29.1.11

a infância da arte

meu primeiro nome foi temístocles ambrósio. não tive muitos depois, também porque entrei numa neura da dizer a verdade que, cá pra nós, não é bem assim. tenho pouca imaginação pra pseudônimos, percebe-se. e aquele eu escolhi não me lembro por que, mas com certeza havia uma justificativa poética, eu era bem poético. tinha quinze anos e escrevia cartas enormes, falando de líquidos que eu nunca tinha experimentado, mas muito voluptuoso, para um homem trinta anos mais velho que morava em belo horizonte e fazia mestrado em literatura comparada na ufmg. lembro que numa carta eu lhe falei que caetano veloso era um gênio e ele respondeu discordando e dizendo "o conceito de gênio..." ou algo assim. aprendia muito e me masturbava. ele me contou que era muito reservado e que seu pai gritava com ele na infância da fazenda, "não rebole!" e outros horrores da tradicional família mineira, mas que agora ele perdoava, ainda morava na fazenda, os pais o aceitavam e era só por via das dúvidas que eu continuava escrevendo para a caixa-postal. as respostas dele vinham em folhas cor-de-rosa e impressas em fonte cursiva, que ele dizia ser mais bonita que a letra de mão dele. sempre dizia algo do meu petardo, que, se cheguei a procurar no dicionário, esqueci, mas virou uma palavra que uso até hoje quando quero pensar um erotismo parnasiano. "o seu petardo", ele dizia, e também me chamava de anjo de caravaggio ou algo assim. porque eu tinha cabelos cacheados e descoloridos na 3x4 que lhe mandei.

não lembro o nome dele, mas tenho todas as cartas guardadas em algum lugar. deixei de escrever quando perdi uma carta que havia escrito, até hoje acho que foi minha mãe que a sequestrou, mas nunca me importei, também porque não queria mais escrever pra ele, e quero que minha mãe se exploda. tampouco ele me escreveu mais, deve ter arranjado coisa melhor pra fazer. ou então se decepcionou, cagou de medo que eu tinha só quinze anos e lhe contei a verdade, na primeira carta tinha mentido dizendo ser pós-púbere ou algo assim. eu queria ser o olavo bilac e não sabia. sempre achei o bilac tesudo. josé de alencar também, babo por aquela barba.

não lembro o que ele estudava no mestrado. achava muito difícil entender. talvez cecília meireles e drummond. está numa das cartas. também não lembro porque o escolhi, entre tantos outros anúncios da sessão de encontros da g magazine, nem se ele foi a única resposta das muitas cartas que eu possa ter escrito. acho, também, que pouco depois depois eu já tinha um computador, icq, e que passei a sair de madrugada para encontrar outros caras no centro da cidade. em sua maioria eles eram casados, mas tinha também os solteirões e todos eles devem ter ouvido gritos de "não rebola!" na infância.

esses dias dei de procurar esse cara pela internet, mas não o encontrei. a angélica freitas estava publicando uma série no blog dela, há um tempo atrás, tagueada "pessoas que não vão me googlear". eu poderia taguear este post assim também. mas, ai, vai que esse cara inventa de escrever "temístocles ambrósio" no google e dá de cara com este texto. ele me acha e vê que eu contei toda a história.

já faz dez anos e o crime expirou. caro correspondente, agora nem tenho vergonha.

Um comentário: