uma das histórias que há mais tempo eu tenho pra escrever (não sou de guardar histórias, quase nunca as tenho, elas costumam aparecer na palavra seguinte) é a de dois irmãos que se abraçam numa praça após o velório da mãe e são confundidos com um casal gay por um grupo de pessoas que os ataca a golpes e palavras, talvez ocasionando mortes. o final da história não está pronto. acho que a coisa só acontece quando acontece e tenho quase certeza de que ninguém morre de véspera.
pensei nessa história faz muitos anos, talvez antes que eu tivesse abraçado qualquer homem, vendo uma dessas séries dramáticas de televisão em que justamente dois homens se abraçavam, e eram irmãos na ficção, e muito bonitos. então eu pensei com as calças no colchão que aquela era uma cena de que gostava, mas logo pensei nos desdobramentos trágicos que aquilo podia ter. o meu colchão ficou silencioso e desconfiado.
nunca consegui escrever nada dessa história. nem uma palavra. e não acho que vá me dar por satisfeito com isto aqui, dizer "ah eis a história escrita" e pensar em outras coisas - no meu namorado que vem me visitar, ou no livro que comecei a ler. sempre penso nela e num modo de começá-la e, face aos últimos acontecimentos, fico pensando que ou ela não é mais necessária, ou é mais urgente que nunca. porque não só é uma história cotidiana, como agora tornou-se também uma notícia do cotidiano. em vez da morte, um dos personagens, por exemplo, poderia ter sua orelha mordida e arrancada, como aconteceu no interior paulista não faz muito.
acho que outro momento de formulação da história pode ter sido também o velório do meu pai. (talvez tenha a ver com configuração zodiacal que eu sempre esteja afogado nas coisas, mas pensando nas inúmeras variáveis dessas coisas que me afogam, e no possível vigente). meu pai morreu e a ficção anunciava o absurdo que é qualquer pessoa, em qualquer situação, levar uma paulada na cabeça. coincidentemente (embora a ficção - eu nem sei mais se isso é ficção - não tenha acontecido, e por isso não possa coincidir com nada) deixei de abraçar meu irmão justamente por ele ter atitudes homofóbicas que, embora não cheguem nem perto da agressão física, / / /.
minha mãe, por outro lado, não morreu. e eu consegui escrever um livro cheio de histórias que meu pai nunca vai ler. e que talvez ninguém mais leia. eu também ainda não morri. e estou incomodado por não conseguir escrever nada apresentável há meses. fico patinando nas palavras e o acaso não me ensina nada novo. embora me dê muitos sustos. (ontem, por exemplo, caí da escada).
30.8.11
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mesmo que ache que nada é apresentável, eu tenho gostado bastante
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