3.7.11

Declaração de amor efêmero

o grande sonho da vida era ouvir aquela pergunta, "se alguém tem alguma coisa contra esta união, que fale agora ou" era mais uma imposição, ou um pedido. Ela não falaria absolutamente nada, ficaria quieta. Mas o que nos move é mais a possibilidade do que o ato. É?

No caso dela, sim, que era tímida e ressentida. Se ouvisse isso no seu próprio casamento, morreria de medo que alguma vagabunda se levantasse pela igreja e começasse a dizer impropérios, de bucho cheio com o dedo a acusar seu marido, agora ex-futuro, como se livrar de uma humilhação dessas? Morreria de medo que outra gritasse, mas mesmo se ninguém abrisse o bico, ê, ela própria, no seu íntimo, bem, também não gritaria. Mas pensaria assim: "eu POSSO. Posso, sim. Agora: eu posso."

Poder não diz muita coisa. A Bíblia diz: tudo posso naquele que me fortalece. Mas também diz: tudo posso, mas nem tudo me convém. No mais das vezes, "poder" é assim: você no ônibus uma estrada noturna e pedregosa, acorda e pensa "eu posso morrer agora". E isso é uma sombra de medo que o próximo farol espalha. Ou que se cai da ribanceira.

Eu tenho um amigo que quase morreu num acidente de ônibus. Ainda bem que não morreu. Foi pura sorte.

(A dele. A das pessoas que estavam naquele ônibus e que morreram. Eu não acredito em Deus, então digo assim: que foi puro azar.)

(Ou pode não ter sido. Vá saber como aquelas pessoas morreriam depois, ou pior: como viveriam, em que situação de miséria! Porque a desgraça não tem limites.)

(Eu digo essas coisas porque estou vivo. Pode parecer que tripudio. É verdade, tripudio um pouco, sim. Mas também penso que as coisas acontecem e que a gente não tem muito o que fazer, além do que a gente já faz. É certo que umas pessoas fazem corpo mole. Eu faço muito! Deus - se existir - é quem sabe. Mas agora estou nadando pra longe da praia. Onde é que eu estava?)

Onde é que ela estava?

Ah, sim: saindo do casamento. Desta vez eu não pude. Acho que é o primeiro casamento que eu vou. Assim, adulta e cheia de rancores, prestando atenção no reverendo. Com a bolsa cheia de balas de coco festivas, leves, tão doces, fazem cócegas nos dedos, ela pensa aquele açúcar e lhe vem um desamparo assim tão grande, quase formula: que eu nunca vou poder.

Tchau, querida, muito obrigada pela carona, viu. A festa estava linda, sim. A cerimônia estava linda, sim. É, o bolo. Sim.

Agora eu entro em casa e fecho a porta. Devagar pra não acordar mamãe, que dorme no quarto. Se acorda, começa a gritar, pois já não bate bem da cachola, não entende o que se passa. Me vê e me confunde com o marido. Onde foi que eu ouvi essa história? Agrego aqui à minha personagem, espero que os donos da história não possuam direitos autorais nem se sintam ofendidos. As histórias não têm donos. A mãe a vê e a confunde com o marido. Diz "Zelão, vâmo metê!". Já nem se choca mais com tanta vulgaridade, ela que nunca imaginou a mãe assim tão baixa. Mas prefere não ouvir.

Agora eu me deito na minha cama. Ah, esqueci de escovar os dentes!!! Agora eu escovo os dentes e me deito na minha cama. Tive vontade de chupar uma bala de coco. Agora eu chupo a bala de coco, depois escovo os dentes e de novo me deito na minha cama.

O reverendo não perguntou, eu sei, por medo! Ou por falta de costume. Aposto como, na época em que se perguntava isso (quase um pedido!), que "se alguém tem alguma coisa contra esta união, que fale agora ou" muita gente se levantava e isso acabou se tornando um perigo até para a continuação da espécie! Seu corpo esquenta com a cama. Minha cama é imensa, já te disse? É minúscula, fica imensa sem você. E pensar que eu comecei este texto e era pra ser uma declaração de amor, como a que o título anuncia. Mas, olha: acho que ainda é.

Amor é estarmos vivos.

Tipo ela, que agora dorme cada vez mais, cada vez mais. Vai chegando ao sono profundo.

Sabe que: um grupo de cientistas descobriu que, quando dormimos, sonhamos com lindas balas de coco num maravilhoso arranjo! Mas, quando acordamos, não nos lembramos de nada.

É bom que ninguém me pergunte, de verdade, o que eu acho dessas coisas. Do mundo, dos rancores. Porque posso ser bem mal humorado. Que nem minha personagem, que, contrariada, preferia que o carro dos noivos quebrasse no meio da estrada! Mas isso ela não confessou pra ninguém, quase nem pra si.

Agora eu vou trabalhar mais um pouco. Depois vou desligar o computador e eventualmente vou dormir. Talvez ferva uma xícara de chá e agarre um livro que me faça companhia nos últimos momentos.

Dormir é estar acompanhado de si mesmo.

Ê, veja só, hoje estou cheio dos ensinamentos! Ela, por outro lado, já ronca nas balas de coco que os cientistas prometem. Quando eu te encontrar novamente, nenhuma voz no aeroporto vai se levantar para dizer "se alguém tem alguma coisa contra esta união, que fale agora ou" você vai ver. Então vamos aproveitar, porque a festa é toda nossa! De um carro quebrado nesta estrada, quem perde o teto ganha estrela, confeitos de açúcar buscados nas dobras, chuvas, prazeres. E calemo-nos agora. E falemos para sempre.

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