17.5.10

1997

meu pai assinava jornal. eu recortava todas as matérias sobre cinema e ficava sabendo dos filmes que estreavam na capital. eu via filmes na madrugada da tv cultura e na madrugada da tv bandeirantes. no primeiro caso, era a mostra internacional de cinema da cultura. foi onde eu assisti o exército de brancaleone. na bandeirantes eu via os filmes da rita cadilac e do david cardoso, com muito sexo explícito artístico. meu diretor favorito era o hitchcock e eu queria ser cineasta. ou ainda era jornalista? faz de conta que tudo isso aconteceu em 1997.

tive meu primeiro "sonho erótico" com um homem. o cenário era a sala de coordenação da escola, ele era um menino repetente da minha sala, devia ter uns quinze anos, era um homem. e me mandava calar a boca. eu achava que era uma fase e que ia passar, mas afinal de contas eu nunca duvidei que deus era todopoderoso e que todas as coisas tinham um propósito divino. ainda mais pra mim, que era secretário de espiritualidade da união presbiteriana de adolescentes da igreja de jundiaí. acho que nunca dei muita trela pra essa história de "pecado".

mas eu morria de medo de tudo. minha única amiga era a empregada doméstica, que era como uma irmã pra mim e por quem eu tinha muito amor - o que não impediu que eu dissesse um dia pra ela que eu era o patrão. aqui a gente ama por castas. na escola eu até tinha vários colegas e conversava bastante com eles, dava risada, mas no recreio era sempre uma angústia de estar sozinho. não nasci pra ser criança.

a única coisa que existia era a escola. a professora alba era loira, mas parecia que o cabelo era verde. não lembro absolutamente nada das aulas de português. nem das de matemática. lembro de história, o horror que me dava umas questões do livro que não perguntavam nada, só diziam "comente". como assim? a professora de geografia achava que o méxico ficava na américa central e eu levei um mapa pra provar o contrário. ela disse "então mudou agora". eu gostava de mapas. o governo do estado já tinha dado o golpe, sem misericórdia, na escola pública; mas até a quarta série ainda tinha muitas greves e as professoras discutiam isso com a gente durante as aulas. então, na sexta série, por mais que a coisa estivesse descambando pro descaso e pro cinismo total, ainda tinha uma impressão de que uma razão oculta e constante movimentava a escola. por mais que a gente não visse o menor sentido naquele monte de matéria.

eu assistia muito mtv e gostava do rock da mtv e da 89, a rádio rock. ganhei inclusive um kit da 89, porque liguei lá e respondi as perguntas certo. a família inteira era muito orgulhosa da minha inteligência e na mochila tinha um cedê do pato fu e um do new radicals.

tinha também um bloquinho de notas com a moldura escrito "engenheiros do hawai", que eu usava o verso pra datilografar as frases que eu achava legais e colar com fita crepe no reverso do espelho do meu armário.

mas 1997 foi antes, o último anos antes, de eu dizer "ateu" ou "gay" e essas coisas. não tinha internet absolutamente nenhuma naquele tempo. dá pra imaginar?

4 comentários:

  1. é esse!, vou copiar e colar. aaaahm?

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  2. num creio que em 97 você tava na 6a série?!?!! nasceu depois do meio de 84, é isso tb porque a gente não entrou no mesmo ano nas letras.

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  3. Eu me lembro. Como se fosse ontem. De 1997. De todo o antes.

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  4. muito demais. eu não nasci para os vinte anos!!

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