era um cavalo, mais bem uma égua / e feita de sonho / que cresci na cidade, sou homem sem iguais / mas trotava e nisto / sobrava-lhe casco indomável bruto animal fora do tempo / da égua eu só sabia sua aparência / pelo escuro grosso corpo / e me imagino com ela entre as pernas / cru galope suor arder-me / o destino e a virilha
mas não admite nome, a égua. eu batizo "a dor do mundo" não pelo que do cavalo vejo, mas pelo vislumbre cavalgadura. nossas ganas num mesmo caminho, estribos e cabrestos que eu controle. a égua trota longe e eu fico da janela olhando enquanto escrevo neste blogue. depois ela morre e outra trota.
morre. a égua é condenada a morrer. e eu sou condenado a ver que a morte se renova. seu corpo, feito carimbo, vai deixando cadáveres dela mesma / que / viva / segue a corrida sem rumo, em voltas à minha vista / primeiro desvia dos cadáveres-dela-mesma que se espalham pelo chão / mas logo não sobra chão e ela tem de pisar sobre eles. até suas coxas o sangue espirra, o marrom brilhante se avermelha, coagula ao sol e ao vento, faz frio, os cascos duros esmagam ossos que cortam ossos. eu (eu) sou meu próprio cemitério. diria a égua se fosse eu. e eu não diria nada / se fosse ela.
a dor do mundo enfim recolhe-se, penso, ao seu estábulo. é noite e tudo fica silencioso. a dor do mundo dorme, cheia de crostas castanhas do seu próprio sangue de outras. os grilos estalam no escuro uma almofada espinhosa, macia. de viés na eclíptica deitado é que eu durmo, o computador desligado, um sono trôpego, um abandono. e sonho sem saber que estou vivo / histórias de medo.
se acordo / é madrugada / a égua viva longe deve estar apagada, a força dentro dela feto refazendo pra amanhã / amanhã. os cadáveres quadrúpedes fantasmas se levantam. me livro do pesadelo e vejo outro pesadelo, outro, e outro. a tropa morta que / acorda / e enche os pampas, enche os continentes / purga o nunca findo
/ / / até que raia um novo dia. aí sim acordo / com dor de cabeça. quando abro a janela, me olha a mesma égua, já pronta, já sabe. e espera que eu responda. começamos?
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23.8.11
27.2.10
são paulo cold congela o coração
são paulo é uma cidade feia
tudo inacabado
sem gramas, çem granas
deste ângulo da janela o mundo é um borrão cinzento / agora passa um urubu / o urubu vai bicar alguém e aí começa: grande epidemia de raiva humana, também conhecida como apocalipse zumbi. PRIMEIRO EPISÓDIO: no ônibus, só te deixam passar a cotoveladas. objetivo de vida: não criar amargor.
tudo inacabado
sem gramas, çem granas
deste ângulo da janela o mundo é um borrão cinzento / agora passa um urubu / o urubu vai bicar alguém e aí começa: grande epidemia de raiva humana, também conhecida como apocalipse zumbi. PRIMEIRO EPISÓDIO: no ônibus, só te deixam passar a cotoveladas. objetivo de vida: não criar amargor.
23.1.10
quando nem a verdadeira maionese pôde nos salvar
Enquanto o amor fizer recesso, a gente cruza os dedos e imagina um apocalipse zumbi.
George Romero é o mestre do gênero. Mas não por causa de "Madrugada dos mortos", onde todos vão ao shopping center e há allegory for consumerism, manequins demais, a ação é fraca. A refilmagem sim é um filme foda: os realizadores inventaram zumbis que correm e gritam, todos cocainômanos. E tem ação do início ao fim.
Muito melhor, do Romero, é esse aí debaixo, que o youtube traz com toda a alegria dos avanços tecnológicos. Uma hora e trinta e cinco minutos de um filme DOCARALEO, daqueles que te deixam feliz, apesar de tudo.
Deus me livre que os mortos venham atrás da gente, cheios de fome e esquecimento. Mas enquanto o amor fizer recesso, melhor mesmo é continuar vivo. Quem assistir, por favor diga nos comentários o que achou. Viu?
George Romero é o mestre do gênero. Mas não por causa de "Madrugada dos mortos", onde todos vão ao shopping center e há allegory for consumerism, manequins demais, a ação é fraca. A refilmagem sim é um filme foda: os realizadores inventaram zumbis que correm e gritam, todos cocainômanos. E tem ação do início ao fim.
