18.11.11

tiraram da boneca russa o dentro do dentro do dentro. e lá no fim uma boneca oca. a criança abre e

a) se decepciona. pois tanto atraso de surpresa seguro devia te levar a algo mais generoso, uma joia um caramelo. quantas vezes na vida eu vou chegar ao fim e descobrir que mais valia o gozo do começo - boneca enorme e cheia, chacoalho de mistério.

b) diz "ah!" em tom de revelação, sabedoria. abre o fim e um vácuo te libera: boneca incompleta. põe de lado as cascas isso não me interessa. no caminho para a rua (vai pôr os pés na rua) vê a mãe de costas na cozinha. revelação: a gente também vai se deixar. se abrir e se descobrir nada. que importância têm estas cascas? porque há vazio, eu brinco.

c) percebe colada às parede da última boneca uma última e ínfima boneca. (acho que estou usando palavras muito rebuscadas. é que ainda não cheguei na ínfima boneca). o ínfimo é simples, sem detalhes de pintura, cílios, mas vai ficando mais difícil. de você abrir. a criança cresce e se especializa em bonecas russas, porque desde então vem encontrando uma cada vez menor dentro da primeira que abriu, há muito tempo, era o seu tamanho. não teve tempo de ter filhos. suas unhas, grandes e finas de auxílio, às vezes se cortava o rosto num descuido. e foi trabalhar só pra ter dinheiro pra comprar as ferramentas para abrir mais as bonecas. milímetros, centésimos de milímetro. a última boneca era um átomo. depois dela havia outra. a última boneca era deus. mas depois desta também havia outra. uma vida humana não chega a tanto.

(a minha, pelo menos)

(ou vai chegar?)

estudo das prioridades: acho nojento quem dá migalha pra pombo, promove as doenças na população. mas fui comer bolacha no parque e achei que seria injusto jogar as migalhas no lixo, onde não iam alimentar ninguém. os microrganismos são ninguém? na hora nem lembrei deles. joguei no chão e vieram dezenas de pombos. alguns se bicaram e fizeram briga sangrenta. um mais metido se pôs no meio das migalhas, pisava nelas e bicava quem chegasse perto. comeu quase tudo e foi embora quando quis. pardaizinhos olhavam de longe e mal se atreviam.

os pombos são bem ferozes.

agora estou juntando migalhas e mal posso esperar para ir de novo à praça.

estudo das prioridades: comer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário