contam que
numa mesa de bar
chegou Geraldo Vandré
chamado por Caetano
"Geraldo esta é Maria da Graça"
e assim foram apresentados
Maria da Graça recém-chegada da Bahia
dezessete dezoito dezenove anos de idade
pouco tempo mais tarde chamada de Gal
eram anos duros no território brasileiro
porque pobres eram desalojados
índios e negros eram mortos
militantes políticos eram perseguidos
ou qualquer um que se confundisse com os acima mencionados
tinha destino menos feliz
que aqueles três, momentaneamente,
numa mesa de bar pensando em futuro
conversando num bairro do Rio de Janeiro
"Geraldo, estou compondo umas coisas
Maria da Graça e eu
canta pra ele, Gal"
e a menina
com linda voz de passarinho
sem voo
canta
você
precisa saber de mim
baby
na lanchonete
você
precisa aprender inglês
baby
i love you
Geraldo escutou
depois não disse nada
mas levantou-se furibundo,
deu um murro na mesa e gritou
ISSO É UMA BOSTA!!!
e saiu para a rua
peremptório
Caetano
ainda orgulhoso de sua arte
e do que viria a ser a cultura
brasileira
(segundo as Organizações Globo)
não entendeu ou achou de mau gosto
reação tão pouco generosa
Maria da Graça
temendo suja sua piscina
ofendida sua carolina
inútil sua margarina
- e, afinal de contas,
há pessoas que querem ser
só uma menina -
assustou-se
e começou a chorar
31.7.12
27.7.12
jesus
tropeçado nas nuvens
deu de cair antes da hora
pra desgosto do pai
a praça
de são pedro
logo se encheu
o silas
malafaia
cagado de medo
e de alívio
pediu perdão
perdão ao salvador
na cidade de salvador
os orixás tiveram tédio
jesus pigarreou
envergonhado
eu queria
que nada disso
tivesse acontecido
de repente
um novo calvário
em dia útil
jesus
se o senhor quiser
pode se esconder aqui em casa
te lavarei os pés
com água boricada
comprei hoje na farmácia
depois limpo
as tuas chagas
com beijos
de beata
jesus
em troca
um vinhozinho
vai bem
aqui
na minha casa
a gente adora
hospedar
e ninguém
(pode crer)
salva
ninguém
tropeçado nas nuvens
deu de cair antes da hora
pra desgosto do pai
a praça
de são pedro
logo se encheu
o silas
malafaia
cagado de medo
e de alívio
pediu perdão
perdão ao salvador
na cidade de salvador
os orixás tiveram tédio
jesus pigarreou
envergonhado
eu queria
que nada disso
tivesse acontecido
de repente
um novo calvário
em dia útil
jesus
se o senhor quiser
pode se esconder aqui em casa
te lavarei os pés
com água boricada
comprei hoje na farmácia
depois limpo
as tuas chagas
com beijos
de beata
jesus
em troca
um vinhozinho
vai bem
aqui
na minha casa
a gente adora
hospedar
e ninguém
(pode crer)
salva
ninguém
21.7.12
20.7.12
18.7.12
Quando lhe falta o demônio
e Deus não o socorre,
quando o homem é apenas homem,
por si mesmo limitado,
em si mesmo refletido;
e flutua
vazio de julgamento
no espaço sem raízes;
e perde o eco
de seu passado,
a campainha de seu presente,
a semente de seu futuro;
quando está propriamente nu;
e o jogo, feito
até a última cartada da última jogada.
Quando. Quando. Quando
(Drummond, "O padre, a moça")
e Deus não o socorre,
quando o homem é apenas homem,
por si mesmo limitado,
em si mesmo refletido;
e flutua
vazio de julgamento
no espaço sem raízes;
e perde o eco
de seu passado,
a campainha de seu presente,
a semente de seu futuro;
quando está propriamente nu;
e o jogo, feito
até a última cartada da última jogada.
Quando. Quando. Quando
(Drummond, "O padre, a moça")
13.7.12
como é que faz
se o meu corpo me diz
não te quero mais
e falta tanto por descobrir
o povo tem fome
de pimenta-do-reino
as caravelas esperam
feito águas-vivas do porto
desbravaremos continentes
mas não eu
coberto de escorbuto
prévio a negra peste
mãos esquálidas sem remo
fico jovem
nem pra velho do restelo
as portuguesas choram
as noivas ficam por casar
o mar engole meus companheiros
num futuro de horizonte
terra redonda que some
e eu
manhã
que medo
acordo tremendo
deitado na areia
rápido se esfria
na madrugada
sem água
o sol queimando
o sarcoma de kaposi
naufrágio na terra
dos meus pais
como é que eu faço
se o meu corpo me disser
não te quero mais?
se o meu corpo me diz
não te quero mais
e falta tanto por descobrir
o povo tem fome
de pimenta-do-reino
as caravelas esperam
feito águas-vivas do porto
desbravaremos continentes
mas não eu
coberto de escorbuto
prévio a negra peste
mãos esquálidas sem remo
fico jovem
nem pra velho do restelo
as portuguesas choram
as noivas ficam por casar
o mar engole meus companheiros
num futuro de horizonte
terra redonda que some
e eu
manhã
que medo
acordo tremendo
deitado na areia
rápido se esfria
na madrugada
sem água
o sol queimando
o sarcoma de kaposi
naufrágio na terra
dos meus pais
como é que eu faço
se o meu corpo me disser
não te quero mais?
12.7.12
profilático
a aldeia foi atacada
por uma praga inaudita
e estava isolada
nômades e misantropos
guardavam-se entre si, seus afetos
bolhas na pele, dores que rasgam
parecia mesmo ser mais sensato
num tempo sem sanatórios
que os habitantes saíssem à floresta
e caminhavam sozinhos, apenas
visíveis uns aos outros, à distância
para evitar o contágio, deixamos
de nos beijar e bater, quando
queríamos dizer alguma coisa
a alguém, fazíamos sinais
de longe ou gritávamos
de longe ou ainda
em desenhos nas árvores
mostrávamos o toque
que não podíamos a não ser
nas árvores
por uma praga inaudita
e estava isolada
nômades e misantropos
guardavam-se entre si, seus afetos
bolhas na pele, dores que rasgam
parecia mesmo ser mais sensato
num tempo sem sanatórios
que os habitantes saíssem à floresta
e caminhavam sozinhos, apenas
visíveis uns aos outros, à distância
para evitar o contágio, deixamos
de nos beijar e bater, quando
queríamos dizer alguma coisa
a alguém, fazíamos sinais
de longe ou gritávamos
de longe ou ainda
em desenhos nas árvores
mostrávamos o toque
que não podíamos a não ser
nas árvores
10.7.12
o ano mais difícil de nossas vidas
todas as tartarugas
rompem ao mesmo tempo
ou quase
seus ovinhos
de casca mole pra répteis
tão duros, nascidos nos dinossauros
depois atravessam
uma vez eu vi
na televisão que uma cidade
tinha migração de sapos no meio das ruas
ou seriam aligátores
crocodilos mais que grandes
mal nascidos e já migrantes
depois
conseguiram um salário
e contas a pagar
subiam a correnteza
pulando contra as águas
até que um urso os pegasse
salmões?
nos reunimos
eu e os bichos
pra trocarmos experiências
eu conto que contraí uma doença
e antes disso já fui hippie
embora tudo seja meio mentira
mantivemos a música dramática
depois comemos o salgadinho
enquanto os colegas de trabalho balançavam a cabeça
compadecidos e diziam
"que dureza..."
duro
é o que eu tenho entre as pernas
que acorda
apesar de tudo
mesmo quando eu não quero
e sai da toca
se arrasta na areia
e chega no mar
grande água na nossa carapaça
sal e rumo sem fronteiras de correntes
no entanto solte um bote à deriva
ainda que afunde ele chega
ainda que aporte ele entrega
filhotes de futuro diluídos no presente
antigas técnicas de decantação me são passadas
depois de tantas vezes que eu não morri
durmo adulto sobre os bens adquiridos
mas faço, da matéria que não tenho:
um casco que sustenta
às minhas costas, quatro elefantes
nas suas trombas, continentes,
tudo o que você quer
mas também tudo
aquilo que ninguém nem imagina
existir
rompem ao mesmo tempo
ou quase
seus ovinhos
de casca mole pra répteis
tão duros, nascidos nos dinossauros
depois atravessam
uma vez eu vi
na televisão que uma cidade
tinha migração de sapos no meio das ruas
ou seriam aligátores
crocodilos mais que grandes
mal nascidos e já migrantes
depois
conseguiram um salário
e contas a pagar
subiam a correnteza
pulando contra as águas
até que um urso os pegasse
salmões?
nos reunimos
eu e os bichos
pra trocarmos experiências
eu conto que contraí uma doença
e antes disso já fui hippie
embora tudo seja meio mentira
mantivemos a música dramática
depois comemos o salgadinho
enquanto os colegas de trabalho balançavam a cabeça
compadecidos e diziam
"que dureza..."