Muito melhor, do Romero, é esse aí debaixo, que o youtube traz com toda a alegria dos avanços tecnológicos. Uma hora e trinta e cinco minutos de um filme DOCARALEO, daqueles que te deixam feliz, apesar de tudo.
Deus me livre que os mortos venham atrás da gente, cheios de fome e esquecimento. Mas enquanto o amor fizer recesso, melhor mesmo é continuar vivo. Quem assistir, por favor diga nos comentários o que achou. Viu?
apresentando
Night Of The Living Dead (1968)
de George Romero
25.11.09
notícias de itaipu: final
Acabou a história dos meninos. Será que eles conseguiram salvar a eles mesmos... e ao Brasil? Você pode ler o final dessa história horripilante em
FIM
23.11.09
notícias de itaipu
Ambos estavam fracos demais para andar. O menino choramingava dia e noite, chamava pela mãe, às vezes delirava e pedia, em estado de transe, para que o pai não lhe batesse.
"Eu não quero morrer!..."
O chefe, exausto, olhava o corpo fraco do seu colega de classe, fedia. "Viado", pensou. Com alguma dificuldade, sentou-se na cadeira que agora ficava de frente para a janela do sótão. Alguns zumbis pareciam não ter mais do que ossos sujos de tecido podre. Até quando continuariam andando? Era possível, sim, que aquele pesadelo estivesse próximo do final. Que após quatro meses de perambulação macabra os ossos todos tombassem ao chão como na implosão de uma cidade. Como se o cruel mentor daqueles seres, tendo atingido seu objetivo, desligasse-os da tomada. Sim, era possível, ele só precisava aguardar, esperar mais um pouco, aguentar.
No entanto, seu corpo mostrava sinais de extrema fadiga. Às vezes ele tremia involuntariamente, temia perder o controle. Estavam há dois dias sem comer.
O menino fungou mais uma vez, encolhido num canto. "Não... não... pai...". Tão silencioso quanto pôde, o chefe desceu da cadeira. E obstinado rastejou até o menino.
"Eu não quero morrer!..."
O chefe, exausto, olhava o corpo fraco do seu colega de classe, fedia. "Viado", pensou. Com alguma dificuldade, sentou-se na cadeira que agora ficava de frente para a janela do sótão. Alguns zumbis pareciam não ter mais do que ossos sujos de tecido podre. Até quando continuariam andando? Era possível, sim, que aquele pesadelo estivesse próximo do final. Que após quatro meses de perambulação macabra os ossos todos tombassem ao chão como na implosão de uma cidade. Como se o cruel mentor daqueles seres, tendo atingido seu objetivo, desligasse-os da tomada. Sim, era possível, ele só precisava aguardar, esperar mais um pouco, aguentar.
No entanto, seu corpo mostrava sinais de extrema fadiga. Às vezes ele tremia involuntariamente, temia perder o controle. Estavam há dois dias sem comer.
O menino fungou mais uma vez, encolhido num canto. "Não... não... pai...". Tão silencioso quanto pôde, o chefe desceu da cadeira. E obstinado rastejou até o menino.
21.11.09
notícias de itaipu
Pouco a pouco, os zumbis voltavam ao movimento normal. Havia ainda muitos nos arredores da casa, mais do que seria possível contar. E volta e meia algum arranhava novamente seus dedos semidecompostos nas portas e paredes, como se tivesse lembrado, de repente, que não, não conseguiram entrar na casa. E lá dentro talvez houvesse.
"Eles desistem rápido", o chefe disse. Três meses. Três meses. O chefe percebeu o olhar do outro menino, que no entanto não se atrevia a dizer. "Porque eles podiam estar querendo entrar ainda" argumentou então, de modo que o menino entendesse que não estava se justificando, mas apenas concluindo um raciocínio.
"Será que eles sabem que a gente está aqui?" - o menino pensou.
"Eles não sabem de nada! São bichos." - o chefe respondeu.
Deitado, o menino olhou para o céu pela janela. Moscas. Em número até maior do que o de zumbis. Varejeiras se multiplicando pelo céu da cidade.
