andam mor devagar, quase se arrastando. Não dá pra chegar tão rápido assim no Pará.

"Mas desde quando, então?! E por onde eles chegaram?"

Com fome, pensar ficava mais difícil. A carne do gordinho estava quase no final. Os quatro se entreolham com medo, com raiva, intrigados. Mas desde quando, então?

15.11.09

notícias de itaipu

um deles encontra um blogue de notícias mais atualizado e lê.

11/11/2009, 2h15
Paraguai fecha as fronteiras
O Paraguai fechou as fronteiras. Acabou de informar o Diário Popular, de Asunción. Os exércitos da Argentina e do Uruguai também estão vigiando a fronteira com o Brasil.

11/11/2009, 1h33
Epidemia se espalha pelo Norte
Acabo de receber notícias do Pará e do Amazonas. Essa porra tá se espalhando rápido

"deixa um recado pra ele! fala que a gente tá aqui!"

notícias de itaipu

na noite de dez de novembro de doismilenove, houve um blecaute no brasil. seis meninos correram para o sótão se esconder quando viram, na rua, os pais chegando. sem carro, sem alarde. e sujos de sangue.

a vizinha foi recebê-los preocupada e teve as tripas expostas, mordidas. da janela do sótão os meninos viam os vizinhos se mastigando e se erguendo, caminhando calmos pela rua, sem rumo. nenhum deles voltava a entrar em casa, a não ser que a porta estivesse aberta. quando ouviam um barulho, eles se olhavam. "a porta está fechada?". o de óculos, de quem era a casa, não tirava os olhos da rua. "a-a-acho, acho que sim". "a gente precisa conferir!"

mas quem iria? todos olhavam pro de óculos quando o celular de um deles tocou. "atende essa porra!". os zumbis lá embaixo se agitaram que nem peixe quando a luz acende. "mãe?". os meninos, em silêncio, alternam a direção dos olhos entre a rua e o amigo, que começa a chorar. "mãe, a gente tá escondido no sótão. mãe, eu tô com medo. mãe, vem me buscar. mãe. mãe? mãe!". um outro se joga sobre o menino, agarra-o com uma chave de perna e lhe tapa a boca com a mão. "shhhhhhh". lá embaixo, a cada barulho diferente é como se uma luz se acendesse: os zumbis abrem os olhos procurando reconhecer, mas logo a luz se apaga. pros meninos é que ela nunca acende. no escuro eles se encolhem, juntos, e baixinho ligam para todos os números guardados na memória dos celulares. logo vão acabar as baterias.

notícias de itaipu

o chefe deles (esse grupo de sobreviventes tem um chefe, de doze anos e muito talento / só não mete mais medo que os zumbis / mas promete tanto estrago quanto) o chefe decidiu: a carne do menino está acabando / faz tempo não tem mais enlatados, embutidos, chocolates / é preciso matar para não morrer.

ele chega em cada um, elege-o braço direito e diz: os outros estão querendo te matar pra te comer. (o menino ensaia um choro, uma raiva, o chefe segura). fica na miúda, mas fica esperto. e numa noite se mancomuna e corta, com os garotos, a goela do mais gordinho, que estava dormindo. não faz isso por prazer, mas por necessidade: o gordinho rende mais. dessa vez abrem-lhe a cabeça e salgam os testículos. cada um tem direito a uma ração mínima por dia, não mais.

depois da janta, o de óculos se senta à janela e observa. o movimento dos mortos é o mesmo de manhã e à noite, não muda. um ou outro migra, um ou outro chega. no geral, o grupo é o mesmo. mas eles parecem mais magros, as roupas estão gastas, a carne afunda. o cheiro de carniça é forte. e há uma nuvem de varejeiras sobrevoando o condomínio. o pai dele está lá embaixo, andando, indiferente.

notícias de itaipu

os meninos no sótão faz um mês / de susto, inanição, o primeiro morre / todos os outros ficam atentos, esperando a transformação. mas nada acontece.

lá na rua, os zumbis é como se vivessem de reprise. um menino dá a ideia: e se a gente jogasse o corpo longe, longe, os zumbis correm atrás a gente corre deles foge escapa. os outros quietos pensam até que um diz "pra onde?". os meninos começam a chorar.

a próxima sugestão logicamente você já imagina. porque viram num filme, comem primeiro a bundinha do garoto. tostada na chapa do fogareiro. enrolam o resto em sal grosso, fatias, pedaços. "a cabeça não!". todos concordam. "nem o pinto e o saco!". atiram os miúdos para a rua, esperando algum alvoroço. os zumbis param, depois voltam a andar sem susto. "vai ver eles só comem gente viva".

