20.2.11

as an old memory

não estou tentando fazer nada. Acontece, e fiz. Tentei não dar muita trela pra isso, as coisas que acontecem por mim.

"Tia Clementina, a senhora já quis morrer?". A Tia Clementina era negra de pele muito escura e brilhante, bastante gorda, de tranças longas e eu a amava. Mas tinha nojo de beijá-la. Esse amor foi meu primeiro preconceito. Lembro de pensar "como posso gostar dela e ter nojo ao mesmo tempo?" e chorei no quarto, porque era um menino que chorava muito. Naquele dia, ela estava lavando roupa no tanque e a gente tinha acabado de ver num anúncio de loja um menino que era modelo das roupas com preço. "É bonito esse menino, né?" ela disse. Eu fiquei constrangido de responder. Ela falou "não precisa ter vergonha, homem pode achar homem bonito, isso não quer dizer nada". Aí eu concordei timidamente que sim, o menino era bonito. (Quando o que eu queria mesmo era lamber o menino do folheto até desbotar as roupas e os preços, o menino era lindo). Eu tinha uns seis anos, acho. E aquele dia não tinha nada pra fazer além de sol, tarde linda, meu quintal. E a água que espirrava do tanque.

"Por que você pergunta?". "Ah, por nada". A Tia Clementina desacelerou as mãos que esfregavam as pedras e disse que às vezes sim, que ela ficava muito triste, mas que logo aquilo passava. "Por quê? Você já pensou nisso?". Eu disse que sim, meio enviesado. Podia contar: que estava segurando um carrinho. Podia dizer:

O menino segurando um carrinho, vrummmm, vrummm. A empregada pergunta "você já quis isso?". Vrummm, vrummmm. Às vezes eu quero.

Eu não gostava de carrinhos. Nem de brinquedos, no geral. Eu queria ser detetive e encontrar mapas imaginários, impressionantes.

"Não pense nessas coisas", ou algo assim. Sem reprovação na voz, mas sentenciando a lei que eu não sabia. E que usariam sempre para me prender, caso eu desobedecesse, daquele momento em diante. "Imagine como sua mãe ia ficar triste, ia chorar tanto se você morresse".

Minha mãe chorando. A danação eterna é minha mãe chorando. O inferno será em círculos minha mãe chorando. A desgraça, o desencontro, que coisa horrível é um dia ter tido mãe. E ter que prevenir / para sempre / que ela chore.

As mães da Palestina. As mães dos filhos de Israel.

"Você promete que nunca mais vai querer isso?". As mãos cobertas de espuma branca seguravam algum trapo comprado que depois nós vestiríamos, iríamos à igreja, ao restaurante, o meu amor por Clementina, hoje eu ponho as mãos nos meninos e eles dizem "como são macias", eu nunca esfreguei pedra. "Sim", sim, prometo. O sol estava ameno, nunca vou querer. (Quando eu chego muito perto de fazer - em vez de ser feito - algo sempre me salva). Oi, vida adulta. Vrummm, vrummmm, vrummmmmmmmmmm...

Nenhum comentário:

Postar um comentário