"Eles desistem rápido", o chefe disse. Três meses. Três meses. O chefe percebeu o olhar do outro menino, que no entanto não se atrevia a dizer. "Porque eles podiam estar querendo entrar ainda" argumentou então, de modo que o menino entendesse que não estava se justificando, mas apenas concluindo um raciocínio.
"Será que eles sabem que a gente está aqui?" - o menino pensou.
"Eles não sabem de nada! São bichos." - o chefe respondeu.
Deitado, o menino olhou para o céu pela janela. Moscas. Em número até maior do que o de zumbis. Varejeiras se multiplicando pelo céu da cidade.
20.11.09
notícias de itaipu
VÃO SE FODEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEERRR SEUS FILHOS DA PUUUUUTAAAAAAAAAAAAAA
"Cê tá maluco, cara?!"
VÃO PRA PUTAQUEOPARIU
VÃO TOMAR NO CUUUUUUU
SEUS VIAAAAAAAAAAAAAADOS
"Para! Para de gritar!"
Os dois meninos agarraram o de óculos, que continuava gritando e agora se debatia com uma força / que acabara de despertar / numa noite escura e barulhenta. "Shhhhhhhhhhh". Mas já era tarde. Não só os zumbis que estavam próximos à casa - agora outros chegavam, do condomínio inteiro, talvez de toda a cidade. A passos lentos e certeiros, esquálidos, eles cercavam a casa com suas gargantas selvagens e famintas: cem, duzentos. E vinham outros.
"Caralho, mano! Caralho! Olha o que você fez, véio! Seu filhodaputa, seu corno." O menino andava de um lado para o outro, olhando hora pela janela do sótão, hora para o de óculos, franzino, que ofegava de olhos arregalados, ódio, seguro entre os braços do chefe. Sentindo que ele não mais fazia força tentando escapar, o chefe solta-o e se dirige à janela, onde avista o Inferno.
"Caralho, mano! Putaqueopariu! E agora, cara?!"
O chefe fechou os olhos para pensar. Os zumbis teriam força para arrombar as portas, derrubar as paredes, subir as escadas e devorá-los? Enquanto pensava nisso, uma lufada de ar lhe atingiu o rosto e seu corpo gelou ao ouvir a voz do outro menino gritando fraca, fina e rouca
"Goiaba!"
Goiaba era o apelido do de óculos. Seu nome era Mateus. Ele tinha doze anos e era o dono da casa. Foi ele que, numa tarde de terça-feira, chamou os amigos da escola para jogar o videogame que tinha ganhado de aniversário uma semana antes. E agora Goiaba estava caído no jardim de sua casa, provavelmente com as pernas quebradas, urrando de dor ao sentir os dentes ferinos dos mortos rasgando-lhe a pele, mastigando seus olhos, espalhando seus intestinos pelos ossos expostos dos malditos.
No sótão, os dois meninos recuavam passo a passo. Nenhum deles sentia o chão sob os pés. É como se estivessem no azul de ar do céu, suspensos por anjos, e seus pés se agitassem na liberdade do voo. Até encostarem na parede, agacharem-se no canto e, simultaneamente chorando e não chorando, abraçarem a desgraça, a desgraça, a desgraça.
"Cê tá maluco, cara?!"
VÃO PRA PUTAQUEOPARIU
VÃO TOMAR NO CUUUUUUU
SEUS VIAAAAAAAAAAAAAADOS
"Para! Para de gritar!"
Os dois meninos agarraram o de óculos, que continuava gritando e agora se debatia com uma força / que acabara de despertar / numa noite escura e barulhenta. "Shhhhhhhhhhh". Mas já era tarde. Não só os zumbis que estavam próximos à casa - agora outros chegavam, do condomínio inteiro, talvez de toda a cidade. A passos lentos e certeiros, esquálidos, eles cercavam a casa com suas gargantas selvagens e famintas: cem, duzentos. E vinham outros.
"Caralho, mano! Caralho! Olha o que você fez, véio! Seu filhodaputa, seu corno." O menino andava de um lado para o outro, olhando hora pela janela do sótão, hora para o de óculos, franzino, que ofegava de olhos arregalados, ódio, seguro entre os braços do chefe. Sentindo que ele não mais fazia força tentando escapar, o chefe solta-o e se dirige à janela, onde avista o Inferno.
"Caralho, mano! Putaqueopariu! E agora, cara?!"