14.11.09

maltês salvo churrasco

1.

as crianças jogando bola no campinho / turma toda na piscina / o churrasqueiro é que, entregando a linguiça, morde a orelha da tia-avó

ninguém enxerga a tia-avó


2.

o campinho vazio. mas os zumbis não comem cachorrinhos. então o cachorrinho anda de um lado pro outro entre os mortosvivos, quer brincar. ninguém lhe joga a bola.

ele pula na pia e come a carne crua

notícias de itaipu

depois
da invasão dos zumbis


um grupo de guris / presos no esconderijo, casa seca / aguardam notícias de itaipu?

entram numa espécie de sótão, com mínimos barulhos pra observar, lá embaixo, os corpos se trombando uns nos outros, uma fome sem desejo / estraçalham os vivos que chegam, incautos, em busca de abrigo

os meninos descem de dois em dois, quando preciso, pegam latas de ervilha e de milho, no dia em que um deles derruba um garfo lá embaixo / os zumbis percebem queda e movimento, mas não olham para cima

os guris não sabem disso, no entanto. porque se esconderam no fundo do escuro e esperaram até o fim da surpresa

11.11.09

e ontem




na hora que apagou tudo


eu juro que fiquei esperando
a horda mortovivo

depois lembrei que tinha bateria restinho no mp3

primeiro achei a cbn
"agora vamos falar com nosso repórter na paulista"
"aqui na av paulisthhhsthdshjnkw4jh534#$TWAS$"
"parece que perdemos contato com o repórter da av paulista"

O.O

aí começaram a transmitir o jornal de economia

achei suspeito!

o.O

mudei o dial deu na bandeirantes
"aqui no restaurante do bixiga os cliente esperam a luz voltar pra pagarem a conta"

:/

só os mortovivos de sempre

:(

e a andrea, de belo horizonte, responde:

aqui não teve nada - todo mundo fingindo de vivo
 
... ainda não foi desta vez.

café da manhã das estrelas

e ontem teve um blecaute no brasil inteiro / vai ver queriam economizar luz / a casa tomada por formigas / vêm da vizinha descem tomam o vasinho de flores / o que farão não se sabe

certas formigas africanas
são capazes de comer um boi em minutos

a gente não pode tacar detefon no boi / melhor tirar as formigas / sobra carne pra gente

10.11.09

que conhece o que é verdade

comecei a escrever contos com o caio fernando abreu / de ler e pensar "isso eu sei fazer!" / bastante surpreso

e um tempo eram as narrativas escolares. sempre tinha que ter um acontecimento trágico. de achar que literatura é a história das dores.

depois fui fazer faculdade de letras e aí você começa a ler teoria literária, as dissecações, borges parece o maior escritor do planeta, tudo é discurso.

a júlia me convidou pros 12 exemplares e eu descobri que é o amor que move o sol e as outras estrelas. agora tou nessa.



9.11.09

*

toda geração tem que
num pequeno espaço de tempo
arrodeada por uma relativa obscuridade
compreender seu tempo pra fazer a antítese dela

*

8.11.09

7.11.09

De modo que Cervantes manquejava;
Beethoven era surdo; Villon, ladrão;
Góngora de tão louco em andas caminhava.
E Proust? À partida, maricão.


Negreiro, sim, foi Dom Nicolás Tanco,
e Virginia acabou de uma imersão,
Lautréamont morreu enregelado num banco.
Ai de mim, também Shakespeare era maricão.


Também Leonardo e Federico García,
Whitman, Miguel Ângelo e Petrónio,
Gide, Genet e Visconti, as fatais.


Esta é, senhores, a breve biografia
(porra, esqueci-me de mencionar Santo António!)
daqueles que são da arte sólidos pontais.


Reinaldo Arenas, in Poesia Cubana Contemporânra, org. Pedro Marqués de Armas, trad. Jorge Melícias, Antígona, Março de 2009, p. 61. via
até 800 d.C.
cidades maias enormes no que hoje é a guatemala
centenas de milhares de habitantes
que de repente abandonaram todas as terras
e se espalharam no meio das florestas

integração gratuita

ontem
atraso em todo o sistema de metrô

uma bunitah
se atirou na frente do trem na sé

"dantesco"
o fabinho disse, quando chegou lá

6.11.09

bom dia :)





4.11.09

elza soares

capim da primavera

Eu celebro a mim mesmo e canto a mim mesmo
E o que eu assumo você assuma
Pois todo átomo é meu como é teu beleza pura.

Eu vagueio e convido minha alma,
Eu curvo e vagueio à vontade e vejo a haste do capim da primavera.

Minha língua, todo átomo do meu sangue, formado deste chão deste ar
Nascido aqui de pais nascidos aqui de pais também, e seus pais também,
Eu, agora trinta e sete anos de perfeita saúde começo
E espero não parar até a morte.

Credos e escolas suspensos
Retiro-me um tempo satisfeito com o que são, mas nunca esquecido,
Eu pôrto pro mau ou bom, eu deixo falar a todo o risco,
Natureza sem parada com origem – energia.

*

I celebrate myself, and sing myself,
And what I assume you shall assume,
For every atom belonging to me as good belongs to you.


I loaf and invite my soul,
I lean and loaf at my ease observing a spear of summer grass.


My tongue, every atom of my blood, form’d from this soil, this air,
Born here of parents born here from parents the same, and their parents the same,
I, now thirty-seven years old in perfect health begin,
Hoping to cease not till death.


Creeds and schools in abeyance,
Retiring back a while sufficed at what they are, but never forgotten,
I harbor for good or bad, I permit to speak at every hazard,
Nature without check with original energy.


(Walt Whitman, primeira parte do poema Canção a mim mesmo)

will they ever, believe us?

o cãozinho aí de baixo devia ser modelo pra esse outro
que há dias não para de uivar, estraga as manhãs
acorda o bairro todo, à manha deem-lhe o whitman
e se quiser cantar o morrissey, comece depois das oito


3.11.09

mais vale um cachorro vivo


métodos humanitários de abate

Quereria, até, se matar. Porque o nariz caíra, o olho furara, quem suporta tanto assim um câncer necrose da vida fim da superfície do corpo. Lá dentro o poço do peito / no escuro, insondável, pouco importa o coração. Só que a filha vinha e amor no rádio, Jesus à toda altura pra que a mamãe não se sinta tão sozinha: dá-lhe banho, limpa escaras, miojo com salsicha amassados de vez em quando um legume fresco, algo mais caro, morrer um troço ingrato. A velha, travada de reumatismo, é levada em colo até o chuveiro. Motivos pelos quais vivemos. Sobre as coxas da filha, enquanto tudo dói, molhada e morna ela ouve o louvor longe e nem percebe / que não canta junto. Desafinada, é dela a voz da filha. E eu gosto tanto de cantar.

2.11.09

transpassional

A perfeição é o pit-stop de quem só foi até a metade.
Eu derreti minha prata pra você.

Pertencer é invisível: isso pode ser visto à distância apropriada.
Eu queimei minhas cortinas azuis

e me acabei num complicado crochê de arame farpado, pra rasgar
janelas pras abelhas em teias.

Estou vivendo sozinha numa espécie de cubo à luz de velas, a caixa
elétrica explode o fusivelzinho

mas eu tenho miojo e vinho e uma voz bonita pra cantar. Se você
voltasse eu podia te fazer

um colar. Planetas pequenos chegam junto de quando em quando,
em fatias; os grandes, nada nada

me sinto eu abandonada. Pertencer é invisível: eu, por outro lado,
estou só me protegendo.

*

Transpassional

Perfection is the campsite for those who have stopped halfway.
I've melted my silver for you.

Belonging is invisible: this can be seen at the proper distance.
I've burned my blue curtains

and spent myself on an intricate openswork of razor wire, to cut
skylights for the honeybees in webs.

I'm living alone in a kind of cube which is barely electric, the hot
plate blows the tiny fuse

but I have noodles and wine and a nice singing voice. If you
came back I could make you

a necklace. The small planets drop by every few months, slivered;
the big ones never and never

do I feel abandoned. Belonging is invisible: I, on the other hand,
am merely shielding.


(Poema de Brenda Shaughnessy, no livro Interior with sudden joy,
presente da Sys)

30.10.09

poética

Gosto muito mais
De olhar as estrelas
Que de assinar uma sentença de morte.
Gosto muito mais
De escutar a voz das flores
Que murmuram: 'é ele!',
Quando passo pelo jardim,
Que ver as armas
Que mataram aqueles
Que me querem matar.
É por isso que eu nunca,
Nunca,
Serei governo!

Khlebnikov

29.10.09

poética

vou fundar uma igreja
do sagrado coração de todo mundo!

