era um cavalo, mais bem uma égua / e feita de sonho / que cresci na cidade, sou homem sem iguais / mas trotava e nisto / sobrava-lhe casco indomável bruto animal fora do tempo / da égua eu só sabia sua aparência / pelo escuro grosso corpo / e me imagino com ela entre as pernas / cru galope suor arder-me / o destino e a virilha
mas não admite nome, a égua. eu batizo "a dor do mundo" não pelo que do cavalo vejo, mas pelo vislumbre cavalgadura. nossas ganas num mesmo caminho, estribos e cabrestos que eu controle. a égua trota longe e eu fico da janela olhando enquanto escrevo neste blogue. depois ela morre e outra trota.
morre. a égua é condenada a morrer. e eu sou condenado a ver que a morte se renova. seu corpo, feito carimbo, vai deixando cadáveres dela mesma / que / viva / segue a corrida sem rumo, em voltas à minha vista / primeiro desvia dos cadáveres-dela-mesma que se espalham pelo chão / mas logo não sobra chão e ela tem de pisar sobre eles. até suas coxas o sangue espirra, o marrom brilhante se avermelha, coagula ao sol e ao vento, faz frio, os cascos duros esmagam ossos que cortam ossos. eu (eu) sou meu próprio cemitério. diria a égua se fosse eu. e eu não diria nada / se fosse ela.
a dor do mundo enfim recolhe-se, penso, ao seu estábulo. é noite e tudo fica silencioso. a dor do mundo dorme, cheia de crostas castanhas do seu próprio sangue de outras. os grilos estalam no escuro uma almofada espinhosa, macia. de viés na eclíptica deitado é que eu durmo, o computador desligado, um sono trôpego, um abandono. e sonho sem saber que estou vivo / histórias de medo.
se acordo / é madrugada / a égua viva longe deve estar apagada, a força dentro dela feto refazendo pra amanhã / amanhã. os cadáveres quadrúpedes fantasmas se levantam. me livro do pesadelo e vejo outro pesadelo, outro, e outro. a tropa morta que / acorda / e enche os pampas, enche os continentes / purga o nunca findo
/ / / até que raia um novo dia. aí sim acordo / com dor de cabeça. quando abro a janela, me olha a mesma égua, já pronta, já sabe. e espera que eu responda. começamos?
23.8.11
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