6.6.10

a priori

o texto é um acontecimento. só é um fato depois de escrito e só nessa condição de coisa é que ele pode acontecer - na leitura.

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um texto, uma vida.

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existe, claro, a potência da escrita. cortázar confirma: às vezes meses de tensão, seis talvez, pra conseguir um conto. as turbinas do avião que guardam o ar pra que o bicho voe, impulso de foguete. não se cria em cativeiro?

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com "cativeiro" lembrei de outra coisa: reinaldo arenas na prisão dizendo que não tinha vontade de trepar (nem de escrever?). um dos textos mais bonitos do arenas é "arturo, a estrela mais brilhante", um rapaz nos campos de concentração pra viados do fidel.

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um dos primeiros conselhos que o rilke dá no "cartas a um jovem poeta" é: escrever só se houver a necessidade de escrever. quando eu sou professor, acho isso uma merda por sacralizar a escrita e aí vira aquilo pra poucos iluminados. é a tradição moderna do escritor como "gênio" e não como "artesão".

mas os meus textos só valem a pena, mesmo que seja só pra mim, quando escrevê-los tiver sido imprescindível. tudo o que eu escrevi de bom até hoje foi escrito num momento de distração, num susto que era na verdade uma atenção súbita e madura na Verdade. o nirvana possível da palavra.

engraçado que das artes a escrita talvez seja a que menos técnica requer. ou isso é besteira? técnica material, imagino: você não precisa revelar a foto, editar o filme, afinar o violão, estudar fisionomia. você precisa escrever e há, sim, a gramática normativa e as técnicas de narração. será besteira? - pensar que a escrita precisa principalmente da volatilidade do verbo. ou dizer isso num mundo de analfabetos funcionais é/ ?

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mas a potência da escrita, só ela, não importa em absoluto. cada vez mais têm me irritado histórias sobre pessoas que escrevem, a escrita em cima dela mesma. poetas insuportáveis que só falam de poesia. a matéria da poesia são as coisas, inclusive a poesia enquanto coisa.

literatura não se faz com palavras, mas com a volatilidade das palavras. que é a passagem do estado gráfico e sonoro para o estado de vida, de experiência. os textos que eu leio e que valem a pena são esses. (pra não esquecer.)

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hilda hilst publicando poemas no jornal e dizendo querido leitor, só me responda, se for o caso: fui atingido.

a Verdade é quando a gente morre e vive ao mesmo tempo.

mas "morrer" é um caso à parte. o sentido figurado é boiolice.

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4 comentários:

  1. é.

    a escrita requer muita técnica, é claro que sim, ué. quantos anos de prática até reconhecer as letras e saber produzi-las? acho que uns 3, no mínimo. essa técnica indispensável é escolar e a escola, institucionalizada, você sabe. etc. dado esse conhecimento técnico, a partir daí, é desregrar, alucinar a técnica. como os músicos, os artistas plásticos, etceteras. acho que é dança, no escurinho.

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  2. e também, né, se aprende a escrever (vivendo) lendo. não é lugar comum dizer isso. o olhar também se educa, aprende-se a ver, a ouvir, a ler. é exercício. eu várias vezes noto nas minhas escolhas de texto que estou simulando, reproduzindo, re-inventando algo que aprendi em algum outro escritor. seja um procedimento, imagem, ritmo... né?

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  3. é a tradição moderna do escritor como "gênio" e não como "artesão".

    FUI ATINGIDO!

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