acordar tarde
tocas as flores murchas
que alguém te ofereceu
quando o rio parou de
correr e a noite
foi tão luminosa
quanto a mota que falhou
a curva - e o serviço
postal não funcionou
no dia seguinte
procuras ávido aquilo
que o mar não devorou
e passas a língua na
cola dos selos lambidos
por assassinos - e a
tua mão segurando a faca
cujo gume possui a
fatalidade do sangue contaminado
dos amantes ocasionais
- nada a fazer
irás sozinho vida
dentro
os braços estendidos
como se entrasses na água
o corpo num arco de
pedra tenso simulando
a casa
onde me abrigo do
mortal brilho do meio-dia
***
mudança de estação
para te manteres vivo - todas as manhãs
arrumas a casa sacodes tapetes limpas o pó e
o mesmo fazes com a alma - puxas-lhe brilho
regas o coração e o grande feto verde-granulado
deixas o verão deslizar de mansinho
para o cobre luminoso do outono e
às primeiras chuvadas recomeças a escrever
como se em ti fertilizasses uma terra generosa
cansada de pousio - uma terra
necessitada de águas de sons de afectos para
intensificar o esplendor do teu firmamento
passa um bando de andorinhões rente à janela
sobrevoam o rosto que surge do mar - crepúsculo
donde se soltaram as abelhas incompreensíveis
da memória
luzeiros marinhos sobre a pele - peixes
que se enforcam com a corda de noctilucos
estendida nesta mudança de estação
(al berto)
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