27.8.10

bonita

Nem a mãe consegue achar. Olha pro marido constrangida, vê que ele também não acha, mas quem irá admitir? Nem tem o que admitir. Estou levemente copiando a história do romance Cotovia, de Dezső Kosztolányi, e nem tinha reparado, desculpe. No livro, a Cotovia é uma solteirona que mora com os pais e que vai passear no campo. Aí eles ficam sozinhos em casa pela primeira vez desde que a filha nasceu e têm de admitir gradualmente: ela é feia. O romance é muito mais sutil. Vou mudar a estratégia e tirar o foco dos pais.

Nem a mãe consegue achar. Ela passa o batom, vinte anos a pele tão seca, os lábios puxados, ela parece um peixe. Ai de nós, um peixe feio. Se namorasse um rapaz camponês em alguma ancestralidade inocente, ele olharia pra ela com ternura e espanto, de pau duro, e diria: você tem olhos de bagre. Ela ficaria ofendida e elogiada e dengosa com carícias: e o seu mastruço é de lambari. Vamos convir que a beleza e as adequações do corpo são bastante relativas e constrangem qualquer um, quem é que está feliz consigo? Muito menos com os outros. Ela, coitada, calhou de exceder os limites da civilidade. Tem gente que grita na rua "filhote de cruz-credo!". Era legal ter uns campos de concentração pra gente que nem ela. Ou, numa ancestralidade tribal, teria sido enterrada viva assim que nascesse. A maldição da mulher-peixe.

Aqui eu perdi o estilo outra vez. Ninguém gosta de uma menina feia, ninguém vai gostar de um texto feio. Harmonia e reconhecimento. Somos todos uns nazistas.

Pois bem. A mãe olha resignada a menina que sai de batom, perfume, roupas boas e mesmo assim é um estrupício. Chegaram a ir no médico, mas não, senhora, a medicina ainda não identificou isso como uma síndromes, não senhora cromossomos DNA sim podemos fazer testes mas, entenda, não há um padrão, veja aqui: sua filha é perfeitamente normal para a medicina. Um cirurgião plástico, talvez, embora ele não vá resolver o cecê, o cabelo ruim, a corcundinha, talvez modelar um pouco os olhos, fazê-los assim de gazela, implantar cílios, talvez melhore.

A menina sai sem cura e encontra o homem que a espera de carro. As fotos na internet não davam a dimensão de que era tanto o estrago, ele se assusta um pouco, mas se controla. O homem é meu pai, por isso eu sei de tudo isso: ele põe a piça pra fora e galanteia: e aí, vamos assar essa perereca? Ela fica masturbando e eles vão falando sacanagem até chegarem num motel. No caminho ele pede: mama o gansão do papai aqui, porque assim a cara dela não fica visível pros outros motoristas. De boca cheia, encolhida num banco macio, a mucosa é o prazer universal. Vou parar aqui e brincar com a minha. Fim.

Um comentário:

  1. Cotovia - fui fisgado. Daí no google todo mundo elogia o livro. Daí na estante virtual só tem cinco obras do autor, menos Cotovia. Daí na livraria Cultura não tem.
    então pergunta-se COMO ONDE QUANDO VOCÊ CONSEGUIU LER ESSE LIVRO?
    como EU faço?!

    bjones

    ResponderExcluir