31.1.10

o amor estranho e inteiro, pronto pra estar: nos dedos rechonchudos do menino do trem, sua barriguinha olhos castanhos sacola de plástico no colo: o amor inteiro, maduro e sozinho - procura. O amor vigilante e abandonado, ele próprio um trem de vagões vazios e veloz, o amor criança, crente, vontade, sozinho e atento, ansioso, moderno, morto, o amor sem nome e sem endereço, incompleto, que envia cartas pelo vento - o vento tropeça, fica preso nas copas das árvores, as cartas caem no chão se é outono - o amor no asilo, no orfanato, esquecido e desmemoriado, alguém vê seu documento e pergunta "ah o senhor é o amor", o amor com aquela tristeza de bicho, se lembra e diz: hein?

dia dois

vai ser

dia um

foi ontem

23.1.10

quando nem a verdadeira maionese pôde nos salvar

Enquanto o amor fizer recesso, a gente cruza os dedos e imagina um apocalipse zumbi.

George Romero é o mestre do gênero. Mas não por causa de "Madrugada dos mortos", onde todos vão ao shopping center e há allegory for consumerism, manequins demais, a ação é fraca. A refilmagem sim é um filme foda: os realizadores inventaram zumbis que correm e gritam, todos cocainômanos. E tem ação do início ao fim.

Muito melhor, do Romero, é esse aí debaixo, que o youtube traz com toda a alegria dos avanços tecnológicos. Uma hora e trinta e cinco minutos de um filme DOCARALEO, daqueles que te deixam feliz, apesar de tudo.

Deus me livre que os mortos venham atrás da gente, cheios de fome e esquecimento. Mas enquanto o amor fizer recesso, melhor mesmo é continuar vivo. Quem assistir, por favor diga nos comentários o que achou. Viu?

apresentando


Night Of The Living Dead (1968)
de George Romero

18.1.10

ou não

O que se faz por amor sempre acontece além do bem e do mal.

Nietzsche

17.1.10

última ciência

Ninguém sabe se o vento arrasta a lua ou se a lua
arranca um vento às escuras.
As salas contemplam a noite com uma atenção extasiada.
Fazemos álgebra, música, astronomia,
um mapa
intuitivo do mundo. O sobressalto,
a agonia, às vezes um monstruoso júbilo,
desencadeiam
abruptamente o ritmo.
- Um dedo toca nas têmporas, mergulha tão fundo
que todo o sangue do corpo vem à boca
numa palavra.
E o vento dessa palavra é uma expansão da terra.



(Herberto Helder)

daqui se escuta

com a serra em torno
a cidade fica num vale
antes eu olhava achava
uma muralha um claustro
precisa imaginar com atenção:
o vento sopra os morros
à margem do rio se escuta
um outro som, frescor
Ninguém sabe se o vento arrasta a lua ou se a lua
arranca um vento às escuras.

tá tudo solto na plataforma do ar

céu de brigadeiro / confeitado / ninguém lembra do grande desastre aéreo / violinistas carbonizados no chão

foi uma tragédia.

16.1.10

ensaio sobre a gente

A cegueira é uma arma contra o tempo e o espaço. Nossa existência é uma única, imensa cegueira, exceção feita às poucas coisas que nos são transmitidas por nossos míseros sentidos, míseros por sua índole e por seu alcance. O princípio dominante do Cosmo é a cegueira. Ela permite a justaposição de coisas que seriam impossíveis se se vissem umas às outras. Possibilita a interseção do tempo onde este seria insuportável. Um esporo, por exemplo, nada mais é do que um pedacinho de vida que, até receber uma contra-ordem, está em estado de cegueira. Para escaparmos do tempo, que é contínuo, há um só meio: fragmentá-lo para obtermos as parcelas dele que conhecemos.


Elias Canetti, Auto-de-fé. Diz o personagem que é um bunda-mole, mas também um grande sábio.

15.1.10

os ciganos que sequestravam

ou eram índios. o menino. no final, minha vó sempre dizia: o menino então voltava para os pais, depois que bons homens armados o resgatavam das trevas sem cristo. quando eu for minha avó, eu vou me contar da seguinte forma:

que o menino aprendeu a dançar como os ciganos e a cantar como os índios, cresceu mais um tiquinho, ninguém o encontrou. e um dia apanhou por causa de qualquer bobagem que aqueles tontos queriam. aqui não fico mais: sequestrou-se. no caminho, encontrou um rio e achou melhor segui-lo, pra não se perder. mas depois pensou que seria fácil também que outros seguissem o mesmo rio e o surpreendessem quando ele estivesse se banhando ou bebendo água ou dormindo flutuando. foi pra selva. e eu só posso contar até aqui, porque também eu perdi o menino de vista. fim.

12.1.10

Receita exclusiva! Lombo da Júlia à Lisboeta

agora este é um blogue de culinária!

*

lombo da júlia à lisboeta

6 bifes de lombo de porco
temperar com um dente e meio de alho
mais sal

cortar cebola bem pequenininho
refogar no azeite

fritar o lombo

à parte, misturar uma caixinha de creme de leite, alecrim fresco, champignon em conserva
tudo bastante

lombo frito
joga o molho em cima
tampa
desliga o fogo

e coooooomeeee


fica uma delícia, minhas amiga!

cores primárias e secundárias

Azul.

10.1.10

nem sei o que é escrever

1. é um ato de amor. físico.
2. é um ato de conhecimento. transcendente.

siga aquele caminhão!


8.1.10

Amor aos montes, por todos os cantos, banheiros e esquinas.

Caio Fernando Abreu

6.1.10


desamores

as palavras foram pra festa
e deixaram as roupas na porta

não sobrou nada pra ver

3.1.10

hagiografia de santo antônio de pádua

e, estando ele nos campos pregando o evangelho de nosso senhor, como não houvesse quem lhe escutasse / um a um os peixinhos puseram seus ouvidos fora d'água / pois disse jesus ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda a criatura / os peixes entenderam português, amém / minha avó disse que só depois, uma lá / conseguiu, graças a ele, bom casamento / de sorte que popularmente ficou conhecido como o santo casamenteiro

meu querido santo antônio
que eu seja peixe
vi o brilho verde
peixe prata

2.1.10

duração.

as coisas permanecendo no tempo
como se o tempo pudesse ser a casa delas
mas o tempo é o furacão
que arrasta a casa delas