O chefe fechou os olhos para pensar. Os zumbis teriam força para arrombar as portas, derrubar as paredes, subir as escadas e devorá-los? Enquanto pensava nisso, uma lufada de ar lhe atingiu o rosto e seu corpo gelou ao ouvir a voz do outro menino gritando fraca, fina e rouca
"Goiaba!"
Goiaba era o apelido do de óculos. Seu nome era Mateus. Ele tinha doze anos e era o dono da casa. Foi ele que, numa tarde de terça-feira, chamou os amigos da escola para jogar o videogame que tinha ganhado de aniversário uma semana antes. E agora Goiaba estava caído no jardim de sua casa, provavelmente com as pernas quebradas, urrando de dor ao sentir os dentes ferinos dos mortos rasgando-lhe a pele, mastigando seus olhos, espalhando seus intestinos pelos ossos expostos dos malditos.
No sótão, os dois meninos recuavam passo a passo. Nenhum deles sentia o chão sob os pés. É como se estivessem no azul de ar do céu, suspensos por anjos, e seus pés se agitassem na liberdade do voo. Até encostarem na parede, agacharem-se no canto e, simultaneamente chorando e não chorando, abraçarem a desgraça, a desgraça, a desgraça.
19.11.09
notícias de itaipu
"Se a gente tivesse uma arma. É só atirar na cabeça do zumbi que ele morre."
O menino escutava o chefe em silêncio. Que mais poderia fazer? Os outros estavam dormindo, tinha acabado de comer carne humana. Carne humana! Chorar não adiantava. O chefe continuou falando:
"A gente pegava um rifle e PÁÁ!! na cabeça do filhadaputa. Explode o cérebro dele! Sem cérebro ele morre, já era."
Se o menino pudesse escolher / agora ele ia deixar o outro falando sozinho, descia as escadas e ligava a televisão em algum canal besta e barulhento. O outro ia querer encher o saco dele e ele ia falar "Shhhhh, tou vendo tevê". Sentiu vontade de testar o interruptor de novo, mais uma vez, só pra ter certeza, quem sabe se. "Sem cérebro ele morre"...
"Mas eles já não estão mortos?"
O chefe acordou do seu sorriso e gaguejou:
"É, não, eles estão mortosvivos, seu imbecil. Sem cérebro eles moooorrem de vez!"
"E como é que você sabe?"
O chefe se acomoda e enche o peito de triunfo: é o que acontece em todos os filmes de zumbi.
Uma voz corta o sussurro dos dois.
"E isso tem cara de filme pra você?!"
Os dois meninos se assustaram, suas costas pressionadas contra a parede. Na penumbra, as lentes do óculos do outro reluziam na direção deles. O de óculos saiu, então, da posição de ataque e voltou a sentar-se com a cabeça nos joelhos, abraçando as canelas com os bracinhos finos. Como se dormisse. O chefe ficou quieto, não disse mais nada até a manhã seguinte. O outro menino, olhando os contornos no escuro, nem percebeu o silêncio.
O menino escutava o chefe em silêncio. Que mais poderia fazer? Os outros estavam dormindo, tinha acabado de comer carne humana. Carne humana! Chorar não adiantava. O chefe continuou falando:
"A gente pegava um rifle e PÁÁ!! na cabeça do filhadaputa. Explode o cérebro dele! Sem cérebro ele morre, já era."
Se o menino pudesse escolher / agora ele ia deixar o outro falando sozinho, descia as escadas e ligava a televisão em algum canal besta e barulhento. O outro ia querer encher o saco dele e ele ia falar "Shhhhh, tou vendo tevê". Sentiu vontade de testar o interruptor de novo, mais uma vez, só pra ter certeza, quem sabe se. "Sem cérebro ele morre"...
"Mas eles já não estão mortos?"
O chefe acordou do seu sorriso e gaguejou:
"É, não, eles estão mortosvivos, seu imbecil. Sem cérebro eles moooorrem de vez!"
"E como é que você sabe?"
O chefe se acomoda e enche o peito de triunfo: é o que acontece em todos os filmes de zumbi.
Uma voz corta o sussurro dos dois.
"E isso tem cara de filme pra você?!"