28.10.09

na neve & voa

o menino ia morder o tempo / que nem mastiga miojo / quebra o aparelho, toca voltar pra ortodentia / quinze anos depois tem esse sorriso lindo, olhos castanhos, cáries / é o terror das menininhas / sem sair de casa / o tempo é que mastiga / eu não sinto nada / uma pilha de papeis / no natal minha mãe ganhou um 386 / do meu pai / windows 3.11 / pasta chamava diretório / eu escrevia e arquivava / depois jogava o jogo

um esquiador
descendo as montanhas

o intuito é não bater
em árvore poste sinal de sinalização
outras pessoas barrancos bebês

supostamente,
se não batia,
ficava no esqui pra sempre

ou talvez eu nunca tenha sido bom com jogos eletrônicos
de repente veloz sempre vinha um monstro

me comia
e pulava de alegria

luxúria pra vida

o arau-gigante

desde o século quinto
os navegantes, na falta
de alimento, comiam o arau-gigante

que era uma espécie de pinguim do atlântico norte
gostava muito da islândia

quando, no século dezenove, o pássaro
começou a desaparecer, as pessoas
da época passaram a preservá-lo
mesmo que só morto

hoje existem 75 ovos de arau-gigante
guardados em museus
expostos

27.10.09

sabe porque tá apanhando

lázaro

para cada coisa a ciência tem um nome
inclusive para o caso do rato-da-pedra-laociano

antes de 2005 só existia em estado fóssil
e agora está lá: respira, come,
sente calor e frio

ninguém sabe como apareceu

a esse acontecimento, raro particularmente em mamíferos,
a ciência dá o nome de lázaro
em alusão ao amigo de jesus cristo

fui pra rua e

um caminhão de cimento
despejando sacos
nos vizinhos
que nunca deixam de reformar a casa
a alegria de uma vida é reformar a sua casa
quebrar paredes montar cômodos
um lavabo novo a cada esquina
vovó acha que querem matá-la
pra comprar a nossa casa e seguir reformando
comprarão o bairro e farão mais lavabos
até que toda a cidade esteja azulezada
com lindas salas e mesas de jantar
um perigo para a vizinhança
esse caminhão de cimento descarrega
tanta ganância

26.10.09

ofício aflige

é o futuro de uma delicadeza / sentado ao computador durante horas / no editor de texto uma promessa de título / o uso da crase /

necessário encontrar um texto que preencha as minhas investidas didáticas. nisso, a estante inteira passa das prateleiras ao chão. e a clarice assopra Para escrever, porém, tenho que prescindir. mas pra dar aula tudo é necessário, precisa de uma atenção contundente e propositiva.

retalhar os textos para que eles fiquem palatáveis. porque a literatura é a fina flor da língua, desde que não avance a margem. bom seria se a gente pudesse aprender de papo pro ar / forrar todas as escolas de areia / arrancar as paredes os telhados / fazer canteiros de flores dos entulhos / e os chãos de areia transferi-los ao litoral / estender as redes / e ficar olhando o mar, o céu, caymmi tocando violão

faca amolada

3 Se, todavia, estando vestidos, não formos achados nus.
4 Porque também nós, os que estamos {neste} tabernáculo, gememos carregados: não porque queremos ser despidos, mas revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida.
5 Ora, quem para isto mesmo nos preparou {foi} Deus, o qual nos deu também o penhor do Espírito.
6 Pelo que {estamos} sempre de bom ânimo, sabendo que, enquanto estamos no corpo, vivemos ausentes do Senhor.
7 (Porque andamos por fé, {e} não por vista.)
8 Mas temos confiança e desejamos antes deixar este corpo, para habitar com o Senhor.
9 Pelo que muito desejamos também ser-lhe agradáveis, quer presentes, quer ausentes.
10 Porque todos devemos comparecer ante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o que {tiver feito} por meio do corpo, ou bem, ou mal.
11 Assim que, sabendo o temor que {se deve} ao Senhor, persuadimos os homens {à fé}, mas somos manifestos a Deus; e espero que nas vossas consciências sejamos também manifestos.


Mas esse próximo versículo eu não entendo:


13 Porque, se enlouquecemos, {é} para Deus, e, se conservamos o juízo, {é} para vós.

esqueci

hoje


there are some mornings
when the sky looks like a road
there are some dragons who
were built to have and hold

(Joanna Newson)

Acalma teu brio de fugir, mulher
havia algo com que me deparar
vinha desde a noite do nome que dei
a algo que sabia tão bem pequena
e que até ontem não sabia que sabia bem assim
alguma coisa com nome de amor
uma luz que às vezes ilumina minhas mãos
e há nitidez nas ranhuras das digitais
e sinto uma ternura imensa
pelo passado pelo futuro
tantas vezes é de noite
e me acompanha pensar
na morte como uma insônia
madrugada passada acordei berrando porque
pedia pesadelo pra amiga grita

grita pra nos salvar

ela não gritou
ao que eu gritei
levantei a cabeça
olhei as montanhas das minhas clarezas antes de dormir
e escrevi logo ao acordar:
esqueci
e fiquei olhando as montanhas e as estrelas pra ver se
elas se mexiam.

