24.2.12

há um muro em frente ao muro, e outro muro depois do muro e deste muro. Desde o príncipio as pessoas constroem muros, e antes do muro havia o muro, e antes do primeiro tijolo ser pensado havia a necessidade do muro, a falta que o muro fazia. E antes da falta? Não consigo imaginar. Eu nasci muro.

Já pequenos aprendemos a pôr as pedras e os cimentos que outros fazem. A sociedade está dividida em: os que fazem o material para o muro, os que constroem o muro e os. Os outros, que não se conhece e não se sabe o que fazem. Eles estão além do muro. No seu começo.

Minha mãe morreu. Ela passou a vida inteira, como eu, cimentando e crescendo o sólido contra a vista. Se me perguntam, caso alguém me pergunte, eu penso um pouco e acabo que não sei responder porque faço o muro, porque quero o muro, porque sou o muro. Alguns de nós dizem: ah, se eu não fizer o muro eu morro. Desconfio muito dessa resposta, mas não possuo outra melhor.

Quando alguém morre (tipo a minha mãe) Todo mundo morre, Quando a pessoa morre, coloca-se seu corpo morto dentro do muro que se estiver construindo e aí se põe cimento terra tijolo, o que for, em volta. Então eu amurei a minha mãe, eu e os outros, e cada um amura o seus com a ajuda dos outros, são todos nossos, somos todos deles.

Alguns cantam. Eu sempre fui meio triste. A humanidade é variada. Tem gente que sobe em cima do muro e se joga. É sempre um choque. Depois amuramos a pessoa também, porque ela é morta.

Quando a pessoa comete um crime - de matar alguém ou, por exemplo, querer quebrar os muros, em vez de levantá-los - é punida sendo amurada viva. Há várias covas verticais, espaços que deixamos entre os muros, onde entra um pouco de ar, nenhuma luz, a pessoa não pode se deitar e morre (supostamente, porque ninguém nunca voltou para contar ou conferir) uma morte lenta e sofredora. No fim, todos acabamos dentro dos muros, vivos ou não.

...

Há pessoas que fabricam os tijolos e o cimento. Nós quase não as vemos. Não sei como elas morrem. Desconfio de que sejam enterradas na própria terra. Não sei se vivas.

E há as pessoas protegidas pelos muros. Ninguém sabe quem elas são. Talvez estejam lá por castigo, ou será que podem sair pelo outro lado? Que há cascatas e pomares, cavalos fortes e livres correndo ao seu redor, que pode ser lá atrás desses muros altos e cada vez mais grossos que construímos.

Um dia, depois de muito tempo que eu tiver morrido, esses muros ainda estarão aí. O que restar de mim (se é que algo resta) vai estar dentro dos muros, uma parede. E depois do meu muro haverá mais muros, e muros antes dos muros que virão dos muros. Desde o princípio, sempre o maior princípio. Até antes do fim.

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