a gente se encontrou numa sorveteria e tudo o que ele era estava ali: bondade creme, gosto suave variado colorido, doce mas nem tanto. e frio. o que fazer com um homem desses? eu tentava uma sedução de filme, distraído que estou desde que enviuvei de mim mesmo (e descobri que em vida eu tinha amantes e um trabalho secreto como espião do governo, foi uma decepção). mexia no cabelo, abria as pernas pra me tocar, as coxas enchendo as calças. me inclinava de leve pra ele. eu era um peixe recém-pescado naquela mesa, tentando pular de volta pra água, que era aquela mesma mesa, e ele é que era a água. mas não: ele era um sorvete.
depois se despediu, rápido e cordial, e também era minha hora de ir, ele tinha um filho pra buscar, eu não sei o que eu tinha que fazer. capaz que nada. talvez sair escorregando, me debatendo no balde, na grama, pulando pra dentro de um lago, o lago era o metrô era um rio que me levou de volta pra algum lugar do qual eu já saí, o futuro é um mar, a mínima ideia de em qual correnteza posso estar agora, se estou na poça, na fossa, no fundo de um poço. se num aquário. dum consultório de dentista, dum restaurante, da casa dele, onde o filho às vezes olha os peixinhos e se encanta, e ele, o homem, os alimenta todos os dias. com dedicação, pontualidade e silêncio. depois apaga a luz do quarto e dorme comigo macio e distraído. limpo.
não nos vemos nunca mais. é um homem bom, é um homem limpo.
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