18.1.11

névoa

Foi um fenômeno interessante, que vale a pena relatar.

Um dia a materialidade das palavras. Não bem isso. As palavras, o em-si delas. Tornou-se água e escorreu.

Como toda grande epidemia, essa aconteceu lenta e veloz. Como um elefante. Não um elefante correndo, embora também assim. Os elefantes são os animais que mais causam morte no continente africano. Parece que é muito fácil morrer pisoteado por eles. Agora imagine a própria figura: ELEFANTE. Ele é improvável, mas tão pesado que não deixa espaço pra dúvidas. Pois. Quando aconteceu, as imagens de elefante ficaram intactas, mas era só alguém pronunciar, "elefante", que, uma loucura, do ar as ondas quebravam em líquido, caíam no chão e ninguém ouvia nada além do barulho terrível que é o da água, o horror o horror, se você pensar 20 milhões de habitantes dizendo na cidade e o único som que se ouvia era esse, chegando em manada um tsunami. Pra te afogar.

Muita gente conseguiu sobreviver. (Vou ver só o lado bom das coisas. Não.) Milhões morreram. Talvez fosse feitiço de índio pra que a represa de Belo Monte afogasse São Paulo. Tentei pensar de outro modo, agora, mas sou cristão e quero o castigo pelos meus pecados. Ou ser cristão é só uma desculpa. Bem, o que eu sinto ou deixo de sentir não ressuscita esses milhões de mortos que se afogaram no não dizer.

Porque não foram só as palavras ditas. As bibliotecas, as empresas, todos os papéis que traziam. Foi um mar que descobriu por acaso de fofoca ouvida sem querer que nada o segurava. E que, desconfiado, tentou. E que, vendo que conseguia, teve raiva e liberdade.

Os helicópteros mal sobrevoavam toda a extensão, lhes acabava o combustível, e todos tinham que ficar bem quietinhos. Um grupo de surdos que estava no nosso abrigo improvisado falava com as mãos e isso pareceu ser uma resposta. Pararam quando seus dedos também começaram a escorrer. "Se vocês continuarem, todo o corpo de vocês vai sumir no ralo" nós pensamos, e tivemos medo de que nossos cérebros se liquefizessem com as palavras pensadas, e tentamos não pensar mais.

Foi assim.

Agora me pus numa sinuca de bico, porque não sei como terminar essa história e não tenho mais nada o que apostar. Me dei conta de que escrever essa história é a própria negação da história. Ando desconfiado de que eu também sou a própria negação de mim, mas não quero entrar nesses meandros. Olho pra dentro da caverna e tenho medo. Se eu tento falar com ela civilizadamente, a única coisa que ela me responde é o meu próprio eco. Então lhe dou as costas e ando para longe, mas o eco ainda me persegue (se você falou uma vez, pronto, está condenado pra sempre a ter falado essa uma vez. O planeta só se move em uma direção), o eco fica ecoando. Até que o som bata tanto nas paredes que encontre um começo, uma saída. Descubra a fonte. E se transforme nessa onda que assoma imensa às minhas costas, eu não me ouço.

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