princípio

por glaciação
ou por reduzirem-se os níveis de oxigênio do oceano
há todo o tempo atrás
morreram todas
como em sodoma
as espécies do período cambriano

que eram
moluscos, vermes marinhos, esponjas

dizer "morreram todas" é modo figurado:
trilobitas e escorpiões aquáticos
desapareceram só no permiamo-triássico
237 milhões de anos depois
quando um vulcão, talvez, na sibéria
ou a junção, quem sabe, de pangeia
eliminou 95% das espécies que existiam
no planeta terra

quirguistão

25.10.09

seleção


restam
setenta e oito ararinhas-azuis no mundo
sendo que cinquenta estão no qatar
outras em berlim
nas ilhas canárias
8 em são paulo

o bichinho nordestino / de um azul tão bonito / é pego pelas plumas

quando casa
se enviúva
ela nunca mais casa de novo

e não se reproduz em cativeiro.

pra quê tanto pudor
um bicho quase extinto
se fossem minhas tias
eu diria das ararinhas-azuis muito teimosas e emotivas

além disso, elas só fazem seus ninhos em ocos de árvores altas e antigas
que estão sendo derrubadas na caatinga

como pode
quem não tem casa
ser assim irredutível
na escolha da morada?

pombo passageiro

estima-se que tenha sido a ave mais abundante do planeta
seu número chegando ao tanto de gente que existe hoje
cinco, seis bilhões
em voo

e viviam só na américa do norte

em enormes bandos
que tinham no céu o tamanho
do texas

e como punham apenas
um ovo
por vez
(a morte estilinga primeiro
a espécie mais delicada)
extinguiram-se tão logo foram mortas
sem deixar ovos
o último bando em 1896
250 mil pombos
num só dia de caçada


sabe essses dias em que horas dizem nada?

24.10.09

dia de sábado

não adianta que o mormaço / não passa pelas brasas / a avó diz não ter nada na tevê / diferente da programação dos dias úteis / e o silvio santos no domingo / sábado de sol aluguei um caminhão / se não agarra o volante do cochilo / destrambelha no barranco só dormindo

o final de semana / que seria de trabalhos manuais / esquece as ferramentas / não sabe onde as pôs / esquece que as procura / depois lembra assustado / volta a procurar volta a esquecer

criança eu entediava mesmo era o domingo

Apaga-te.
O rio não está diante de ti
Como imaginas.
Há apenas o fosso
E a mesa inundada de papéis:
Conjeturas lassas
Sobre a aspereza das palavras.

O rio não está diante de ti.
Está além. Viaja.

(do livro Estar sendo. Ter sido, de Hilda Hilst)

21.10.09

no que resta de um / remix

o menino de chinelas e sunga molhada pela rua de terra
desde que voltei à cidade natal começo muitas coisas com "o menino"
e tem me dado uns calores de arrancar as roupas e balançar as banhas na janela, pavor das vizinhas
agarro a infância que me resta e giro a criança no ar
ela abre os braços se ensina avião e me põe pra voar
peladão eu sento na cadeira escrevo tudas minhas memórias
que o menino de sunga molhada embaixo do xortes pra não ter de banhar-se em público
naquele tempo as banhas pavor do menino
agora precisa ver como ele anda safado
voltou nadar e peida debaixo d'água que é pra fazer bolhinha
se alguém olha torto ele desata na risada
abre as asas e vira avião debaixo d'água
a tag deste post poderia ser tiêta
regressar é reunir dois lados
a terra gruda nas canelas vira barro
que escorre no que resta de um menino molhado

20.10.09

no que resta de um

o menino de chinelas e sunga molhada pela rua de terra / desde que voltei à cidade natal começo muitas coisas com "o menino" / e tem me dado uns calores de arrancar as roupas e balançar as banhas na janela, pavor das vizinhas / agarro a infância que me resta e giro a criança no ar / ela abre os braços se ensina avião e me põe pra voar / peladão eu sento na cadeira escrevo tudas minhas memórias / que o menino de sunga molhada embaixo do xortes pra não ter de banhar-se em público / naquele tempo as banhas pavor do menino / agora precisa ver como ele anda safado / voltou nadar e peida debaixo d'água que é pra fazer bolhinha / se alguém olha torto ele desata na risada / abre as asas e vira avião debaixo d'água / a tag deste post poderia ser tiêta / regressar é reunir dois lados / a terra gruda nas canelas vira barro / que escorre no que resta de um menino molhado

