26.7.10

ouro preto so long

mickey mouse versão clérigo
bem, tchau

na suíça encontraram um pacote de cartas
caídas de um avião espatifado
todos morreram menos os envelopes
que agora serão entregues, 60 anos depois

só isso me interessa

as letras perdidas na neve
envoltas em barbante plástico papelão
acho bonito essas coisas que demoram pra chegar

não gosto de atrasos deliberados
aí é falha de caráter
mas o acaso quando atrasa
fico imaginando razões aleatórias
perfeitas

eu busco a estrada ideal

linhaça

quando eu for bem capaz, vou escrever sobre as coisas mais banais

agora, no entanto, não consigo nem me interessar por gente que só come pão integral

gosto da história do menino chinês, aluno da minha amiga, que respondeu

"o que você gosta de fazer no seu tempo livre"

e ele:

"cocô."

diz que o chinesinho come dois pratos de arroz com feijão no almoço, é robusto aos onze anos, e a professora teve que pedir pra ele parar de fazer pum na aula porque ninguém mais queria sentar perto dele

agora ele vai no banheiro de vinte em vinte minutos, todo pimpão!

liberdade do cu dos outros é um refresco...

cama

a gente traz quinze cobertores e também traz o calor

acabamos nisso: de se revirar à noite, chutar a coberta pra longe, acordar gripado.

casados, se é quente não dormimos de conchinha. você que é mais melindroso logo pensa
"ele não me ama" e se abana / embaixo.

ou também um futon escondido
dentro da gente.

eu era criança e tinha medo de monstros que podem nos puxar os calcanhares. até hoje tenho.

na mesa do almoço, as moças discutem que ronco de mulher é diferente. eu não opino, só conheço os homens e mesmo eles muito pouco. de todo modo, gosto deles
quando dormem, dos barulhos.

cama é um começo de casa.

vou ser como o rio que passa

a internet de casa não funcionou, então vim pra uma videolocadora que tem internet e que passa bob esponja no último volume, então eu ponho os fones de ouvido fado no último volume porque condiz mais com o meu temperamento saturnino, então parece que eu faço jus à delicadeza, então eu anoto os números de telefone, os endereços, amanhã saio daqui, deixo o val kilmer a jodie foster o michael keaton todos pra trás do brasil colonial

é uma cidade construída com trabalho escravo e isso me choca. por consequência, acabo descobrindo que trabalho assalariado não me choca tanto assim.

outras anotações: não tomei cachaça; aqui a cerveja é de garrafão; os mineiros bonitos e morenos; tem que andar devagar, queria ver aqui a pauliceia!; mais igreja do que homem; vila rica; beijo bob esponja.

23.7.10

ouro preto

diz que uma personagem da cidade
que todos dizem ser cheia de loucos
eu ainda não vi muitos loucos
um ou outro sendo retirado do bar
devem fazer a limpa se é estação de turistas
mas dizem que uma personagem da cidade
se autointitula
Marília de Dirceu
e sai com roupas de época
de noite pelas ruas
um casal gaúcho que estuda teologia
deu gritos e saiu correndo pensando tratar-se
de uma assombração

22.7.10

ouro preto

grande tesouro escondido na gente: isso que o outro reflete em você. aqui só tem ladeira e cristo morto, ensanguentado, as crianças e os casais de namorados sorrindo no brasil colonial, o escravismo

patrimônio da humanidade seria terraplanar tudo isso

fico bravo com esse tesouro, causo climão na mesa de bar, o papo de intelectuais, sou bastante intransigente com consciência de classe quando bebo cerveja.

mas vou transformar isso aqui num diário de viagens:

vejo os e-mails com certa frequência, não dou conta de trabalhar o que deveria; em vez disso, faço tatuagens e roço no merchand da galeria de artes. sou um rapaz metropolitano com tesão de interior. fim.

19.7.10

matinal

sonhei com africanos fazendo uma guerra ritual, de metralhadoras e cocar. uma sapatão mostrava emocionada as fotos dizendo

Como contar com palavras? Eu tirei as fotos porque não sei dizer esses rostos; elas são um jeito de eu apresentar essas pessoas pros meus filhos. Assim essas pessoas maravilhosas não vão morrer.

eu via as pessoas sorridentes na estrada da áfrica ou do suriname e entendia o que a sapatão queria dizer. estava em missão que um rico proprietário me havia dado: encontrar um homem numa praia e dizer: você não se arrepende?! chegando lá o homem desconversou e disse que foi tudo um mal-entendido: ele não havia roubado as fotos de ninguém. aquelas que lhe deram a fama na juventude eram suas, mesmo, e não do rico proprietário. fomos à praia em cinco ou sete pessoas e eu já não estava nem aí com o rico proprietário ou com o famoso fotógrafo ladrão, me engracei com alguém que pode ter sido qualquer pessoa, porque o sonho se esfumaça, e meu pau estava duro, é comum pelas manhãs, os homens sabem.