Os dois meninos se assustaram, suas costas pressionadas contra a parede. Na penumbra, as lentes do óculos do outro reluziam na direção deles. O de óculos saiu, então, da posição de ataque e voltou a sentar-se com a cabeça nos joelhos, abraçando as canelas com os bracinhos finos. Como se dormisse. O chefe ficou quieto, não disse mais nada até a manhã seguinte. O outro menino, olhando os contornos no escuro, nem percebeu o silêncio.
18.11.09
notícias de itaipu
A bateria do último celular estava quase acabando. "Desliga ele, porra!", "Por quê?", "Pra preservar a bateria!", "Pra quê?". O menino gaguejou, nervoso, antes de responder. "Vai que a gente precisa dele mais pra frente".
"Se essa bosta se espalhou mesmo no país inteiro, pra quem é que a gente vai ligar?"
A internet não estava funcionando.
"Não é possível! Vai vir alguém. Dos Estados Unidos! Alguém vai fazer alguma coisa! Não é possível!"
Soluçando, o menino se encolheu num canto. "Não é possível", ele dizia. O gordinho, dono do celular, olhou em volta. Todos começaram a chorar. Não era possível que aquilo estivesse acontecendo. Mas a cada toque no interruptor de luz, a cada tentativa de contato com alguém fora daquele sótão, a cada descida em busca de alimento o impossível se confirmava. O gordinho, então, foi até a janela. Os mortosvivos vagavam pelos quintais, se arrastavam sem sossego, sem descanso, sem direção, sem. Sem pressa. Só podia ser brincadeira. De repente o gordinho viu todos os zumbis se voltarem para a janela onde ele estava, tirarem as máscaras e morrerem de rir com os seis moleques. Os meninos, atrás dele, não paravam de chorar. Outra vez ele tentou ligar para o celular da mãe. O número que você está chamando está desligado ou fora de serviço. Por favor...
"Se essa bosta se espalhou mesmo no país inteiro, pra quem é que a gente vai ligar?"
A internet não estava funcionando.
"Não é possível! Vai vir alguém. Dos Estados Unidos! Alguém vai fazer alguma coisa! Não é possível!"
Soluçando, o menino se encolheu num canto. "Não é possível", ele dizia. O gordinho, dono do celular, olhou em volta. Todos começaram a chorar. Não era possível que aquilo estivesse acontecendo. Mas a cada toque no interruptor de luz, a cada tentativa de contato com alguém fora daquele sótão, a cada descida em busca de alimento o impossível se confirmava. O gordinho, então, foi até a janela. Os mortosvivos vagavam pelos quintais, se arrastavam sem sossego, sem descanso, sem direção, sem. Sem pressa. Só podia ser brincadeira. De repente o gordinho viu todos os zumbis se voltarem para a janela onde ele estava, tirarem as máscaras e morrerem de rir com os seis moleques. Os meninos, atrás dele, não paravam de chorar. Outra vez ele tentou ligar para o celular da mãe. O número que você está chamando está desligado ou fora de serviço. Por favor...
notícias de itaipu
O terceiro menino morreu, então, menos por uma conspiração entre os outros do que pelo acaso. Tinham decidido, sim, matá-lo, mas numa briga - as brigas estavam ficando mais frequentes - o de óculos, com ódio, bateu na sua cabeça com o taco de beisebol. Por um instante o silêncio no sótão foi abafado pelos urros dos zumbis, cuja fome animal se manifestava cada vez que sentiam, instintivamente, que não estavam sozinhos. Então o menino de óculos disse
"Vão pegar o balde."
O balde era usado para guardar o sangue do menino morto, que depois seria bebido com nojo resignado pelos outros. Os dois meninos se entreolharam: o de óculos começou a afiar a faca.
"O gás tá acabando."
Eles começaram a comer a carne mal passada sem dizer uma palavra. Mas, no silêncio das mordidas, cada um começava a admitir que não valia a pena. Matar aqueles que eram seus amigos, beber o sangue deles, esperar. Não fazer barulho, não sair do sótão, esperar. Sucrilhos, piscina, videogame, escola, família, lembravam daquilo tudo vagamente, fora do corpo, como se se tratasse de uma outra encarnação.
E o de óculos quebrou longe o prato de louça, abriu a janela do sótão e, com uma voz que sua mãe nem seu pai nem ninguém imaginaria tão forte e tão alta, gritou
VÃO SE FODEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEERRR SEUS FILHOS DA PUUUUUTAAAAAAAAAAAAAAA
"Vão pegar o balde."