19.10.09

o destino de um blog, oh deus o destino de um blog

lembro que quando apareceu essa história de blog eu fui logo fazer o meu no weblogger, acho que o único provedor em português de então.

depois de umas duas tentativas de login é que deve ter nascido o unhas roídas, a vitrine do meu suicídio adolescente, e que hoje já não aparece nos resultados do google agradecido sou às traças da web.

a ideia inicial do blog era ser um diário íntimo e pessoal pra toda a galera comentar. o unhas roídas era mais ou menos isso e nele eu tive muitos fãs e quanto mais comentários maior a alegria e a responsabilidade de ir aos blogues dos outros comentar também. muito chato.

matei aquele. fiquei um ano escrevendo ficção no sete linhas, estou há um ano e quatro meses escrevendo crítica literária no quase resenha, acabei de começar a escrever cartinhas com a júlia e coloco em outro blogue as minhas notas de estudo de astrologia.

acho blogue de uma funcionalidade linda. pra organizar o texto.

mas estou com este atlas atrás na mão, com todas as possibilidades e nenhuma direção. menor ideia.

este post, por exemplo, é de diário íntimo. muito chato.

em que medida o blogue é um gênero textual?

18.10.09

viajamos lá fora

eu sou rapaz interiorano / quebrado na capital. E agora voltei pro interior com quanta ênfase!

Primeiro dia do horário de verão, lua nova. O centro da cidade escurecido é só atos ilícitos. "O centro da cidade" é a praça da igreja matriz.

Os ilícitos se cruzam - é pelo olhar que você identifica quem quer fazer a mesma coisa errada que você e quem quer fazer outra, de outro tipo. Mas é lógico que todxs são possíveis delatorxs, então melhor ficar atento.

Eu, que estava só passeando, senti frio e vim pra casa tomar leite quente.

16.10.09

que será sucesso durante o mês



procurei você pelo mapa da cidade
e quilômetros depois eu te perdi

mastigando sem parar

13.10.09

tanta estrela por aí

Desde ontem eu assumi a função de bibliotecário lá no Saturnália, que é o site de astrologia mais legal de todo o Sistema Solar.

Tanto que o bibliotecário pode chegar derrubando a estante e viva é festa!

No convite do Seu João Acuio, que é o gerente da bodega, tava escrito "mais cultura pra cuspir na escultura".

Maktub. Só alegria :D

12.10.09

love me tender

estrelas mudam de lugar / ontem, depois do aniversário, eu finalmente comecei a sentir meu corpo crescer / a voz engrossar / cada pelo em seu lugar / la existencia no es otra cosa que la inserción del tiempo en la carne / haja carne




o corpo é matéria que nem qualquer outra coisa. No cemitério ouvi dizer que leva três anos prum corpo / desaparecer. Restam os ossos / dos dedinhos do pé / na meia trifil se for resistente / a meia sem fiu-fiu.

Depois de formado encontrei a professora que falou "você engordou!" e isso é lá coisa que se diga ela logo disse "mas eu sei é assim mesmo a gente cresce e engorda" deus seja louvado

10.10.09

velório

ela estava no primeiro pesadelo
me dava colo que não livrava do monstro
mas era colo

9.10.09

dom dinis faz anos


Ou a quen direy o meu mal,
se o eu a vós non disser?
poys calar-me non m'é mester
e dizer-vo-lo non m'er val.
E, poys tanto mal soffr'assy,
se con vosco non falar hi,
por quen saberedes meu mal?

*

também é Dia Mundial dos Correios

8.10.09

maybe the dingo ate your baby

o tilacino
milhares de anos antes dos europeus
sumiu da austrália restou só na tasmânia
sumiu da tasmânia ao chegarem os europeus
era o maior carnívoro marsupial do mundo
o tempo come até os carnívoros



assim como comeu
a gente nativa da tasmânia
há 35.ooo anos morava lá
coincidiu outra vez com os europeus
não sobrou um pra contar história

ah esses europeus

atualmente
o maior carnívoro marsupial do mundo
é o diabo-da-tasmânia / que come wombats e wallabees
bichos que só tem por lá
mas em 2009 virou espécie ameaçada
por causa de um tumor bucal endêmico
que parece se manifestar a intervalos cíclicos de 70 anos
o bicho que come de um tudo
fica sem poder comer nada
e morre


7.10.09

o castelo

escrever pelas paredes / pedra sobre pedra / até que não reste

escrever pelas paredes.