18.7.10

a lua dessa vez

pego uma estrada
paramaribo road
pra uma palavra desconhecida

o ônibus nas curvas é que nem você comigo

um conhecido quase morreu numa dessas
de veículo tombado na serra

o pai do beto quebrou o pescoço
e a mãe do beto saiu chorando na rua
domingo de manhã
foi morte súbita

por isso é bom que a gente não tenha
rodas nem asas

meu ônibus atravessa a noite
como um túnel com elma chips

o que estou fazendo agora é me agarrar às palavras que eu conheço
porque tenho muito medo de encontrar no gps
as que eu quero com você

e na estrada uma volta das férias
com sanduíches esmagados e boias de patinho
furadas, o globocop noticia
o congestionamento que a gente causou

nisso de ter medo das palavras
eu posso ficar escrevendo até dormir
torço pra ter pesadelos que me expurguem
dessa vez a lua no quarto
crescente não me deixa
sonhar coisas ruins

mas a escrita que conta
só acontece distraída

vou deixar esse texto mesmo assim

16.7.10

tentei fazer um samba

tentei fazer um samba que soasse de bolero
porque espero serenata tua
mas ah, meu samba veio diferente,
rebolando de contente e sozinho
largou Ravel e foi pra rua

tentei fazer um samba que soasse como tango
te amo tanto, chamei pra dança
mas ah, meu samba veio igual criança
sem peso e rebolando a pança
e deu olé nessa finesse sua

e cada samba que eu faço aparece de um jeito
algum sem ritmo, algum desengonçado
e eu desafino pra chegar ligeiro
com bloco e tudo
do seu lado
mas você nem quer saber de dançar comigo
põe defeito, fecha o bico, vai pra longe e não vem mais
e eu te espero bem no meio
do salão, te pedindo por favor, meu amor,
olha pra trás.

agora eu tento um samba livre na avenida
levo a garrafa e mostro a vida nesse ritmo maior
mas se você vier sambando pro meu lado
não danço rumba nem chachado
largo o argentino e o delegado
e com você
eu danço só

bolero

eu fico aqui me embalando em celofane
exposto e barulhento
porque não posso deixar de dizer
língua e dedos ocupados em você

mas se como um damasco
seco nem às paredes confesso
teu nome, sobrenome
e a parte do teu corpo em que desejo
comê-lo

a metáfora é o lençol de cetim
que você levou de mim

as palavras descobertas
o que me resta, o teu enredo
pra espantar o frio é que elas cantam
esse segredo de festim

14.7.10

térreo

a barriga faz barulhos
que até deus duvida

um papagaio inconveniente
você o leva a conhecer o imperador
o papagaio diz viva a comuna
e voa pra longe da panela

o rei está morto. vida longa ao rei.

isso se diz depois
os dois pelados do lado um do outro
sem cetro

a barriga começa a dizer
"mas afinal isto é só um corpo"

ainda que todos olhem assustados
isto é só um corpo
cheio de falhas, por que me abandonaste
cheio de folhas

no próximo travesseiro não direi nada
deixarei que a indigestão diga por mim:
amor, dedo, longe, látex,
quero, não quero, volta, que sim.

12.7.10

falésia falls

monstros marinhos no abismo
depois que o mundo faz a curva

meu avô
conta que os japoneses é que estão certos:
quando nasce filho, eles choram
quando o filho morre, batem palma
e mesmo que isso não esteja no evangelho
a gente nunca sabe o que vai ser o que aparece
mas o que já foi, bem

minha vó sentada concorda
mas nenhum deles bateu palma quando
o meu pai morreu

eu abracei meu vô e ele disse "tá tudo atrapaiado"
e a minha avó não saiu do lado do caixão
e todo dia 27 vai ao cemitério
pra pedir

maldito o pai que enterra o próprio filho

eu não imagino

o máximo que chego perto
é conceber prateleiras de supermercado
desabando na avenida
e os produtos coloridos sendo atropelados à noite
luz dos carros

daqui de baixo, trepado no apartamento do prédio
ter medo do futuro, do passado
não pular da janela
escrever um diário

11.7.10

falésia

Boa noite

Cantada de domingo, mendigo na rua: deixa eu chupar esse pintão, eu gosto mole mesmo. É um moço bonito, imagino que deva apanhar bastante sendo assim tão direto. Mas também, por outro lado, quanta alegria inesperada essa ousadia pode dar. Declinei o convite. Depois pensei que devia ter falado "eu tenho micropênis" e ver até onde vai essa vontade.

preto

essa é pra registrar, por enquanto, o futuro da nação

que em 76 ou 77 meu vô foi assaltado e levaram o táxi dele. depois o português chegou e disse: albino foi você que foi assaltado?, e meu vô disse que sim. "Então vamos lá no meu restaurante que o delegado está lá e quer falar com você". Pegamos o preto, o delegado disse. E meu vô foi até a delegacia.

