5.8.11

porque eu era labirinto

meus últimos dias passei com uma
turca que se ia deixando todos tristes
importei um silêncio direto de istambul
não conheço istambul, não falo turco
o silêncio chegou numa caixa bonita
sem selo do ibama, contrabando de animais
selvagens

aqui não tem ibama. passei
os últimos dias onde ninguém fala a minha língua
parece que vim pra cá justo pra esse exílio
não ter que dizer o que não tem pra dizer
entrar no blogue escrever as palavras superfície
depois eu volto pro estrangeiro e não sou mais
escritor, não sei nada da turquia, só que
a turca causa mais comoção do que eu na
cidade natal

às vezes eu me surpreendo com a descoberta
de que não existo. essa toda a aventura da
burguesia nos últimos séculos, "eu não
existo"

aqui não tem descartes

tem um vaso quebrado, vazio. tem eu não sabendo nada
da turquia nem de nada. tem o aquecedor ligado
e litros de cerveja. vou fazer uma historinha.

era uma vez agora. era agora. aí o cachorro esqueceu o corpo dele num canto. quando se deu conta, olhou e não podia mais voltar pro corpo. então deu um nome pro corpo. falou: rex. o rex se levantou abanando o rabo, língua de fora, era uma graça. aí o cachorro seguiu andando sem corpo e o cachorro era uma gente. de pessoa, digo. ficou assim: era uma vez um homem e seu cachorro-corpo rex. esse homem era eu e eu não tinha um cachorro. mas eu não existo. só em algumas frases. então fica assim: era uma vez um cachorro sem dono. seu nome poderia ser rex, se ele tivesse um dono. eu estava do outro lado do continente, deitado num sofá pensando no inevitável que é o corpo. isso porque me doíam os joelhos. do dia em que saí pra passear com meu cachorro e ele deu um puxão, eu caí e ele se foi. de coleira arrastada pra rua, pra debaixo das rodas de um caminhão. voou sangue e cérebro de cachorro pra tudo quanto era lado. um cachorro morto não é mais um cachorro. era uma vez um caminhão. era uma vez a morte. era uma vez eu passando frio, e liguei o aquecedor. agora estou sentado à mesa. agora. agora. agora

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