botar fogo nesse apartamento

quando eu era criança me afligia o olhar / ter olhos e todos terem-nos a infinidade de olhares / me fazia querer arrancar os meus às unhas / depois na faculdade eu vi que tem a ver com fase de desenvolvimento infantil / freud piaget / meu cu pro desenvolvimento infantil




a imagem aí de cima sobrepõe os mapas de portugal e moçambique / o resto é inferência / trabalho do manuel santos maia / que faz um projeto lindo chamado alheava

*

e esse texto aqui oh / / / uma vida /

5.10.09

campos & carvalhos

vem amor que a hora é essa
duelo & dueto
que à vaga venham marfins
não decepem quem tem
nem naufraguem quem sim




começando nova casa com a minha companheira de batalha


que sim :)

4.10.09

valeu pra vida

no colégio a professora pediu pra eu passar o vinil para cassete / "a arte de mercedes sosa" / cheguei a sonhar / depois minha mãe disse que já conhecia / eu ouvi até que não me devolvessem a fita / cantava junto "la carta" e achava perfeita de som palavras arranjo e mensagem

era a voz da força de um touro / firme / com tanta alegria





e que nunca se resignava. Faz uns anos começaram a aparecer, de quando em quado, notícias de que não andava bem de saúde, setenta e tantos anos. Hoje não me causou tristeza, não. Essa mulher pra mim é seiva.


2.10.09

História de Raabe

quem dá aos pobres empresta a Deus

Raabe ia morrer apedrejada. Se em Jericó não gostassem das putas. Chegaram em Raabe e perguntaram "que é dos hebreus que recebeste?". Mas puta é que nem padre, psicólogo, despistou os jericoenses. "Em agradecimento, nós não vamos te matar". E quando os hebreus pilharam Jericó e o bom Deus disse não deixareis homem mulher criança ou gado em vida, pra Raabe abriu uma exceção. Um lenço escarlate na janela anunciava: a casa é da puta, não a matem. E cada hebreu sorria de soslaio enquanto ela passava, com a família, pela cidade sitiada, se cutucavam aos cotovelos, agradeciam zombeteiros. Um, de brincadeira, até tocou trombeta.

jardim da gente grande

dia desses
um anjo maludo
desses que fazem pintura
a dedo e comem da sua
comida disse vai
marcos
ser guache na vida

1.10.09

feliz outubro

sempre gostei de outubro / agora eu sei que a primavera entra / vênus inaugura / é o começo do fim do ano

na escola era o último bimestre / eu detestava a escola / queria que todos morressem / queria mais eu mesmo morrer

hoje acordei cantando: we can be heroes, just for one day. bem vindo outubro :)


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e.t.: anteontem, na av. paulista, tinha um cara em cima de um banquinho onde estava colada uma folha que dizia "estou na merda / sem dinheiro nem / pra comprar papel", um penico azul em baixo com alguma grana dentro e o cara (que era muito bonitinho) estava cantando as rosas não falam

deixe essa vergonha de lado

o meu amigo otavio chamorro me apresentou a diana / virou tudo afeto / minha vó cantava na cozinha / muito antes de eu ter nojo das coisas





meu país dividido por classes / s'imbora

30.9.09

voyage voyage



e gente é outra alegria / diferente das estrelas

29.9.09

and what i don't know

é hora de aprender português / meu amor incondicional pela língua portuguesa / de filho que nunca conheceu outra mãe / florir o jardim de sempre: cultivar a língua para o colorido

e adubar cantando em inglês

28.9.09

flan náufrago

quem beija meu filho, minha boca adoça

Aniversário da mãe. O menino fuça o armário e vai fazer um flan de caixinha com calda imita ameixas. Come o flan pedaço no meio da colher banhada em calda, um naufrágio. A mãe é diabética, o menino suja a louça, não lava, mas é um amor que está ali derretido no açúcar caçoa do medo da morte / e ela come. O planeta é que anda a dar voltas em torno do Sol como se nada fosse doce a gente toma garapa imaginando a via láctea expandida além dela o espaço infinito de silêncio eterno talvez vikings astrais cometas macios de brigadeiro tudo o que é possível, até um flan de aniversário. Que as nossas cáries tenham a ver com a cultura caneeira implantada pelos portugueses e os trabalhadores rurais de hoje remontem a cinco séculos de trabalho escravo é coisa que implica na doçura, e de modo algum podemos isentar as corporações alimentícias do efeito que gradativamente essas delícias simuladas terão sobre o nosso prazo. / O menino leu a receita no verso da caixa piscando a cada palavra. Ali dentro, em forma de futuro, estava um mistério.