Na delegacia, trouxeram o preto e perguntaram: foi esse aqui que você assaltou? E o menino, que tinha uns dezesseis anos, disse: foi. Meu vô disse que levaram o menino pra sala do lado e desceram o cacete nele, deram choque no pênis, a pessoa confessa até o que não fez.

Todo camburão tem um pouco de navio negreiro etc.

Isso aconteceu numa cidadezinha do interior de São Paulo. Eu não sabia que choque elétrico era tão comum. Hoje acho que não dão mais eletrochoques no pênis, porque não deve mais poder, principalmente em meninos de dezesseis anos. Mesmo pretos.

Uns meses depois chamaram meu vô no tribunal pra recontar a história, mas o pretinho não estava lá.
Vivia na maravilhosa China um bicho tubarão, bruto e cruel, que mordia tudo, e virava tudo em carvão. Pra acalmar a fera, os chinês fazia todo dia uma oferenda com sete gato maracajá que ele mordia antes do pôr do sol. No ímpeto de por fim a tal ciclo de barbaridades chegou Jamacy, uma entidade da floresta da tijuca. Ela corria pelos matos e avoava pelos morro. E Jamacy virou uma onça dourada, de jeito macio, de gosto delicioso e começou a brigar com o tubarão, por 1001 noites. No final, a gloriosa Jamacy e o furioso tubarão já estavam tão machucados que ninguém sabia mais quem era um, quem era outro. E assim, eles viraram uma coisa só: a mulata do balacochê!

os grandes palcos

tem também que o corpo da gente
nenhum cristão admite
é esse magma fervente encolhido
no meio do gozo

alastrado

e eu tenho sentido as placas tectônicas
se ajustando ao seu lado, em choque

geologia do nosso amor: de pangeia
à polinésia

vou pegar uma caneta pra traçar
com caligrafia chinesa (que é espiritual
e munheca mole) as rotas de fuga do que
chamam de sexo: nossos corpos
sem divisão política, overview
das aves que migram
e pousam em bandos, fazem filhotes
e os comem / amor de mãe é
o estômago.

deste chão a gente não passa, você diz,
e cava mais um buraco. nosso mapa
de relevo, leve, mutável.

10.7.10

no man is an

Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites, manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra em nós uma grande serenidade, e dizem-se as palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.



(José Saramago, Provavelmente Alegria)

.

Correspondência completa

A caixa do correio está vazia. E, se ela volta, de novo está vazia. Mas não nesta manhã: acorda com certeza, avisa a si mesma que deve descer as escadas do jardim, o mato chega-lhe às canelas, e quando alcança o portão já se passaram vinte minutos de lento caminhar, os dedos tremem na portinhola agarram o envelope leem a catarata, papel, mas não: de novo está vazia. virá um filho, um dos maridos, a morte mesma pode vir: na forma de um carteiro que chega ao seu portão, confere ausência de remetente na bolsa e declina da casa, desinteressado. Ela caminha de volta pelo jardim, pela porta, a bexiga solta esparrama urina até o lavabo, ela troca de calcinha e de saiote e come um pão com margarina que enche o estômago feito terra no vaso.

À tarde, fica quieta, sozinha. Parece uma batata brotada.

Mas ó: o melodrama é todo teu. Porque de repente ela ouve um barulho lá fora, olha rápido pela janela a tempo de ver as calças azuis do carteiro escapando pelo canto da rua. E se eu te disser que mais quinze minutos de passo apressado e ela está lá, além do jardim, abre a caixa de correio e vê admirada: está vazia. Não, é mentira. A gente que se agrade com o vazio o quanto quiser. A dela agora sim, porque cheias estão suas mãos: um envelope pequeno que ela abre com dificuldade de quem não quer rasgar. Precioso é o que a gente recebe dos outros, fique velha e não se esqueça. De ter alegria quando apertar os olhos sentada no sofá e cheirando à urina reconhecer duas palavras estrangeiras, tua língua, teu amor,