O balde era usado para guardar o sangue do menino morto, que depois seria bebido com nojo resignado pelos outros. Os dois meninos se entreolharam: o de óculos começou a afiar a faca.
"O gás tá acabando."
Eles começaram a comer a carne mal passada sem dizer uma palavra. Mas, no silêncio das mordidas, cada um começava a admitir que não valia a pena. Matar aqueles que eram seus amigos, beber o sangue deles, esperar. Não fazer barulho, não sair do sótão, esperar. Sucrilhos, piscina, videogame, escola, família, lembravam daquilo tudo vagamente, fora do corpo, como se se tratasse de uma outra encarnação.
E o de óculos quebrou longe o prato de louça, abriu a janela do sótão e, com uma voz que sua mãe nem seu pai nem ninguém imaginaria tão forte e tão alta, gritou
VÃO SE FODEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEERRR SEUS FILHOS DA PUUUUUTAAAAAAAAAAAAAAA
17.11.09
notícias de itaipu
Algum alimento contaminado. O aquecimento global. Conspiração. Deus.
O chefe dos meninos fez a mesma estratégia: chegou para cada um, disse os outros estão querendo te comer, esperou o medo. Mas ele era cada vez menos chefe, os outros não tinham esperança o bastante para obedecer.
O chefe dos meninos fez a mesma estratégia: chegou para cada um, disse os outros estão querendo te comer, esperou o medo. Mas ele era cada vez menos chefe, os outros não tinham esperança o bastante para obedecer.
16.11.09
notícias de itaipu
Eu acho que isso já estava acontecendo antes.
"Quê?!"
Eu acho que isso já estava acontecendo antes. Pensa bem: foi muito rápido. Aquele cara do blogue escreveu que as fronteiras já estavam fechadas. Isso tipo três horas depois do apagão. Três horas! E que já tinha zumbi no Pará, no Amazonas, no país inteiro.
(O de óculos fez uma pausa. Nele só se notava o movimento do peito, respirando. Os olhos abertos fixos no chão. Os outros meninos em silêncio)
Eles andam mor devagar, quase se arrastando. Não dá pra chegar tão rápido assim no Pará.
"Mas desde quando, então?! E por onde eles chegaram?"
Com fome, pensar ficava mais difícil. A carne do gordinho estava quase no final. Os quatro se entreolham com medo, com raiva, intrigados. Mas desde quando, então?
"Quê?!"
Eu acho que isso já estava acontecendo antes. Pensa bem: foi muito rápido. Aquele cara do blogue escreveu que as fronteiras já estavam fechadas. Isso tipo três horas depois do apagão. Três horas! E que já tinha zumbi no Pará, no Amazonas, no país inteiro.
(O de óculos fez uma pausa. Nele só se notava o movimento do peito, respirando. Os olhos abertos fixos no chão. Os outros meninos em silêncio)
Eles andam mor devagar, quase se arrastando. Não dá pra chegar tão rápido assim no Pará.
"Mas desde quando, então?! E por onde eles chegaram?"
Com fome, pensar ficava mais difícil. A carne do gordinho estava quase no final. Os quatro se entreolham com medo, com raiva, intrigados. Mas desde quando, então?
15.11.09
notícias de itaipu
um deles encontra um blogue de notícias mais atualizado e lê.
"deixa um recado pra ele! fala que a gente tá aqui!"
11/11/2009, 2h15
Paraguai fecha as fronteiras
O Paraguai fechou as fronteiras. Acabou de informar o Diário Popular, de Asunción. Os exércitos da Argentina e do Uruguai também estão vigiando a fronteira com o Brasil.
