6.9.11

deserto

os exploradores encontraram pra
azar nosso um enorme
deserto sob as terras que pisamos

"não se trata de um
bioma" diz um deles
na coletiva desta terça

planícies de algo salgado
que não deixa nada viver

e intocado e inerte
sem possibilidade de precisar
há quanto tempo

no pré-sal da nossa
angústia os exploradores
angustiados por dinheiro quiseram
encontrar novos combustíveis fósseis
que são aqueles, como sabemos,
provenientes da morte proporcionam
uma explosão que nos movimenta

fecho o jornal sem vontade de saber o que aconteceu

outra notícia:

dei ao mundo um filho triste. ele brinca
na sala deprimido tijolos de plástico
em cores tombados, um destroço.

a mãe torce as mãos num avental. é uma mãe à moda antiga, por isso usa avental. cheia de amor e medo pelo filho amuado. "quer um chocolate? quer que mamãe faça um bolo?". o filho não quer nada. faz bico e tomba um tijolo sobre os outros. nunca será arquiteto.

de casa limpa, a mãe compra papel e varetas e faz linda pipa, a sua infância. ensina ao filho e o vê correndo com um sorriso no rosto. o aparato de papel subindo subindo até onde a vista alcança. mas o menino é um fracasso pras coisas que sobem. também não será aviador. não põe sorriso, corre por obrigação, a pipa cai se arrasta se espatifa no asfalto. "você não tem vontade!", a mãe ralha.

depois a criança cresce, porque assim costuma ser. podia ter morrido atropelada ou de doença rara, porque crianças são bem frágeis. mas esta cresce, tem todas as condições. a miséria aqui não se inclui nos programas de assistência do governo. a mãe continua envelhecendo e um dia morre, talvez não de velhice, mas atropelada. aí a criança que cresceu também envelhece e morre. aonde essa história vai parar?

outra notícia:

o governo, finda a pobreza e todos temos carros na garagem casa com piscina auditório para conferências científicas, o governo resolve então conter a crescente onda de suicídios no país com uma bolsa-antissuicídio. "é o governo que precisa chegar aos rincões da alma", anuncia a presidenta. entro no primeiro ônibus com destino ao país vizinho. aqui sofre-se de uma miséria ancestral. graças ao avanço tecnológico, todos temos wi-fi, mas nem sempre comida na geladeira. qual era a notícia? ah. o hino nacional foi substituído, em todas as escolas e manifestações cívicas oficiais, por uma gargalhada de aproximadamente sete minutos ininterruptos. rir oxigena o cérebro, dizem especialistas.

fim do noticiário.

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