"Minha querida,"

primeiro andar

tenho cinco anos e atravesso o jardim
com as mãos segurando um mapa de ar
caçador de tesouros a haver
minha primeira ambição: ser detetive
a criança com traços autistas
o amigo na escola era o eric
da outra turma
gordinho usava óculos e tinha
numa das lentes
um tapa-olho do cebolinha!

eu ficava sem graça de pedir pra brincar de pirata.

eu tinha um tesão rasteiro, distraído
pelos meninos no caminho
trepava a árvore mais baixa
e gostava de vê-los.
nos dias sem aula,
levava os amigos da rua pra trás do sofá
e brincava de sequestro
bondage for kids
tapava a boca com a mão
e o bruno lambia a minha palma
eu soltava de nojo
depois recolocava

se eu tivesse menos medo
se depois eu não tivesse

um dia eu acariciava as canelas do tiago
e ele disse que não ia mais brincar, aquilo muito chato.

a única vez que fiquei de castigo
foi por abraçar por trás a taís
no intervalo da professora:
a inspetora na classe bem na hora
e as meninas deduraram a minha tara -
fui posto no corredor escuro, à espera,
o pré-primário.

segundo andar

é aqui que os meninos brincam
eu nunca tive uma casa da árvore
tentei ser blasê
a gente desce no andar e caminha
tem um parque dentro do shopping
com trilhos em alta velocidade
quando acaba, tomamos sorvete

a grande história passional
é um cinemão de pegação
cine saci no centro de são paulo
na ipiranga com a av. são joão

cine saci fechou

às vezes eu tenho um tesão enorme
que quando acordo parece que já fiz
então procuro outra coisa:

polvos, cardumes
nada me basta
chego perto de você, pegajoso,
uma lesma a calda de açúcar
gruda nas tuas dobras

era gostoso quando a gente era
o playground um do outro

9.7.10

a oitava esposa

desta feita um bigode postiço

"queira ser meu tamagochi"
a menina entrava no carro
e íamos às latas pra lua de mel

catar coquinho em praia grande
logo viriam os netos
nos bater por causa de crack

minha avó ficava brava
"onde já se viu ter nome assim!"
se a suzy rêgo aparecia na televisão

as minhas pedras eram outras
sorria pra minha vó e desenhava:

corações cor-de-rosa em nuvens no céu
um deles de batom, o outro de chapéu
e patos fazendo borbulhas de amor
com peixinhos nadando, sem nenhum pudor

8.7.10

'Pensei que o desejo iria me orientar, porém muitas vezes ele se diluía na paisagem. E o que sobrava?' . - Jonathas de Andrade, http://www.olhave.com.br/perspectiva/?p=411

7.7.10

Coisa bem diferente teria sido a vida para ambos se tivessem sabido a tempo que era mais fácil contornar as grandes catástrofes matrimoniais do que as misérias minúsculas de cada dia.

(de O amor nos tempos do cólera)

5.7.10

a grande história passional

abrindo as latas de atum, comendo os caquis secos, saqueia o armário lotado de plásticos

uma vez eu sonhei que comia uma salada de plástico, feita com frasco de creme pra cabelo, e gostava muito.

parecia repolho roxo.

eu acho que o desejo é fundamentalmente um rebuliço. eu acho que a falta é constitutiva e o desejo é antídoto. "Porque há desejo em mim, é tudo cintilância".

gosto muito dos porcos e da chafurdação. também gosto de ratos e de flamingos, gosto de tudo quanto é bicho. menos de inseto, que tenho medo e não enxergo luxúria. menos na aranha, que eu vejo a luxúria da teia, mas morro de medo.

gostava mesmo era de viver exatamente do jeito que eu vivo, só que mais tempo com as gentes e com os bichos.

aluguei um filme de amor que está me esperando em cima da cama. o lençol é vermelho, dei pra curtir clichê nesses tempos. refreio os dedos que querem tocar mais de um homem porque botei na minha cabeça que é preciso respeitar o espaço do outro. eu sou muito respeitoso, vê?

:

o amor essa mucosa

webcam

um dia ainda te conto a grande história passional: migalhas acesas no colo, mama cass na webcam do pescoço pra baixo. não essas palavras que a gente envia por correio, incauta. o poeta dizia que a burguesia virou a classe universal, sugere onças pra guiar crianças cegas, o coito anal derruba o capital. então tem câncer, morre, é cremado num domingo à tarde.

abro o meu caderno de rascunhos e publico intimidades no primeiro poste que aparece.

mama cass morrendo ofendida: todos dizem que é sobrepeso, uma gorda não pode enfartar? para cremá-la, incendeiam a casa toda.