11/11/2009, 1h33
Epidemia se espalha pelo Norte
Acabo de receber notícias do Pará e do Amazonas. Essa porra tá se espalhando rápido
"deixa um recado pra ele! fala que a gente tá aqui!"
notícias de itaipu
na noite de dez de novembro de doismilenove, houve um blecaute no brasil. seis meninos correram para o sótão se esconder quando viram, na rua, os pais chegando. sem carro, sem alarde. e sujos de sangue.
a vizinha foi recebê-los preocupada e teve as tripas expostas, mordidas. da janela do sótão os meninos viam os vizinhos se mastigando e se erguendo, caminhando calmos pela rua, sem rumo. nenhum deles voltava a entrar em casa, a não ser que a porta estivesse aberta. quando ouviam um barulho, eles se olhavam. "a porta está fechada?". o de óculos, de quem era a casa, não tirava os olhos da rua. "a-a-acho, acho que sim". "a gente precisa conferir!"
mas quem iria? todos olhavam pro de óculos quando o celular de um deles tocou. "atende essa porra!". os zumbis lá embaixo se agitaram que nem peixe quando a luz acende. "mãe?". os meninos, em silêncio, alternam a direção dos olhos entre a rua e o amigo, que começa a chorar. "mãe, a gente tá escondido no sótão. mãe, eu tô com medo. mãe, vem me buscar. mãe. mãe? mãe!". um outro se joga sobre o menino, agarra-o com uma chave de perna e lhe tapa a boca com a mão. "shhhhhhh". lá embaixo, a cada barulho diferente é como se uma luz se acendesse: os zumbis abrem os olhos procurando reconhecer, mas logo a luz se apaga. pros meninos é que ela nunca acende. no escuro eles se encolhem, juntos, e baixinho ligam para todos os números guardados na memória dos celulares. logo vão acabar as baterias.
a vizinha foi recebê-los preocupada e teve as tripas expostas, mordidas. da janela do sótão os meninos viam os vizinhos se mastigando e se erguendo, caminhando calmos pela rua, sem rumo. nenhum deles voltava a entrar em casa, a não ser que a porta estivesse aberta. quando ouviam um barulho, eles se olhavam. "a porta está fechada?". o de óculos, de quem era a casa, não tirava os olhos da rua. "a-a-acho, acho que sim". "a gente precisa conferir!"
mas quem iria? todos olhavam pro de óculos quando o celular de um deles tocou. "atende essa porra!". os zumbis lá embaixo se agitaram que nem peixe quando a luz acende. "mãe?". os meninos, em silêncio, alternam a direção dos olhos entre a rua e o amigo, que começa a chorar. "mãe, a gente tá escondido no sótão. mãe, eu tô com medo. mãe, vem me buscar. mãe. mãe? mãe!". um outro se joga sobre o menino, agarra-o com uma chave de perna e lhe tapa a boca com a mão. "shhhhhhh". lá embaixo, a cada barulho diferente é como se uma luz se acendesse: os zumbis abrem os olhos procurando reconhecer, mas logo a luz se apaga. pros meninos é que ela nunca acende. no escuro eles se encolhem, juntos, e baixinho ligam para todos os números guardados na memória dos celulares. logo vão acabar as baterias.
notícias de itaipu
o chefe deles (esse grupo de sobreviventes tem um chefe, de doze anos e muito talento / só não mete mais medo que os zumbis / mas promete tanto estrago quanto) o chefe decidiu: a carne do menino está acabando / faz tempo não tem mais enlatados, embutidos, chocolates / é preciso matar para não morrer.
ele chega em cada um, elege-o braço direito e diz: os outros estão querendo te matar pra te comer. (o menino ensaia um choro, uma raiva, o chefe segura). fica na miúda, mas fica esperto. e numa noite se mancomuna e corta, com os garotos, a goela do mais gordinho, que estava dormindo. não faz isso por prazer, mas por necessidade: o gordinho rende mais. dessa vez abrem-lhe a cabeça e salgam os testículos. cada um tem direito a uma ração mínima por dia, não mais.
depois da janta, o de óculos se senta à janela e observa. o movimento dos mortos é o mesmo de manhã e à noite, não muda. um ou outro migra, um ou outro chega. no geral, o grupo é o mesmo. mas eles parecem mais magros, as roupas estão gastas, a carne afunda. o cheiro de carniça é forte. e há uma nuvem de varejeiras sobrevoando o condomínio. o pai dele está lá embaixo, andando, indiferente.
ele chega em cada um, elege-o braço direito e diz: os outros estão querendo te matar pra te comer. (o menino ensaia um choro, uma raiva, o chefe segura). fica na miúda, mas fica esperto. e numa noite se mancomuna e corta, com os garotos, a goela do mais gordinho, que estava dormindo. não faz isso por prazer, mas por necessidade: o gordinho rende mais. dessa vez abrem-lhe a cabeça e salgam os testículos. cada um tem direito a uma ração mínima por dia, não mais.
