5.11.11

bélgica

todo dia no brasil desmata-se ou
deixa-se (mais raramente) de desmatar uma
área do tamanho da bélgica e da holanda
eu conheço (por acaso) alguns belgas
não acho que nenhum deles tenha morado na
floresta amazônica

quando ouço essas notícias me
estarreço: como é que pode caber tanta
europa por aqui?

este ano passei de raspão na
europa. não quero parecer mal agradecido,
mas não achei lá grande coisa

pra amazônia nunca fui. morro de medo
da floresta. gosto de ler e aguento
comprar veneno contra as baratas, se for
o caso

natureza domesticada, as baratas ao menos
não me comem (que nem jiboia
onça jaguatirica comeria)

(às vezes fico muito cansado de ter
que estar em algum lugar. hoje
por exemplo estava na marcha do
orgulho gay e pensei "pra que tanto
corpo meu deus" pensei "que cu santo
deus que cu!")

também fico pensando que a bélgica
inteira já foi desmatada e que o nosso
destino é afogar índios o máximo que possa

eles nos rogam pragas, o continente
todo um maldito cemitério, na colômbia descobriu-se
que funcionários de cartório davam-lhes nomes
(aos índios) como ford ou volkswagen
pra zoá-los

me estarrece (mais que a bélgica) que haja quem
não se estarreça com essas coisas

de todo modo, termino o dia me sentindo muito
sozinho

chego da marcha gay, só tenho uma dúzia de bolachas pra comer.
tenho essas bolachas e o sentimento do mundo.
que me servem?

mas como
minha mãe foi uma das que me ensinaram que
há sempre gente passando pior, por isso não podemos
reclamar, então eu penso (sei) que tem muita
gente que tem muito
menos que isso - nem as bolachas, outras nem
o sentimento do mundo, minha vida
é uma desgraça, e eu lá posso
reclamar?

sei que tinha vontade de escrever a grande
épica do nosso tempo, contar pro futuro
a nossa história, e pro presente esta derrota e
as saídas.

talvez porque não veja saídas.
talvez porque só tenha bolachas
e um companheiro de quarto com o pé
machucado, não pode sair pra trabalhar.

eu trabalho, vou na marcha, ainda tenho
casa, já disse que tenho bolachas, me
distraio com esses imediatos, tusso
porque engasgo, e perco (nem percebo)
o sentimento do mundo.

abóboda celeste,
magmas vulcânicos,
oceanos incontestes:

perdoai.

quantas bélgicas caberão na minha
ideia e se tais bélgicas caberão neste
planeta, fica a dúvida.

líderes líbios são linchados,
guerrilheiros colombianos são caçados,
minha avó esquizofrênica passa bem por quanto tempo?

hierarquias, minhas famílias,
atlas geográficos escritos em papel virgem,
mortas árvores o mercado editorial,
a microsoft, o câncer que matou o dono da
apple, a big apple, isaac
newton, já não
posso ver a todos

fico atento: percebo
que não morro agora
o aleph. hoje de manhã acordei
muito cedo. tenho as costas doloridas.
nas minhas costas acaba a poesia.

então paro. e findo tudo. olho
em volta não há bélgica. os belgas nem são
meus amigos. só gente que eu conheço
(por acaso)

um deles escreveu que
apenas um execrável imbecil sem
nenhum motivo pra orgulhar-se se
apega à terra em que por acaso
nasceu

era, obviamente, uma
crítica ao patriotismo

com a qual eu concordo, e assimilo
de igual modo esse acaso todo: cordilheiras,
cemitérios vivos, gente alheia

os olho e quero dizer:
"já não me apego"

- ó massa informe chamada mundo
nós somos vós
(nós somos vós)

3 comentários:

  1. diálogo de rua:
    - que triste isso que a gente tá fazendo... acabando com o planeta, né..
    - que triste nada! quando o planeta quiser, com um punzinho de vulcão ele acaba com a gente em dois segundos.

    ResponderExcluir
  2. e outra, não sei se você ficou sabendo aí em Galápagos, mas apareceu no noticiário aqui o povo do Amazonas pedindo perdão pros imigrantes japoneses... porque não sei em que década eles vieram da guerra com medo de passar fome e começaram a estocar comida em buracos nos porões de casa lá pras bandas de Manaus, e os manauenses acharam que eles eram do mal e tavam fazendo buraco pra chegar no Japão. daí mandaram a turma pra campos de concentração (sem aspas) no Pará, e morreram tudo de fome, exaustão e violência. mas três netinhos viveram pra receber a placa de prata em honraria agora, com noventa anos.
    to falando que esse país tá mais para Flannery do que Lispector!!
    ahahha
    bjones!

    ResponderExcluir
  3. Eu já estive na Bélgica, mas não estive na Amazônia. acho que é porque é mais perto, sabe? Mas acho que no fim, é tudo a mesma coisa. São tudo nós.

    ResponderExcluir