18.9.11

risca na própria pele o aleatório

o amor estava em volta dele. Feito um mar difuso, aéreo, sem fundo, correntes que levavam à sua borda o amor distante e concentravam-no à beira-pele em detrito. Poderia ser a história de Narciso tornado água: eu sou um lago que traga.

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andam usando demais a palavra "amor", virou mate lavado e ela não sente o gosto. Mas tem um avassalo no dentro, uma vontade de morrer, viver, que precisa de palavra. É uma tatuadora e o estúdio é uma sobreloja, pequeno, do centro da cidade. Todo dia desenha estrela. Ninguém brilha, você sabe. Essa gente não entende! Risca na própria pele o aleatório: "coisa", escreve, e logo "verbo". Garrafa, verme, bucha, atento, vômito. Volta ao próprio corpo entre uma estrela e outra. Difícil que dispersando assim ela consiga alguma síntese. Acende o cigarro, olha o bico do peito, e pensa.

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Resignada, Sara delega Raabe para que tenha um filho de Abraão. O menino cresce forte, mas um dia chegam anjos do Senhor e dizem a Sara que ela terá um filho, ela mesma. Estéril e já de idade avançada. Sara ri e os anjos a repreendem: por acaso Deus Nosso Senhor não pode tudo? Envergonhada, Sara sabe: por acaso Ele pode, sim. E fica grávida.

Depois, com o ciúme próprio das mulheres, embora o ciúme não seja particularmente próprio das mulheres, mas aqui nos chama a Bíblia a dizer que as mulheres são impuras e traiçoeiras e eu reitero o contexto apenas para evidenciá-lo, e também para garantir a primogenitura de seu filho Isaque, Sara expulsa Raabe e a envia para o deserto, com a graça de Deus, onde ela morreria de fome e sede junto a seu filho se a graça de Deus não fosse ela também traiçoeira e impura e não fizesse brotar, daquele seco monstro, um fio de água - e a continuação da espécie.

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