duro
é o que eu tenho entre as pernas
que acorda
apesar de tudo
mesmo quando eu não quero
e sai da toca
se arrasta na areia
e chega no mar
grande água na nossa carapaça
sal e rumo sem fronteiras de correntes
no entanto solte um bote à deriva
ainda que afunde ele chega
ainda que aporte ele entrega
filhotes de futuro diluídos no presente
antigas técnicas de decantação me são passadas
depois de tantas vezes que eu não morri
durmo adulto sobre os bens adquiridos
mas faço, da matéria que não tenho:
um casco que sustenta
às minhas costas, quatro elefantes
nas suas trombas, continentes,
tudo o que você quer
mas também tudo
aquilo que ninguém nem imagina
existir
9.7.12
asilo
A senhora não pode deixar o país. Mas aqui não é bem-vinda. Faça o favor de entender. Dá-lhe um soco. O soco é o favor. Faça. Depois a arrasta obediente até a cela. As outras presas acolhem e no dia seguinte ela é sacudida, sufocada, posta em avião e extraditada até o exterior. Chega sem passaporte. A senhora não é de nenhuma terra. Então a prendem na cela do aeroporto. Se isto fosse a cordilheira. Se o mundo fosse casa. A Terra engole quem é dela. A senhora pode, por favor, se apresentar? Chega cansada. Sai na foto de peruca. Perdi meu filho, perdi meu cachorro, perdi a hora de voltar atrás. A senhora está testando a minha paciência. É que aqui, no estrangeiro, a gente nunca sabe direito a quem se dirigir. O meu era com leite! Desculpe. A senhora entende? Mas isto é melhor que o seu país. Eu não tenho país. (Estou tão cansada.)
8.7.12
7.7.12
eu queria uma parede
da praia ergueu-se
os vegetais me abraçaram lastimosos
segundo desejo
eu queria um peixe
o céu nadou ao nosso encontro
a gente se afoga todo dia
bate o recorde no canal do panamá
une oceanos pelo comércio internacional
pirataria sem carinho
terceiro (e último) desejo
a boca morre no eu queria
todos esperam suspendidos
os queixos dos micos caídos
e os grilos desacreditados
deixam de esfregar o canto das pernas
"o que vai ser?" pergunta o silvio santos
o sonoplasta que tem dois filhos
que ele nunca vê e torce pro palmeiras
coloca uma música de suspense
boceja sem suspense
o sonoplasta é o meu pai morto há sete anos
"o que vai ser?" pergunta o silvio santos
"será que ele vai conseguir?" eu me pergunto
os colos dos meus amigos
secam ao sol e ao tempo
fossilizados meus amigos no eterno
serão incógnitas aos que escrevem sobre a morte
da nossa espécie a derrocada
da raça humana
"o tempo está acabando" diz o silvio santos
agora é a última hora
olha
cada dia é o último dia
cada minuto é o primeiro impulso
se você joga a bolinha no abismo
o cachorro pula do abismo
porque não tem noção espacial
e quer a bolinha
CINCO
meu bem
QUATRO
mãe
TRÊS
ninguém
DOIS
eu queria
UM
seu desejo
é uma ordem
4.7.12
a origem do universo
os planetas redondos
se chocam porque órbitas
foi assim que aconteceu
provavelmente antes de júpiter
após marte
o cinturão de asteroides
***
o globo ocular
não sabe nada do outro globo ocular
fecham-se abrem-se
os dois ao mesmo tempo
um não sabe nada do outro
***
se sabias que eu não era eu
se sabias que eu era arco
***
a clara me conta
que estamos num universo
paralelo por obra de ETs
que manipulam nossa vida na terra
por motivos que sequer suspeitamos
há gente que diz ser ouro
a ambição dos deuses ETs
que pra mineração nos criaram
raça de escravos revoltados
ou inúteis
me dou bem com o destino
de minerar para quem não sei
algo que não faço a menor ideia
enquanto seres mais desocupados
brincam de mudar-me, sem que eu saiba,
de terra
a clara disse que é só buscar
new zealand out of place no google
pra você ver o quanto de gente
há que evidencia movimentos
muito estranhos das ilhas
conhecidas
eu mesmo mal acredito
que tenho um corpo-matéria
envolto num musgo-abstrato
e que o dinheiro do aluguel
exista junto do amor inventado
de tanto tentar viver
tem gente que se mata
se chocam porque órbitas
foi assim que aconteceu
provavelmente antes de júpiter
após marte
o cinturão de asteroides
***
o globo ocular
não sabe nada do outro globo ocular
fecham-se abrem-se
os dois ao mesmo tempo
um não sabe nada do outro
***
se sabias que eu não era eu
se sabias que eu era arco
***
a clara me conta
que estamos num universo
paralelo por obra de ETs
que manipulam nossa vida na terra
por motivos que sequer suspeitamos
há gente que diz ser ouro
a ambição dos deuses ETs
que pra mineração nos criaram
raça de escravos revoltados
ou inúteis
me dou bem com o destino
de minerar para quem não sei
algo que não faço a menor ideia
enquanto seres mais desocupados
brincam de mudar-me, sem que eu saiba,
de terra
a clara disse que é só buscar
new zealand out of place no google
pra você ver o quanto de gente
há que evidencia movimentos
muito estranhos das ilhas
conhecidas
eu mesmo mal acredito
que tenho um corpo-matéria
envolto num musgo-abstrato
e que o dinheiro do aluguel
exista junto do amor inventado
de tanto tentar viver
tem gente que se mata
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