depois da janta, o de óculos se senta à janela e observa. o movimento dos mortos é o mesmo de manhã e à noite, não muda. um ou outro migra, um ou outro chega. no geral, o grupo é o mesmo. mas eles parecem mais magros, as roupas estão gastas, a carne afunda. o cheiro de carniça é forte. e há uma nuvem de varejeiras sobrevoando o condomínio. o pai dele está lá embaixo, andando, indiferente.
notícias de itaipu
os meninos no sótão faz um mês / de susto, inanição, o primeiro morre / todos os outros ficam atentos, esperando a transformação. mas nada acontece.
lá na rua, os zumbis é como se vivessem de reprise. um menino dá a ideia: e se a gente jogasse o corpo longe, longe, os zumbis correm atrás a gente corre deles foge escapa. os outros quietos pensam até que um diz "pra onde?". os meninos começam a chorar.
a próxima sugestão logicamente você já imagina. porque viram num filme, comem primeiro a bundinha do garoto. tostada na chapa do fogareiro. enrolam o resto em sal grosso, fatias, pedaços. "a cabeça não!". todos concordam. "nem o pinto e o saco!". atiram os miúdos para a rua, esperando algum alvoroço. os zumbis param, depois voltam a andar sem susto. "vai ver eles só comem gente viva".
lá na rua, os zumbis é como se vivessem de reprise. um menino dá a ideia: e se a gente jogasse o corpo longe, longe, os zumbis correm atrás a gente corre deles foge escapa. os outros quietos pensam até que um diz "pra onde?". os meninos começam a chorar.
a próxima sugestão logicamente você já imagina. porque viram num filme, comem primeiro a bundinha do garoto. tostada na chapa do fogareiro. enrolam o resto em sal grosso, fatias, pedaços. "a cabeça não!". todos concordam. "nem o pinto e o saco!". atiram os miúdos para a rua, esperando algum alvoroço. os zumbis param, depois voltam a andar sem susto. "vai ver eles só comem gente viva".
14.11.09
maltês salvo churrasco
1.
as crianças jogando bola no campinho / turma toda na piscina / o churrasqueiro é que, entregando a linguiça, morde a orelha da tia-avó
ninguém enxerga a tia-avó
2.
o campinho vazio. mas os zumbis não comem cachorrinhos. então o cachorrinho anda de um lado pro outro entre os mortosvivos, quer brincar. ninguém lhe joga a bola.
ele pula na pia e come a carne crua
as crianças jogando bola no campinho / turma toda na piscina / o churrasqueiro é que, entregando a linguiça, morde a orelha da tia-avó
ninguém enxerga a tia-avó
2.
o campinho vazio. mas os zumbis não comem cachorrinhos. então o cachorrinho anda de um lado pro outro entre os mortosvivos, quer brincar. ninguém lhe joga a bola.
ele pula na pia e come a carne crua
notícias de itaipu
depois
da invasão dos zumbis
um grupo de guris / presos no esconderijo, casa seca / aguardam notícias de itaipu?
entram numa espécie de sótão, com mínimos barulhos pra observar, lá embaixo, os corpos se trombando uns nos outros, uma fome sem desejo / estraçalham os vivos que chegam, incautos, em busca de abrigo
os meninos descem de dois em dois, quando preciso, pegam latas de ervilha e de milho, no dia em que um deles derruba um garfo lá embaixo / os zumbis percebem queda e movimento, mas não olham para cima
os guris não sabem disso, no entanto. porque se esconderam no fundo do escuro e esperaram até o fim da surpresa
da invasão dos zumbis
um grupo de guris / presos no esconderijo, casa seca / aguardam notícias de itaipu?
entram numa espécie de sótão, com mínimos barulhos pra observar, lá embaixo, os corpos se trombando uns nos outros, uma fome sem desejo / estraçalham os vivos que chegam, incautos, em busca de abrigo
os meninos descem de dois em dois, quando preciso, pegam latas de ervilha e de milho, no dia em que um deles derruba um garfo lá embaixo / os zumbis percebem queda e movimento, mas não olham para cima
os guris não sabem disso, no entanto. porque se esconderam no fundo do escuro e esperaram até o fim da surpresa
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