10.8.11

a criança não sabe amar. eu também não sei. vem-me de dizer: que ninguém sabe. e logo: deve haver alguém que saiba. tudo parece tão simples às vezes, verdade? mas sufoca o gatinho no abraço. aqui já é um lugar comum. tem em filmes populares e histórias da clarice lispector: que a criança ama tanto o peixe que o tira do aquário e o mata. outros diriam que isso não é amor. não acho que alguém possa dizer. eu, da minha parte, não quero definir. e nem morrer.

mas que alcances de afeto pode ter a crueldade?

como se nada fosse doce, ele sentiu o primeiro golpe. e logo choques, invasões. eram vários, poderia ser um, já que nada era doce ele poderia mesmo não ter sentido o primeiro golpe, depois daquilo não haveria começo, nem haveria um único algoz. caminha na rua e lá está, em cada rosto o rosto que não viu, penumbra num corpo que sente tão claro: água salgada nas feridas. aqui eu não sei escrever. secretamente, tenho me dedicado à história da crueldade nas américas. e nasço disso um afeto possível. não sei direito que chão piso. um grande cemitério indígena. e, já que nada era doce, não havia tempo, não havia espaço. o corpo soltava merda, mijo. soltava também sangue e lágrimas. se quem passou por isso mal pode dizer, eu menos ainda. pois agora tenho algodão e caramelos. e o limite da minha dor é esse incômodo nas costas, pois dormi de mal jeito.

há gente com essa sorte: dormir de mal jeito. a ficção é boa com essas pessoas. dedirrósea, desperta vaga da maneira como isso que eu quero escrever não pode ser.

minha ambição é contar a história da fossilização das almas. um misterioso russo que vai de cidade em cidade comprando escrituras de escravos falecidos. ele vive no brasil, em 18XX. minha ignorância não alcança as implicações jurídicas disso. minha imaginação tampouco. digo assim: um misterioso russo. e espero que isso dê conta.

estes dias, tive uns incômodos muito grandes. mas sinto que nada chega perto. perder uma orelha pela arte é história pra boi dormir. aquele lá perdeu uma orelha pela vida. e pintava.

chegar a esse ponto, de trucidar a própria orelha. vê como estou longe?

começo assim, mais uma vez: "como se nada fosse doce"... mas ainda não encontrei o que eu não tenho. ... apenas duas mãos e o sentimento do mundo... ... nem ia escrever sobre isso. como escritor, não sou escritor. tenho que lembrar constantemente disso. o que ia dizer, desde o princípio, é que o homem ama, mas não sabe o que fazer com isso. faz a barba pela manhã e vai para a rua esperar o ônibus. a rua está cheia de gente e é complicado caminhar. depois chego no trabalho, ligo o computador e tenho rins, olhos, unhas, contas a pagar. se não paro de escrever agora, vou parar daqui a pouco.

Um comentário:

  1. marcos, eu desejo pra você a serenidade que muitas vezes me falta, mas que eu almejo tanto.

    um abraço
    césar

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