24.9.09

Foi ver

caminho angustiado porque as pernas não se abrem, chinelinhas de pano as mãos seguram a camisola. Senão ela cai.

Foi ver no escuro do mundo: os lixeiros, fantasmas assustadores levam o imundo das ruas. Ela lá parada à porta aberta de madeira, um degrau dá pra calçada. Chorume borrifado. Eles usam uniformes azuis, limpos e à luz do sol devem ser bonitos. Um se agacha e pega a sacolinha - cheia! - de supermercado / aos pés dela.

Boa noite.

Boa noite, senhora.

São bons meninos, os lixeiros. Olham pra ela e acenam. Estão na boca do caminhão que sobe a rua como se ela estivesse despencando num poço. "Tchau", ela diz. Entra, gira a chave e empurra o trinco. Era só o lixeiro, que alívio. Nem ladrões, nem assassinos. Também não seus filhos. Na quarta-feira eles vão passar de novo? Quem sabe o que poderá acontecer?

23.9.09

a cidade escorrendo

toma fôlego e deságua / enquanto isso a amiga chora o amor perdido / não tem casa, espera no hall / abram a porta, me liga a cobrar

tanta chuva me deixa apreensivo, um fio de água escorre da parede, toalha vermelha feito tapete, mas e se os cimentos ruírem / sobre mim?

amiga, a gente é palafita

*

e dentro de nós é que chovia
a água entrou pelos vidros
molhou os papéis

e mais nada.

*

já escrevi quatro cartas. um novo império. com a umidade, vira papel machê. fazemos cavalos marinhos.

22.9.09

o silêncio eterno dos espaços infinitos

menos eu, que tenho zumbido / desligo tudo à noite o zumbido tá lá / piiiiiiiiiiiiiiiiiii / quando eu era criança via no sbt a chamada do filme / "os gritos do silêncio" / e achava que os gritos do silêncio eram o zumbido / piiiiiiiiiiiiiiiiiii / mas era um filme sobre a guerra / crianças napalm vietnã / eu acho

















...



















hoje começou a estia / já que o zumbido não atrapalha de dia / sons, todos, menos os intencionais / o silêncio que ninguém ouviu

pele misteriosa

hoje um piercing / nas infâncias dos meus amigos / froot loops no abismo




de pele nova / aloja em queloide, cose / os indícios que fogem

16.9.09

sincronia

por mágica e mistério / todas as margaridas começam a florir / os vasos nos batentes / por isso uma força estranha

é o plasma da vida / puxa e infla / tudo de matéria



a doce vida

esse talento ia mesmo te levar longe

até agora só trouxe de volta pra roça


*


espírito empreendedor. o país inteiro já está colonizado. tem pontes estátuas progresso todos os três poderes e 12% da água doce do planeta além de excelentes locais adequados ao público gay acaba de sair de uma recessão o pib em crescimento baixa nos juros dos automóveis lula no G20 a copa do mundo de 2014 em meio a tanta construção civil

minha função social é ser pedreiro do imaginário


*


no consultório:

"profissão?"

"escritor"

"'es...' como?"

"escritor"

"'escritor'... nossa, que chique!"


chique define

14.9.09

zumbis que nem siriris


in an industrialized society which has reached a point of abundance / by the production of unproductive goods / luxury itens excessive military / the redundant unnecessary work / a kind of zombie state / of the own person's sexual needs / of the dominant culture / considering that all dominant discourses are defined and controlled by the ruling class the first step to becoming a revolutionary is to act out against any consensual reality

numa sociedade industrial que alcançou tal ponto de abundância / pela produção de bens improdutivos / itens de luxo excessivo / militar / o trabalho desnecessário redundante / uma espécie de estado zumbi / das necessidades sexuais da própria pessoa / da cultura dominante / considerando que todos os discursos dominantes são definidos e controlados pela classe dominante o primeiro passo para se tornar revolucionáriX é se manifestar contra qualquer realidade consensual

12.9.09

siriris que nem zumbis

dura uma hora a revoada.

no calor eles querem acasalar: saem fim de tarde, tomam os cômodos, gostam muito da luz elétrica.

descobri
que regionalmente também se chamam aleluias. diz o salmista: "lâmpada para os meus pés é a tua palavra / e luz para o meu caminho."

mas a arca afunda se eles botam ovos e toda espécie extingue-se.

eu, cheio de nojo e medo de insetos, bravamente afogo-os na privada.


regionalmente, siriri também é uma dança


quem gosta é a lagartixa que mora na janela. no batente, ela espera. come asa e tudo.